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Brasil tem 230 mil patentes à espera de aprovação

País perde posições na corrida tecnológica, alerta o presidente da ABPI, Luiz Montaury

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O presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, Luiz Edgard Montaury, alerta para fato pouco conhecido: além das barreiras tributárias e estruturais, o Brasil perde a chance de desenvolver novas tecnologias devido ao tempo de espera para se obter o registro de patentes. O acumulo crônico, que hoje chega a 230 mil processos, se deve ao sucateamento do órgão de Estado responsável pelas análises, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Segundo Montaury, apesar dos esforços feitos nas últimas gestões, a solução passa por medidas pontuais para reduzir a fila de espera e pela independência financeira do órgão, que precisa se modernizar materialmente.

Por que, no Brasil, patentear uma tecnologia é tão demorado e pode levar até 14 anos? 

Primeiro é preciso entender que o exame de uma patente muitas vezes não é simples. Na média mundial, pode levar de quatro a cinco anos e esse pode ser o nosso horizonte. É um processo complexo, seguido da abertura de prazos para que empresas do mundo inteiro se manifestem ou não contra. O problema é que no Brasil isso está levando entre 10 e 14 anos em algumas áreas como telecomunicações e farmacêutica porque o órgão responsável, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), não tem o número suficiente de técnicos com essas especializações. Por isso os casos vão se acumulando e demoram mais e mais. A fila que existe hoje, o chamado “backlog”, tem cerca de 230 mil pedidos em espera. A atual administração do INPI trabalha muito para diminuir isso, mas não vai conseguir enfrentar esse acúmulo de 230 mil com a atual estrutura. É impossível.

Qual seria a solução? 

Há um projeto que o próprio INPI preparou e que já está na Casa Civil para ser examinado e eventualmente aprovado. A ideia, que não é a ideal, mas pode resolver o problema no curto prazo, prevê a realização de exames mais simplificados. Seria uma avaliação formal com aprovação rápida, exceto no caso de patentes farmacêuticas. Isso visa acabar com esse gargalo, já que, hoje, o governo não deixa contratar novos examinadores. Aliás, mesmo que esse fosse um caminho possível, não serviria no longo prazo. Contratariam 200 novos examinadores que resolveriam o problema do backlog em dois ou três anos. Depois, não teriam mais trabalho. Outros países já tiveram esse problema e encontraram soluções, cada um à sua maneira.

O que fizeram lá fora que pode ser aplicado no Brasil?

Em muitos países foram usadas universidades ou mesmo funcionários terceirizados. Mas há várias alternativas em jogo. A ABPI é favorável ao projeto do INPI e às medidas que vêm sendo adotadas internamente. Abriu-se, por exemplo, a possibilidade de home office para os trabalhadores que quisessem. Mas, se você é examinador e quer trabalhar em casa, a produção tinha de aumentar no mínimo 30%. No final, constataram que os que optaram por trabalhar remotamente aumentaram a produtividade em 40% na média. É uma experiência que está dando resultado acima do esperado e que não custa dinheiro. Ao contrário, economiza.

As deficiências não passam também por uma questão orçamentária?

Definitivamente. É urgente que o INPI se modernize e, para fazer isso, precisa de dinheiro. Boa gestão é importante, mas não faz milagre. Sugerimos a independência financeira do INPI, que precisa se modernizar materialmente. O Instituto é superavitário. Só que todo o dinheiro arrecadado é repassado à União e, quando vêm a dotação orçamentária, o órgão recebe apenas um terço do que arrecadou e não consegue arcar com os investimentos necessários. Estudos mostram que se o INPI funcionar, a arrecadação aumenta e todo mundo ganha. A arrecadação aumentaria e a vida do empresário seria facilitada, aperfeiçoando o mercado. Se um pedido de patente é indeferido, cabe recurso e as taxas são caras. Depois tem a taxa de concessão da patente, as anuidades, isso tudo gera dinheiro. Um investimento é necessário, mas o funcionamento disso gera dinheiro. Também é um retorno fiscal, mas ninguém olha dessa maneira.

O Brasil é a 8ª economia mundial, mas só se faz presente em 1% das trocas comerciais do mundo. Esse desempenho medíocre está ligado a essa dificuldade das patentes?

Com certeza. Frequento congressos fora do Brasil e todos sabem que o problema de patentes aqui é grave, um dos mais graves do mundo. Há 25 anos o Brasil andava junto com a Coreia em demora no exame de patentes e na quantidade de depósitos por empresas. A Coreia disparou nas duas  frentes e o Brasil piorou no prazo dos exames. Encomendamos um estudo sobre o impacto disso na economia e vamos entregar uma carta aos presidenciáveis com 12 propostas para tentar resolver a questão.

O empresário brasileiro fala muito em impostos, infraestrutura, mas questões relativas a propriedade intelectual não entram em pauta embora sejam fundamentais...

Talvez você tenha razão com relação aos brasileiros, mas no caso dos estrangeiros que atuam no Brasil as críticas são bem diferentes. Eles reclamam bastante e muitas vezes deixam de transferir tecnologia para empresas brasileiras simplesmente porque não conseguem uma patente no Brasil e ficam sem a proteção adequada. Assim, qualquer um pode copiar uma tecnologia e ele não pode fazer nada já que não é possível entrar com uma ação judicial contra um infrator com base em um pedido corrente de patente. Tem que haver uma patente concedida. O empresário não quer correr esse risco e as indústrias locais acabam não tendo acesso a muitas tecnologias novas. 

Além disso, se vai demorar até 14 anos para patentear um produto, o estrangeiro decide não mais depositar o pedido de licença no Brasil. Os depósitos aqui têm caído, ao passo que no mundo tomam direção contrária. É claro que esse movimento acompanha a economia brasileira, mas o backlog tem um peso grande nessa decisão. Uma grande empresa que tem uma verba direcionada para registro de patentes no mundo, lista os países preferências. Por muito tempo, o Brasil foi uma prioridade estratégica para o depósito de patente pelo tamanho da economia e do mercado, mas isso vem regredindo. A palavra inovação é muito usada, mas qual é o incentivo que se tem para isso? Não se consegue nem proteção para inovar aqui. É um discurso bonito que convive com esse abandono do sistema de patentes.