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Renovação ameaçada

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Situações controversas e intrigantes têm sido reveladas pelos que procuram elaborar previsões sobre as possibilidades de as próximas eleições oferecerem grandes novidades. A questão imediata está nos indicativos de que, partindo-se do desânimo dos eleitores em relação à necessidade do voto, e a queda da credibilidade da classe política, haveria um volume considerável de votos nulos e em branco, numa grande olimpíada de cidadania negativa. E observam que este é um dado a que desde já se deve reconhecer concretude, por mais constrangedor que seja.

Há outro pessimismo. Não deixa de causar surpresa, até estupefação, que há também sinais de que será reduzido, inferior em relação a pleitos anteriores, o índice de renovação no Congresso Nacional. Estranho porque, se é latente o repúdio aos políticos em exercício de mandato, qual seria a razão majoritária para renovar aqueles mandatos? O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar divulgou comparações sobre votações anteriores, a partir de 1990, mostrando que a tendência de renovação tem oscilado entre 45% e 50%, mas estudos paralelos ainda mais pessimistas, acenam que essa tendência pode girar em torno de 30%. Há pesquisas que estariam autorizando tal previsão.

Como explicar o fenômeno? Natural seria admitir que, reprovados os atuais parlamentares, a reação consequente estaria na renovação expressiva.

Mas, na política, principalmente quando o poder está em disputa por seus agentes, a lógica é bem relativa. Tanto assim que, para mudanças na composição das bancadas, sejam elas amplas ou modestas, é preciso considerar que a legislação eleitoral que vige contribui, ela própria, para amarrar e sufocar as iniciativas de mudanças. Parece que a inspirá-la recorreu-se ao inverso do jargão: não se mexe no que deu errado.

O primeiro fator a dificultar uma ampla sucessão no Congresso está  na distribuição de tempo e espaço da propaganda em rádio e TV, cujo critério contempla exatamente os partidos que detêm maiores bancadas; o que configura distinção e favorecimento para os candidatos à reeleição. Esses são também os que guardam e gerenciam o cofre do fundo partidário, orientando a divisão dos recursos financeiros disponíveis. Pois, confiando-se a guarda do cofre aos candidatos a novo mandato, procede-se com imprudência semelhante a confiar ao Conde Drácula o plantão noturno no banco de sangue...

Houve modestas e isoladas tentativas para eliminar distorções desse processo, que ajudam mais os que são fortes e cuidam de enfraquecer os que são novatos. Contudo, para que prosperassem tão boas intenções, necessário seria mexer na lei dos interesses, o que sempre se afigura como tarefa dificílima. Coisa parecida levou ao desânimo o abade Sieyés, em véspera das Gerais de França: as leis, longe de pretenderem igualdade, são cúmplices dos privilégios, disse ele.

Para quem se apresenta como iniciante na disputa de outubro, outro desconsolo está na duração da campanha eleitoral, não mais de 90, mas de 45 dias. Melhor para os que já são conhecidos, frequentadores da mídia, e com quatro anos endereçando correspondência aos eleitores, com verba de gabinete.

A distância que separa veteranos e novos tem todos esses elementos para que se faça compreender com suficiente clareza. Mas não evitará espanto se, em outubro, forem confirmados os indícios de uma pobre renovação das cadeiras da Câmara e do Senado. Porque, nesse caso, o eleitor estará renovando confiança em quem vem declarando toda a sua desconfiança. No mínimo um exercício de contradição.