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Reformas sem rancores

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Bastariam a leitura superficial do noticiário e as entrevistas publicadas nos últimos 20 dias para se sentir, como fundadas, as preocupações de analistas políticos, estejam eles entre os mais sóbrios ou mais exaltados, quando elaboram previsão de uma campanha eleitoral acirrada, com matizes de intolerância. Quase unanimidade, quando os sinais se sentem no ar: ofensas raciais; exploração interesseira da memória de mortos; mártires de ocasião; acusações raivosas; tudo para fazer crer que o próximo governo, seja ele de partido ou de que aliança for, enfrentará imensas dificuldades, não só para aprovar, mas até mesmo para o simples encaminhamento das propostas de reformas, nossas velhas e sempre esquecidas aspirações. 

A previsão soturna se insinua, portanto, como fator consequente das feridas que restariam de uma campanha, já tensa nesta primeira fase, num quadro, aliás, de preocupações de raros antecedentes. De fato, a prevalecer disposição para radicalizações pirracentas, essas que não têm retorno e condescendências, o risco da ingovernabilidade, no âmbito das reformas, deixaria de ser apenas um perigo iminente, para se tornar verdadeiro impasse. Mais quatro anos perdidos. Não merecemos. 

Desenvolvida a disputa eleitoral nesse clima sombrio, no próximo ano, assumindo o presidente e investida a nova legislatura, os partidos viverão dificuldades para dialogar com resultados. Seria o suficiente para condenar às calendas o tão desejado elenco de iniciativas capazes de reorganizar a estrutura e a dinâmica das instituições, a começar pela reforma política, a mais sensível, e, portanto, a de tramitação mais custosa. Essa, não custa lembrar, leva em seu cerne a dependência de uma harmonia mínina entre os partidos, quaisquer que sejam suas convicções e projetos; até porque a nova estrutura desejada a todos afeta. É de interesse e conveniência comuns. Tem sido assim também no resto do mundo. 

Outra, entre as virtudes de um diálogo que seja capaz de condenar ao passado e ao esquecimento os conflitos da campanha, é a quase certeza de que o país poderia chegar às reformas sem resquícios desses rancores, que, se em nada contribuem, por certo são poderosos na capacidade de destruir. Desejável, portanto, uma discussão inspirada na paz; também longe de nefastas precipitações, como no sugerir do ministro Ayres Brito, ex-presidente do Supremo Tribunal: vencer na política não por nocaute, mas na contagem de pontos.

Obedecer a limites na luta pelos votos, sem permitir excessos com desdobramentos futuros, parece ser algo sem contestações no horizonte do ideal. Mas, mesmo ante tamanha evidência, restam senões que antecipam poderosa dose de pessimismo, objeto da preocupação dos analistas. É o que se sente desde este maio que mal começou. Vê-se que a campanha não chega mostrando as mãos, mas as garras, ensejando apreensões antecipadas; e, pior, ameaçando a sucessão de fatos negativos, tão logo seja dada a largada das convenções: muitos candidatos em louca corrida ao poder, atropelando quem estiver na frente; partidos em busca de espaços; frustração para os fracassados; o principal líder popular preso. Sem faltar os resultados das urnas, sempre sob desconfianças. Tudo isso, numa sombra perturbadora e funesta, com tudo para romper no tempo e se alojar no governo a ser inaugurado em janeiro de 2019.

A remoção do entulho comprometedor será, certamente, obra delicada, a menos que os segmentos litigantes consigam logo conduzir a disputa sob padrões democraticamente desejáveis. Portanto, obra para superar a tentação de agredir e elaborar contendas que durem mais que o razoável, além do que o tempo não possa curar. Fora disso, é a condenação irremediável ao atraso.