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Cartão, armadilha da família

Principal meio de pagamento do brasileiro é também a maior fonte de endividamento e inadimplência

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Sextas-feiras, sábados ou domingos são os dias de maior consumo das famílias brasileiras. São dias festejados pelo comércio, supermercados e shoppings. No ranking do faturamento sábado é o melhor dia, seguido de domingo e sexta. Com o uso cada vez mais limitado do cheque, o cartão de crédito representa mais de 50% das compras. O cartão de débito (com desconto imediato na conta bancária) e o dinheiro vivo seguem, nessa ordem. E é aí que mora o perigo.

Quando chega a segunda-feira, nem todos consumidores fazem um balanço do que podiam acomodar no orçamento mensal. Afinal, a maioria joga a despesa para o mês seguinte confiando em liquidar a despesa com o salário. Se cada consumidor fizesse um planejamento criterioso para cada despesa ou limite de cada cartão (a proliferação de ofertas de bancos e lojas comerciais deixa tudo mais confuso), seria tranquilo. 

Como os cartões costumam conceder de 35 a 45 dias de prazo para pagar, quem souber administrar as despesas, pode usar cartões com várias datas e pagar tudo em dia. Aí seria o mundo ideal. Prazos largos para pagar e ausência de juros (nas chamadas operações à vista). Infelizmente, não é isso o que acontece. Muita gente não consegue. Estoura o orçamento. Só consegue amortizar o mínimo de 15% da despesa, para não ficar inadimplente e ter seu nome sujo nos SPCs da vida, ou ser importunado a cada manhã pelo telemarketing do cartão. E aí começa um endividamento em bolsa de neve. 

Em abril de 2017, ao elevar de 10% para 15% o mínimo mensal a ser amortizado à vista no cartão, o Banco Central estabeleceu condições mais palatáveis para os consumidores. Bem, palatáveis em relação aos juros escorchantes anteriores. Mas a situação continua terrível para quem entrou na roda vida do rotativo. De acordo com levantamento feito pelo próprio Banco Centra, entre os dias 19 e 23 de fevereiro, as taxas do crédito rotativo no Brasil variavam de 3,40% ao mês, ou 49,38% ao ano, da Financeira SENFF S.A., até absurdos juros de 20% menais ou de 791% ao ano do crédito rorativo do cartão da financeira Da Casa. 

Para o leitor se situar os cartões mais utilizados no país são Visa, Masterdard, American Express (o cartão nacional é operado pelo Bradesco Cartões) e o Elo, operado por Bradesco e Banco do Brasil. Muitos bancos, financeiras e grandes cadeias de lojas criaram seus cartões próprios (que têm bancos financiando por trás) e a variedade de juros só tem uma coisa em comum: todas as taxas de financiamento mensal e anual do rotativo estão infinitamente acima dos níveis da inflação em 12 meses (2,84% em fevereiro último) e da taxa de juros básica (Selic), que está atualmente em 6,75%. 

Com a 13ª menor taxa mensal do país, o Banco Itaúcard cobra 9,53% ao mês, o que equivale a 198,27% ao ano. O 15º na lista do BC, o cartão Banco do Brasil, cobra 10,22% ao mês ou 221,50% ao ano. A Caixa Econômica Federal, na 18ª posição, tem juros mensais de 11,01% ao mês ou de 250,24% ao ano. O Santander tem juros de 11,35% ao mês ou de 263,29% ao ano. O Bradesco tem duas posições: o Banco Bradesco Cartões S.A., com juros de 13,52% ao mês e 357,80% ao ano, figura na 26ª posição, numa lista de 52 instituições listadas pelo Banco Central. Já o cartão do Banco Bradesco é o antepenúltimo, ou terceiro na lista de juros mais altos: 18,32% ao mês ou 652,69% ao ano. 

Vale a pena lembrar a situação das grandes lojas que emitem cartões de crédito com bandeira própria. O Magazine Luiza cobra juros de 15,04% ao mês, ou 437,49% ao ano. 

Novas regras do cartão

Uma das armadilhas mais comuns e onerosas para os titulares de cartão de crédito é o chamado crédito rotativo. É quando não ocorre o pagamento integral da fatura, e a diferença entre o valor total da fatura do mês e o que foi pago é financiada. 

O cartão de crédito rotativo e o cheque especial são das linhas de crédito mais caras do mercado. Em abril de 2017 o BC estabeleceu que o saldo devedor da fatura de cartão de crédito, quando não pago integralmente até o vencimento, somente pode ser mantido em crédito rotativo até o vencimento da fatura seguinte. O cliente endividado tem que liquidar o saldo devedor do crédito rotativo, acrescido dos juros do período. Se não tiver dinheiro o banco oferece crédito parcelado, a taxas menores, mas ainda altas.

Na prática, a medida do BC teve um efeito colateral. As taxas nominais de quase todas as modalidades caíram em relação a janeiro de 2017, o que era esperado com os sucessivos cortes da taxa Selic. Mas a diferença entre o piso de captação dos bancos (a Selic) e os juros cobrados aos clientes não caiu. Ao contrário, atingiu recordes em 4 de 8 modalidades: parcelamento do cartão de crédito, cheque especial, consignado para o setor privado e consignado para o setor público. No caso dos parcelamentos dos cartões de crédito a taxa média nominal de janeiro registrou 171,50%, novo recorde histórico. Já o spread chegou a 153,98% ao ano.

A dor de cabeça que não cede 

Ninguém quer ficar inadimplente quando saca o cartão para fazer compras. Salvo imprevistos, como uma doença na família ou perda de emprego ou de rendimentos extras que desorganizam os orçamentos domésticos e levam aos atrasos, a parcelamentos a juros impagáveis e àquele martírio matinal de ser despertado cedinho por telefonemas das centrais de cobranças dos cartões ou empresas especializadas em recuperação de créditos.

Por isso, as estatísticas do Banco Central sobre a inadimplência das pessoas físicas mostram que desde o final de 2016 até janeiro deste ano, muita gente fez esforço ou foi persuadida pelos cobradores a resolver as pendências. O nível geral da inadimplência desceu dos 7,7% de dezembro de 2016 para 6,2% no final do ano passado. No financiamento de automóvel, quando 100% do bem é dado como garantia para crédito de apenas 70% do valor do veículo, a inadimplência é baixa e caiu de 4,6%, em dezembro de 2016, para 3,8%, em janeiro deste ano. Já nos crediários à compra de bens de consumo diversos (geladeiras, roupas, eletrodomésticos), artigos que dificilmente têm valor de revenda, a inadimplência segue alta. Era de 11,6% em dezembro de 2016, subiu até 12,5% em junho do ano passado e começou a cair deste então. Em janeiro estava em 9,3% (9,7% em dezembro de 2017).

No rotativo do Cartão de Crédito a situação melhorou muito pouco. Em dezembro de 2016 a inadimplência era de 37,2%. Chegou a subir para 38% em maio, no mês seguinte às novas normas do BC, escalou até 39,2% em agosto e só então começou a declinar: 37,6% em dezembro e 35,7% em janeiro. A melhora pode ser atribuída mais à oxigenação do mercado de trabalho do que ao alívio nas taxas de juros. Estas continuam fora da realidade.