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Para que o vice?

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Voltou a acontecer, na recente viagem que Michel Temer fez ao Peru, onde integrou a cúpula de estadistas da América. Ato contínuo ao anúncio oficial de sua viagem, os presidentes da Câmara e do Senado apressaram-se em descobrir pretextos para também saírem do país, escapando da obrigação de ocupar a cadeira presidencial e, assim, não se incompatibilizando para a disputa da eleição de outubro. Com tal propósito, buscaram argumentos emergenciais, como o senador Eunício de Oliveira, que voou para o Japão, onde, em poucas horas, conversou obviedades, como a necessidade de ser ampliado o comércio entre os dois países, tarefa que, existindo, deve caber ao empenho de diplomatas e exportadores; o senador é nem uma coisa nem outra. O presidente voltou, ele desembarcou logo em seguida. Tal como o deputado Rodrigo Maia, que estava sob a mira da incompatibilidade. Foi e voltou rápido. Temer talvez recorresse ao mesmo expediente, se continuasse sendo vice, o que só deixou de ser quando o Congresso removeu a titular da Presidência. Mas, ainda que não seja parte de suas inclinações, e mesmo agora carente de substituto imediato, provavelmente admita, para efeito de discussão, que o vice é figura dispensável, bastando que nas eventualidades seja substituído pelos dirigentes das duas casas legislativas. E, quando até eles se apresentarem impedidos, recorra-se ao representante maior do Supremo Tribunal. 

Essa escapatória é lembrada para trazer à cena velha desconfiança sobre a real necessidade de eventual e curtíssima substituição, procedimento que algumas vezes acaba caindo no pitoresco. Mas não há novidade no esforço de o deputado ou senador recusar, momentaneamente, de olho nas urnas, o cargo mais cobiçado do país. Quando Fernando Henrique estava no governo, tendo de se ausentar em ano eleitoral, o vice Marco Maciel não quis assumir. O senador Ramez Tabet e o deputado Aécio Neves, para poderem se candidatar, também tomaram o rumo das fronteiras, ainda que em viagens brevíssimas. 

Fora situações ocasionais, é antiga a indagação: para que serve o vice? Já se disse que ele só é útil quando é inútil. Neste JB, setembro de 2003, comentando o assunto, Wilson Figueiredo comparou o vice ao “estepe que esvazia o pneu presidencial para ter vez”. Sendo assim, se for político sem princípios, pode realmente conspirar contra o titular ou criar embaraços, como o desastrado Manuel Vitorino, que, enquanto Prudente de Morais convalescia em Petrópolis, usou a interinidade para mudar quase todo o ministério e transferir a sede do governo do Itamaraty para o Catete. 

Quinze anos atrás, convencido de que o vice é perfeitamente dispensável, o senador Jefferson Peres (PDT-AM) apresentou projeto de emenda constitucional, alterando os artigos 77, 79, 80 a 91, para extinguir esse “cargo inútil, podendo o titular ser substituído pelos presidentes da Câmara e do Senado”. Morto o proponente, em maio de 2008, o projeto caiu no esquecimento. Peres, estivesse vivo, certamente aduziria à justificação o argumento de que os vastos recursos de comunicação hoje existentes, sobretudo quanto à instantaneidade, permitem a um presidente honrar todos os compromissos internos, onde quer que esteja nesta aldeia global. 

Para o caso de morte ou renúncia do titular, pretendia a emenda o remédio de sempre: convoca-se o substituto legal no Congresso. Se restar metade do mandato do ausente, eleição suplementar em 60 dias. Pode ser que não desse certo, mas a movimentação política seria imensa.