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'El País': O Cavaliere Cipolla e o desvario grego, por Mario Vargas Llosa

Referendo convocado por Tsipras foi 'obra prima de confusão e delírio hipnótico', diz escritor

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O jornal espanhol El País publicou neste domingo (12/07) um artigo do escritor peruano e Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. O autor faz duras ao populismo, que segundo ele, não está afetando somente a América Latina, mas a Grécia também. 

"No verão de 1926, Thomas Mann e sua família passaram férias em Forte dei Marmi; era uma época na qual o fascismo estava em pleno apogeu e os discursos de Mussolini retumbavam por toda a Itália. Com essas memórias e o interesse despertado naquela década na Europa (e em particular na Alemanha) pelo hipnotismo, pelo espiritismo e pelas ciências ocultas, o autor de 'A Montanha Mágica' escreveu 'Mário e o Mágico', uma novela lançada em 1930 e que a crítica viu sempre como uma parábola sobre o efeito encantatório de líderes carismáticos como Hitler e Mussolini sobre as massas, que, seduzidas pela palavra do chefe, abdicavam de sua soberania e poder de decisão e o seguiam, cegas e dóceis, em seus extravios.

A esplêndida e breve narrativa admite muitas interpretações e é, além de uma parábola política, uma história que arrepia. Em Torre di Venere, uma aldeiazinha no litoral do mar Tirreno, o narrador descreve um espetáculo no qual um mágico hipnotizador, o Cavaliere Cipolla, homem malvado, repulsivo e deformado, mas dotado de uma força psíquica irresistível, aliena toda a sua plateia e a obriga a se humilhar e afundar no mais espantoso ridículo.

A verdade é que a leitura de Mário e o Mágico em chave política é tão atual como quando os ditadores carismáticos campeavam pelo mundo inteiro; em nossos dias, o Cavaliere Cipolla está encarnado não só nos caudilhos fascistas e comunistas, mas, também, em líderes democráticos aparentemente benignos, que ganham eleições limpas e são capazes, graças a seus poderes comunicativos, de imbecilizar seus próprios povos, privando-os de raciocínio e bom senso; em outras palavras, levando-os à ruína. Não é o caso de um Perón, um Evo Morales, um Rafael Correa, um Daniel Ortega? Nenhum exemplo é mais doloroso do que o da Argentina, o país mais culto da América Latina: como é possível que a sociedade argentina ainda continue cativa da hipnose suicida com a qual foi seduzida há sessenta ou setenta anos por um coronel sem cultura e fascista e que levou o país, que foi o mais avançado do continente americano e um dos mais prósperos e modernos do mundo, à decadência, à ruína econômica e à miséria moral representada pela presidenta Kirchner?

A Europa culta não fica muito atrás: o espírito do Cavaliere Cipolla é transubstanciado recentemente no jovem, atraente e carismático primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras. O líder do Syriza convenceu seus compatriotas de que os terríveis males que assolam seu país são obra da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, empenhados em humilhar a Grécia depois de destruí-la economicamente, oprimindo-a com dívidas e exigindo reformas monstruosas que salvariam os bancos, mas empobreceriam ainda mais seus desamparados cidadãos. Também os fez acreditar que, ao invés de se submeter a esses poderes malignos, se o Syriza ganhasse as eleições este iniciaria uma política econômica diametralmente oposta à dos governos anteriores, servos da plutocracia internacional: readmitiria os burocratas demitidos, injetaria fundos para dinamizar a economia e criar empregos e romperia todos os compromissos com instituições financeiras, deixando de pagar a dívida, a menos que os credores concedessem um perdão radical e admitissem que os pagamentos fossem feitos apenas em função do crescimento econômico. Os gregos acreditaram nele, levaram o Syriza ao poder e agora confirmaram sua fé na palavra do jovem carismático, dando-lhe apoio contundente no recente referendo.

A cultura que inventou a filosofia, a tragédia e a democracia é agora uma catástrofe

Essa última consulta grega foi uma obra-prima de confusão e delírio hipnótico. Os eleitores tinham de responder a uma pergunta incompreensível, se aceitavam ou rejeitavam uma proposta que a União Europeia fez à Grécia em 25 de junho, mas que já não existia! Impassível, Tsipras disse aos gregos que o não lhe daria forças para negociar com mais sucesso em Bruxelas; os gregos — 70% dos quais não querem que a Grécia saia do euro ou da Europa — também acreditaram nele, e 61,8% dos eleitores votaram não. Esse resultado é pura e simplesmente manicomial. A única maneira de entendê-lo é recorrendo à irracionalidade e aos poderes ocultos do Cavaliere Cipolla. Para qualquer pessoa em posse de suas faculdades mentais, se algo estava sendo votado no referendo era para saber se o povo grego queria continuar na Europa, respeitando os compromissos políticos e econômicos que isso implica, ou romper com a União Europeia, negando-se a aceitar esses compromissos (que era o que o Governo de Alexis Tsipras vinha fazendo nas negociações). Porém, os 61,8% que votaram pelo não acreditavam estar votando em uma opção inexistente, que apenas aparecia no discurso do primeiro-ministro grego: não respeitar as obrigações com as quais os países da União se comprometem ao participar dela e continuar na Europa, mas exigindo que esses compromissos sejam mudados radicalmente, pois assim foi decidido pelo povo grego no exercício de sua soberania.

Até quando pode durar este triste espetáculo no qual vemos piorar diariamente a situação da Grécia? A situação se agravou nos meses desde que o Syriza assumiu o poder, e o país, agora misérrimo, está à beira de um colapso econômico do qual levaria décadas para se recuperar. O corralito será seguido pelo corralón, seus bancos irão à falência, não haverá empresas que queiram investir em um país onde a instabilidade é generalizada, e dificilmente a Rússia (ou a China) assumirá a dívida vertiginosa na qual a ineficiência e a corrupção de seus governos mergulharam a Grécia.

Até quando pode durar este espetáculo lastimável em que vemos piorar dia após dia a situação da Grécia?"

>> El caballero Cipolla y el desvarío griego