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COI fez investigação para evitar plágio, diz criador de logo

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Desde que foi apresentada oficialmente na Praia de Copacabana, momentos antes da chegada de 2011, a logomarca dos Jogos Olímpicos 2016 virou um dos assuntos mais comentados na internet. Já no dia seguinte, os incontáveis elogios, a boa recepção por parte da opinião pública - muito diferente do que ocorreu com o logotipo da Copa do Mundo 2014 - passaram a dividir espaço com insinuações de plágio, também emergidas na web.

O debate foi levantado pela semelhança com a logo da Telluride Foundation, instituição filantrópica norte-americana, que teria se inspirado no famoso quadro A Dança, do pintor francês Henri Matisse.

Em entrevista a Terra Magazine, o idealizador da marca, Fred Gelli, diretor de criação da agência Tátil Design - vencedora de uma concorrência que envolveu 139 empresas - garantiu que viu o logotipo da Telluride pela primeira vez apenas em 2011 e negou, com vêemencia, as ilações de que houve cópia.

- Nossa marca passou pelo crivo do sistema de avaliação de propriedade intelectual mais rigoroso do mundo. O Comitê Olímpico Internacional fez, por seis semanas, uma investigação em cada continente, verificando a possibilidade de qualquer tipo de conflito entre a nossa marca e outras marcas que já existam. O que existe é que os elementos isolados são parecidos, porque são figuras humanas, que estão em roda, dançando e isso é um signo universal. Seria uma ingenuidade pensar que isso iria passar. Foi uma coincidência - argumenta.

Gelli, que em sua página pessoal do Twitter explicou o significado do logotipo ("são atletas, são cariocas em movimento, movidos pela paixão de uma causa comum e transformadora. Ao mesmo tempo fazem referências às três raças que nos dão origem. As cores são nossas matas, nosso mar e o nosso sol"), fala ainda sobre o processo de criação, o sigilo que foi obrigado a sustentar, a emoção de ver a marca "em movimento" na praia de Copacabana e a ajuda de sua avó de 92 anos, uma das primeiras a receber a notícia da decisão do Comitê Olímpico Internacional.

- Eu ligava para ela e pedia: "Vózinha, dá uma rezadinha aí e tal". A reza dela é poderosa - brinca.

Confira a entrevista

Terra Magazine - Foram mais de 50 desenhos até chegar à logomarca final. Queria que você falasse um pouco desse processo de criação.

Fred Gelli - Foram mais de 50 marcas geradas no período pré-concorrência, pelos escritórios de São Paulo e do Rio. A gente experimentou tudo. Buscamos inspirações nas tradições brasileiras, na arte contemporânea brasileira. Vimos Tarsila do Amaral, ouvimos música. Tem toda uma dimensão de inspirações. 

Várias das curvas da marca são curvas das montanhas do Rio. Uma das curvas é a forma do (morro) Dois Irmãos. Há a curva original do Pão de Açúcar, mas têm detalhes que você só vai vendo depois.

Quanto tempo durou o processo até a finalização? 

Foi uma gestação, durou nove meses. Trabalhamos até 30 de dezembro.

Como chegaram à marca final?

Fomos selecionando as marcas num processo completamente democrático, usando o critério da checklist, uma lista com 12 itens (entre eles, se refletia o espírito olímpico). Ouvimos até a secretária, queríamos ter a visão do povo, porque a marca tem que ser para todo mundo. 

No final do processo, sobraram duas marcas. Foi incrível porque houve um empate técnico.

E como foi resolvido o impasse? 

Literalmente, metade da equipe preferia uma. Metade, a outra marca. A que foi escolhida, preenchia os 12 requisitos (do questionário). A outra marca preenchia 11. Na última hora, sobrou para mim a roubada de ter que decidir em qual marca apostaríamos a nossa sorte na concorrência. Graças a Deus e às rezas da minha vózinha querida, escolhi a marca certa (risos).

Falando na sua avó, é verdade que ela foi uma das poucas pessoas a saber que a logomarca havia sido escolhida? Você comentou no seu Twitter que foi um processo sigiloso. Falou que estava aliviado por dividir o segredo com todo mundo. 

Nossa, foi uma loucura. No dia em que soube que a gente tinha ganhado, foi no dia 2 de setembro, eu recebi uma ligação do comitê organizador dos jogos olímpicos, dizendo que a marca havia sido escolhida. Quase bati com o carro. Quase tive um enfarte na hora. 

Fui informado que deveríamos manter sigilo absoluto por quatro meses. Era uma exigência do contrato. A multa era altíssima. Falei para o comitê: "Tudo bem, guardo segredo, mas para minha avó vou contar agora" (neste momento, a avó liga. Fred interrompe a entrevista para atender o telefone, explica o que está acontecendo e retoma a conversa).

Aí, liguei para a minha avó. Eu ligava para ela e pedia: "Vózinha, dá uma rezadinha aí e tal". Sempre faço isso.

A reza dela é forte (risos)... 

Muito poderosa (risos). Ela tem 92 anos e é super lúcida. Por coincidência, naquele dia de manhã, dia 2 de setembro, eu tinha ido visitá-la. Havia chegado de uma viagem aos Estados Unidos, onde fiquei por três dias. Saí da casa dela uma da tarde, fui pegar minha filha no colégio e a ligação veio nessa hora. Minha avó havia acabado de perguntar: "Fred, tem notícias daquela história (sobre a escolha da marca)?" Na sequência, os caras me ligam.

Ela guardou segredo, mas foi muito difícil. Oitenta pessoas da Tatil não sabiam que havíamos ganhado. Apenas 20 sabiam. Eram os que tinham que trabalhar nos refinamentos pedidos pelo comitê. As outras pessoas desconfiavam, claro, porque íamos trabalhar numa sala lá embaixo, sem internet, ninguém entrava com celular.

É verdade que cada vez que havia uma impressão da marca, o papel precisava ser destruído no final do dia? 

É. Isso é muito louco. Manter em isso sigilo, não contar para os amigos próximos, meus amigos queridos...Não poder dividir a notícia mais importante da minha carreira com meus amigos, foi muito difícil. 

Houve coisas curiosas, como, por exemplo, aquela bandeira que apareceu na praia (Copacabana, momentos antes da chegada de 2011). Ela foi feita em três fornecedores diferentes. Um imprimiu só o símbolo, outro imprimiu só o logotipo e o terceiro, só os anéis olímpicos. Juntamos isso em um galpão.

A marca tridimensional que mostramos, uma marca grande, com dois metros, que a gente fez uma projeção linda, um esquema incrível, foi feita em 100 pedaços, que só juntamos no galpão. Projetamos num símbolo todo o conteúdo da marca. O verde virava floresta, o azul virava água...

Quando a bandeira dançou sozinha, as pessoas mexendo as mãos e a marca ficou viva... Uma das coisas que mais queríamos é que a marca passasse a dimensão do movimento. Ela ficou viva. Foi algo sem planejar, que mostrava exatamente o que a gente queria. O jeito do carioca de improvisar, de envolver, de acolher a própria marca. O carioca estava abraçando a própria marca, de um jeito muito simbólico.

Como você descreve o que sentiu na hora? 

Foi incrível. Chorei muito. A gente percebeu, naquele momento, que a marca tinha sido aceita.

Ao contrário da logomarca da Copa 2014, esta foi muito elogiada. Vocês esperavam essa aceitação? 

A gente tinha feito pesquisas internas e a marca havia sido bem aceita. Mas eu estava tenso. Não sabia como ia ser.

Como vocês receberam as ilações surgidas na internet de que a marca teria sido plagiada? 

Isso é fácil de explicar. Quando você pensa em pessoas se abraçando, confraternizando, você acessa um símbolo que é absolutamente universal. Foi o mesmo símbolo que (Henri) Matisse acessou no quadro dele, que a marca dessa associação (Telluride Foundation) acessou. Você encontra em arte rupestre, em arte indígena. 

Nessa hora, você está usando um arquétipo, algo que está no inconsciente coletivo. Mais do que isso: quando se pensa numa representação humana, não há como fugir de determinadas proporções. Um braço é um braço. Um tronco é um tronco. Então, quando se coloca pessoas abraçadas, elas ficam "parecidas" como elementos isolados. Essa é a grande diferença. 

Nossa marca passou pelo crivo do sistema de avaliação de propriedade intelectual mais rigoroso do mundo. O Comitê Olímpico Internacional fez, por seis semanas, uma investigação em cada continente, verificando a possibilidade de qualquer tipo de conflito entre a nossa marca e outras marcas que já existam. Imagina o rigor. O que existe é que os elementos isolados são parecidos, porque são figuras humanas, que estão em roda, dançando e isso é um signo universal.

Isso não tem nada a ver com plágio. Plágio é algo totalmente diferente. O que é incrível é que as pessoas estão defendendo a gente na internet de um jeito muito legal.

Como vocês avaliam essas manifestações? 

Acho incrível. Outra coisa curiosa é que nunca tínhamos visto a marca dessa fundação (Telluride Foundation). Vimos juntos, pela primeira vez, no dia primeiro de janeiro. Se você colocar no Google pessoas abraçadas em roda, essa marca não aparece. 

Temos 20 anos de tradição. Sempre fui contra plágio. Seria uma ingenuidade pensar que isso iria passar. Foi uma coincidência.

As escolhas foram feitas em cima de um conceito, uma ideia. Quem está plagiando não consegue explicar conceitualmente. 

Decidimos não entrar na polêmica. Vamos apenas abrir nosso processo criativo, que envolveu 100 pessoas.