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Por quê a Alemanha é frágil demais para liderar a Europa?

Para autor, maior economia da eurozona não pode desempenhar papel de potência hegemônica

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O jornal espanhol El País publicou um artigo de Hans Kundnanu, que é um especialista sênior na German Marshall Fund. Em seu artigo, Kundnanu defende que a Alemanha sempre teve dificuldade de desempenhar o papel de líder na Europa. "Tornou-se habitual dizer, desde que começou a crise do euro há cinco anos, que dela sairia uma Europa alemã. Durante estes anos, e visto que se trata do maior credor, é certo que a Alemanha desfrutou de uma situação de extraordinário poder e pôde impor em grande medida suas preferências aos demais membros da zona do euro, mas não tem sido, nem é — como afirmam muitos — uma potência hegemônica. Tampouco é possível que assim o seja. A Alemanha segue sendo frágil demais para assumir as cargas que comporta esse papel preponderante, tanto no que se refere às transferências fiscais como a mutualização da dívida europeia ou uma inflação moderada. É mais acertado dizer, como já sugeri em um artigo publicado nestas páginas no final do ano passado, que a Alemanha parece mais ter recuperado a posição de semi-hegemonia que ocupou entre 1871 e 1945, ainda que, esta vez, num sentido mais geoeconômico que geopolítico.

Nesses anos, que desembocaram na barbárie nazista, a questão alemã, tema central daquela Europa, sempre girou em torno de sua incapacidade de ser líder. Depois de sua unificação em 1871 se tornou demasiado poderosa para ser desafiada pelas demais grandes potências, mas não o suficiente para derrotar a uma coalizão destas. O historiador alemão Ludwig Dehio descreveu a posição da Alemanha na Europa como a de uma “semi-hegemonia” mais do que a de uma hegemonia. Essa situação estrutural deu lugar, como uma profecia auto-realizada, a um temor alemão ao envolvimento: o que Bismarck chamou de pesadelo das coalizões.

Os fatos das últimas semanas voltaram a provar o que a história nos ensinou: que a solução não pode estar en una Europa dirigida a partir de Berlim. Os acontecimentos mostraram também não só a medida mas também os limites do poder alemão. O governo de Merkel e a opinião pública alemã que lhe dá seu apoio majoritário esperavam que a estas alturas a crise tivesse terminado, depois que a periferia da zona do euro empreendesse reformas estruturais e se tornasse mais competitiva. Na Alemanha, muitos acreditam que algo assim já estava acontecendo, inclusive na Grécia, até que, em janeiro, os votos designaram Alexis Tsipras como primeiro-ministro. Com sua eleição, consequência direta do fracasso da política da zona do euro na Grécia, a crise da moeda única voltou a se agravar, como era de se esperar. No entanto, em vez de ver a chegada de Tsipras como um sinal de alarme e mudar sua estratégia, a Alemanha e a zona do euro decidiram se fechar.

A decisão da eurozona foi em definitivo que, como as exigências dos últimos cinco anos não haviam servido para nada, eram necessárias outras ainda mais duras. Na Alemanha predominava o sentimento de que os credores haviam perdido a confiança nos devedores. Durante estes cinco anos, os políticos alemães citaram Lenin sem sabê-lo: “A confiança está bem; o controle é melhor”

Desde que o governo grego tomou posse, e em particular desde que o ministro de Finanças, Yanis Varoufakis, envenenou ainda mais as negociações ao chamar os credores de “terroristas”, estes exigiram mais controle que nunca. De concreto, exigiram “medidas prévias” antes de começar a discutir um terceiro resgate para a Grécia.

Nas últimas semanas tem havido muita especulação sobre as intenções da chanceler Angela Merkel e do ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble e o que significam para a política alemã. O paradoxo é que Schäuble é considerado mais pró-europeu que Merkel, acredita-se que é o único na Alemanha que compartilha a visão continental que Helmut Kohl tinha, e no entanto é ele que  adotou a atitude mais dura sobre a Grécia até o ponto de desejar uma saída, uma Grexit. Dizem que acredita que a moeda única só pode triunfar se todo o mundo obedecer às regras, enquanto que Merkel se preocupa mais com os custos geopolíticos de uma possível saída, sobretudo dada a postura revisionista do passado da Rússia desde a anexação da Crimeia em 2014. Outros arriscam dizer que a diferença entre Merkel e Schäuble não é mais do que tática, o clássico método de poli bom / poli mau para obter concessões da Grécia.

É possível que Schäuble acredite que a Grexit ajudaria a impulsionar o projeto europeu assim como, em sua opinião, tem ajudado a crise nos cinco últimos anos. Não só porque liberaria a zona do euro de seu membro mais conflituoso, mas porque obrigaria aos demais países a aprofundar na integração para tranquilizar os mercados sobre a sustentabilidade da moeda única. Esta interpretação é confirmada pelo antigo secretário do Tesouro norte-americano Timothy Geithner, em cujas memórias, Stress Test, relata uma conversa do verão de 2012 em que Schäuble disse que a saída da Grécia seria tão “traumática” que assustaria o resto de Europa e obrigaria a ceder mais soberania a uma união bancária e fiscal mais forte. Em outras palavras, é possível que Schäuble esteja tentando provocar uma crise para impôr uma maior integração que, em caso contrário, contaria com poucos apoios.

Schäuble, mais popular hoje na Alemanha do que Merkel, é talvez um europeu pró-alemão, ou seja, alguém que de verdade quer mais Europa mas de acordo com os interesses da Alemanha (ainda que, é claro, ele o negue e diga que não quer uma Europa alemã, mas só uma Europa forte). Na prática, isso pode se traduzir em um núcleo europeu que siga o modelo alemão, onde os países se integrem cada vez mais e talvez acabem inclusive criando uma espécie de união política, baseada numas regras já estabelecidas e que não possam ser mudadas, como no caso do freio ao endividamento introduzido pelos países da zona do euro em suas constituições. Em resumo, uma Europa mais integrada mas onde todas as decisões importantes, em particular sobre política econômica, sejam tomadas longe do debate político e o controle democrático.