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Quedas do petróleo trazem temores de instabilidade

Relutância em reduzir produção ameaçam desestabilizar economias e governos em regiões frágeis

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O jornal americano The New York Times publicou nesta terça-feira (25/08) um artigo em que  alerta para riscos de instabilidade econômica e política em vários países do mundo com economias dependentes do petróleo, como Venezuela, Rússia e Iraque, devido à queda do preço do barril, que não dá sinais de recuperação. A desaceleração chinesa e as perdas na bolsa do país asiático, agravam o panorama.

O Jornal do Brasil havia antecipado esses riscos em artigo publicado nesta segunda-feira (24/08), citando que a queda do preço do petróleo atingirá outros países produtores como a Venezuela, Líbia, Equador e até o Brasil, onde o pré-sal  poderá ficar inviabilizado. Além disso a matéria afirmava que "o mundo também ressentirá essa crise no país que vinha sendo o maior estimulador de importação e exportação do mundo".

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O artigo de Clifford Krauss e Rick Gladstone diz que o petróleo, a força vital de vários países que o produzem e o vendem, "parece estar se transformando rapidamente em uma maldição econômica mais barata”.

Eles prosseguem: “Há um ano, o preço internacional por barril de petróleo era de cerca de US$ 103. Na segunda-feira, o preço era de cerca de US$ 42, cerca de 6% mais baixo do que na sexta-feira”.

“No Iraque, rico em petróleo, onde uma insurreição do Estado Islâmico e uma política turbulenta e sectária estão aumentando as ameaças, uma nova fonte de instabilidade irrompeu este mês com protestos violentos devido ao fracasso do governo em fornecer eletricidade confiável e explicar o que tem sido feito com todo o dinheiro do petróleo prometido”, diz o artigo do International New York Times. 

Na Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, consumidores estão agora pagando muito mais por importações, em grande parte por causa do valor de suas moedas em queda. Na Nigéria e na Venezuela, que dependem quase completamente de exportações de petróleo, crescem os temores de agitação e instabilidade econômica. No Equador, onde as receitas do petróleo caíram em quase metade desde o ano passado, dezenas de milhares de manifestantes lotam as ruas a cada semana, revoltadas com as políticas econômicas do governo.

Até mesmo na rica Arábia Saudita, onde a família governante gasta o dinheiro do petróleo suntuosamente para preservar sua legitimidade, o governo tem gastado mais ou menos US$ 10 bilhões por mês em fundos externos para ajudar a pagar despesas, e está tomando emprestado nos mercados financeiros pela primeira vez desde 2007. Outros países árabes no Golfo Pérsico que são dependentes das exportações de petróleo, inclusive Kuwait, Omã e Bahrein, estão enfrentando déficits fiscais pela primeira vez em duas décadas.

Enquanto o preço tem caído durante meses, as previsões têm sempre sido restritas pelo pressuposto de que em algum momento o preço do petróleo se estabilizaria ou pelo menos não ficaria baixo por muito tempo. Mas novas preocupações com a fragilidade da China, o consumidor mais voraz de energia no mundo, provocou temores de que o preço do petróleo, agora 30% mais baixo do que era apenas alguns meses atrás, poderia permanecer baixo muito mais tempo do que as previsões mais pessimistas, e causar estragos maiores aos exportadores de petróleo.

“A dor é muito grande para esses países,” disse René G. Ortiz, ex-secretário geral da Opep e ex-ministro da energia do Equador. “Esses países sonharam que esses preços baixos seriam muito temporários.”

Ortiz estimou que todos os países que são grandes exportadores de petróleo perderam um total de US$ 1 trilhão em vendas de petróleo devido à queda do preço ao longo do ano passado.

“A aparente fragilidade na economia chinesa está irradiando para o mundo,” disse Daniel Yergin, o vice-presidente da IHS, um grande fornecedor de informações do mercado, e autor de dois livros seminais sobre a história da indústria do petróleo, ‘The Prize’ (‘A Premiação’) e “The Quest” (‘A Busca’). 

“Um tremendo número de produtores que desfrutaram de uma época boa estavam dependendo do crescimento econômico da China mais do que reconheceram,” disse Yergin. “Isto é um choque do petróleo.”

A grande mudança nos últimos anos tem sido o aumento da produção de petróleo dos Estados Unidos, que adicionou mais de 4 milhões de barris por dia à oferta mundial. Mas em meses recentes a super-oferta tem sido conduzida principalmente pelos sauditas, que inundaram o mercado no que economistas consideram uma tentativa deliberada de baixar o preço para que outros produtores de petróleo de alto custo não possam mais competir — especialmente os americanos.

Ainda assim, a produção nos Estados Unidos não caiu tanto quanto o previsto pelos sauditas, que acharam que o preço do petróleo se estabilizaria em cerca de US$ 50 o barril. Agora deverá chegar a US$ 30, o nível mais baixo desde a recessão econômica mundial de 2008.

Os sauditas, membros mais importante da Opep, resistiram a apelos de outros membros para que reduzam a produção. O resultado é que quase todos os members da Opep, que juntos controlam muito menos do mercado global do que faziam antigamente, estão extraindo mais petróleo.

“Estamos testemunhando uma competição entre estados membros por parcelas do mercado, e a maioria desses países são dependentes de petróleo como uma fonte principal de renda,” afirmou Luay Al-Khatteeb, um membro em política externa no Brookings Doha Center. Se os preços não se recuperarem e chegarem ao nível de US$ 60 por barril, ele disse, “e os países na região árabe continuarem a depender fortemente das receitas do petróleo, veremos décadas de declínio.”

David L. Goldwyn, que era o enviado especial do Departamento de Estado e coordenador internacional para assuntos de energia no primeiro governo Obama, afirmou que se o preço do Brent, referência mundial, se mantiver abaixo de US$ 45 por barril, isso seria “uma bandeira vermelha para a questão das estabilidades em todo o mundo dos países produtores de petróleo.”

“A hemorragia dos orçamentos de governos dependentes do petróleo vai forçar cortes dramáticos nos gastos ou aumentos perigosos em empréstimos, se não os dois,” disse Goldwyn. “Os países sem reservas significantes de divisas são os que mais correm risco. Entre eles estão:  Nigéria, Angola, Argélia, Venezuela e Iraque. Os países que precisam sustentar o investimento para manter a legitimidade política devem se preocupar, e esses são Brasil, Rússia e até mesmo o Irã.”

Meghan L. O’Sullivan, diretora do programa Geopolitics of Energy (Geopolítica da Energia) na Harvard Kennedy School, disse estar no momento mais preocupada com o impacto da baixa prolongada dos preços do petróleo no Iraque.

Segundo ela, o país “não está apenas lutando uma cara batalha contra o Isis, mas muitos dos acordos políticos que precisam ser feitos para manter grupos diferentes  apoiando o governo iraquiano exigem dinheiro para se manterem”, afirmou ela.

Mas O’Sullivan expressou uma preocupação de mais  longo prazo sobre possíveis erros de cálculo da Arábia Saudita, tanto na duração quanto na magnitude da queda do preço do petróleo.

“Com uma população cada vez maior procurando empregos, educação e sistema de saúde dia após dia,” disse ela, “o caro contrato social entre a família real e os cidadãos sauditas se tornará mais difícil, e até impossível, de sustentar se os preços do petróleo não se recuperarem.”