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'WSJ': Empresas argentinas voltam a emitir dívida, mas nem todas têm sucesso

Corrida global por rendimentos maiores tem limites e, para alguns investidores, acaba na Argentina

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Matéria publicada nesta terça-feira (23) pelo The Wall Street Journal conta que em abril, o país atraiu a atenção do mundo ao vender US$ 16,5 bilhões em títulos de dívida do governo, mais que o dobro da emissão mais alta de dívida soberana feita anteriormente por um mercado emergente. A emissão, a primeira que o governo argentino realizou no mercado internacional nos últimos 15 anos, também reabriu as portas para emissores corporativos. Embora algumas empresas argentinas tenham emitido dívida nos últimos dez anos, a maioria foi praticamente impedida de pegar dinheiro emprestado nos mercados globais devido a uma acirrada disputa judicial entre o governo e credores estrangeiros. A briga, que estava ligada a títulos remanescentes de uma moratória que o país declarou em 2001, prejudicou a avaliação de crédito do país inteiro. Na esperança de capitalizar o mesmo entusiasmo dos investidores, as empresas argentinas emitiram cerca de US$ 4 bilhões em dívida global até agora neste ano, segundo a firma de dados Dealogic.

“Estamos praticamente fora do mercado há dez anos”, diz Juan Procaccini, presidente da Agência de Promoção de Investimento e Comércio da Argentina. “Estávamos totalmente isolados. E agora isso mudou totalmente.”

A reportagem do Journal fala que a volta das empresas argentinas aos mercados globais ocorre num momento em que os investidores vasculham o mundo em busca de rendimentos mais elevados que os obtidos hoje em mercados desenvolvidos, onde as notas de dez anos do Tesouro americano, por exemplo, estão pagando cerca de 1,5% ao ano e em vários países da Europa os juros estão negativos. Essa busca levou alguns investidores à Indonésia, cujos títulos do governo oferecem rendimentos em torno de 7%, e até a mercados ainda mais obscuros, como a Mongólia, que emitiu dívida este ano com rentabilidade de 10,875%. Mas o histórico de vendas de títulos corporativos da Argentina tem sido de altos e baixos. Das nove emissões feitas este ano, duas tiveram que ser canceladas ou reduzidas. Enquanto empresas mais conhecidas foram capazes de manter os rendimentos em torno de 6%, outras tiveram que pagar mais de 9% para gerar interesse. As emissões com mais dificuldade para atrair investidores têm sido as de valor mais baixo, de títulos de menor liquidez ou feitas por empresas menos conhecidas. A Companía Latino americana de Infra estrutura & Serviços, por exemplo, reduziu o tamanho de sua oferta em mais de 30%, para US$ 200 milhões, diante do pouco interesse dos investidores, apesar do rendimento acima de 9% ao ano. Já a empresa de papel e celulose Celulosa Argentina cancelou uma emissão em julho devido à baixa demanda pelos papéis. Com a aproximação de uma possível alta de juros nos Estados Unidos, muitos investidores querem títulos que possam ser vendidos rapidamente — algo que pode provocar uma debandada de dinheiro dos mercados emergentes.

“As pessoas têm apetites diferentes para risco, mas, nesse cenário, eu coloco um grande prêmio na liquidez”, diz Nishant Upadhyay, líder da área global de dívida de mercados emergentes na gestora HSBC Global Asset Management, que tem US$ 20 bilhões nesse tipo de títulos em carteira. Ele vê melhores oportunidades no Brasil e no México do que na Argentina.

O WSJ diz que por outro lado, só o fato de essas pequenas empresas argentinas estarem emitindo dívida é uma evidência do progresso feito pelo novo governo em apenas alguns meses. A Argentina começou o ano como um pária nos mercados globais de dívida por causa da moratória de mais de US$ 80 bilhões em dívida soberana declarada em 2001. Poucos esperavam que a situação fosse mudar tão rapidamente, depois de uma disputa de 15 anos com fundos americanos de hedge que detinham títulos não pagos e haviam recusado uma reestruturação anterior aceita pela grande maioria dos credores. Mas depois que o novo presidente argentino, Mauricio Macri, fez um acordo com esses fundos, em fevereiro, o país vendeu um recorde histórico de US$ 16,5 bilhões em títulos de alta rentabilidade, atraindo uma demanda de quase US$ 70 bilhões, segundo pessoas a par do assunto. O bom resultado levou a emissões de bancos, concessionárias de serviços públicos, petrolíferas e outras empresas argentinas. Em julho, a produtora de gás natural Albanesi SA emitiu US$ 250 milhões em títulos com rendimento acima de 9%. Algumas dessas empresas argentinas não emitiam títulos internacionais há anos e, por essa razão, possuíam um passivo menor comparado às pesadas dívidas atuais de muitas companhias de países emergentes. Isso torna alguns papéis corporativos da Argentina mais atraentes para certos investidores. As emissões de maior sucesso foram feitas por empresas conhecidas, como a petrolífera estatal YPF SA, que captou US$ 1,75 bilhão este ano.

O texto do jornal norte-americano acrescenta que o Grupo Arcor SA, um dos cinco principais fabricantes de alimentos e doces da América Latina, levantou US$ 350 milhões a 6% ao ano para refinanciar dívidas que vencem em 2017 e que pagavam juros de 7,25%. Foi o menor rendimento já registrado em uma emissão de uma empresa argentina, o que indica uma forte demanda. (O rendimento de um título cai quando o preço sobe e vice-versa.)

“Há uma demanda reprimida” por dívida corporativa argentina, diz Lisandro Miguens, chefe de dívida de mercados de capitais para a América Latina no banco J.P. Morgan. Ele espera cerca de US$ 5 bilhões em novos títulos emitidos em dólar neste ano por empresas da Argentina.

A economia da Argentina continua a enfrentar dificuldades, um problema para empresas de bens de consumo e de outros setores que dependem do mercado doméstico. Os gestores de recursos também dizem que algumas empresas argentinas têm dificuldade em se comunicar com os investidores e fornecer as informações requisitadas. Além disso, pode ser difícil negociar muitos desses títulos em grande quantidade ou em um mercado em queda, dizem analistas.