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Project Syndicate: O problema da Grécia não é a austeridade

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“Ao olhar por uma janela, é fácil se enganar e enxergar mais do reflexo de si mesmo do que o mundo exterior. Isso parece acontecer com os analistas norte-americanos que ao ver o caso da Grécia são influenciados pelo debate fiscal de seu próprio país”. É o que diz um artigo do venezuelano Ricardo Hausmann, ex-economista chefe do Banco Interamericano do Desenvolvimento no Project Syndicate.

“Por exemplo, para Joseph Stiglitz, a austeridade na Grécia é uma questão de opção ideológica ou de mau uso da ciência econômica, como nos Estados Unidos. Segundo este ponto de vista, aqueles que favorecem a austeridade devem estar obcecados com esta errada teoria, dado que existe uma alternativa mais suave e gentil. Por que escolher a austeridade quando partidos como o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha oferecem uma via sem dor?”, questiona Hausmann, que também foi ministro de Planejamento da Venezuela.

Ele prossegue: “A pergunta segue uma lamentável tendência a confundir duas situações que estão em extremos diferentes. A questão nos Estados Unidos era se um governo que podia obter créditos com taxas de juros extremamente baixas devia se endividar, em meio a uma recessão. Pelo contrário, a Grécia acumulou uma dívida fiscal e uma dívida externa de grande envergadura em tempos de auge, até que os mercados disseram ‘basta’ em 2009.

Nesse momento, para permitir que a Grécia reduzisse de maneira gradual seu excesso de gastos, lhe proporcionaram montantes inéditos em assistência financeira altamente subsidiada. Mas atualmente, depois de tanta generosidade europeia e mundial, Stiglitz e outros economistas consideram que parte da dívida grega deve ser perdoada para dar espaço a novos gastos.

Mas a verdade é que a recessão na Grécia não tem muito a ver com uma carga de dívida excessiva. Em termos líquidos, até 2014 o país não pagou nem um euro em juros: os empréstimos que recebeu das fontes oficiais a taxas subsidiadas conseguiu pagar com vantagens de 100% os juros devidos. Supõe-se que esta situação passou por uma leve mudança em 2014, o primeiro ano em que a Grécia fez uma pequena contribuição ao pagamento desses interesses, depois de registrar um superávit primário de apenas 0,8% do PIB (ou 0,5% de sua dívida de 170% do PIB).

A experiência da Grécia expõe uma verdade sobre a política macroeconômica que com muita frequência acontece por alto: o mundo não está dominado pelos que praticam a austeridade, mas que, ao contrário, para a maior parte do mundo é difícil conciliar suas contas.

Os últimos estudos da economia comportamental mostram que todos temos graves problemas de auto-controle. E a teoria dos jogos explica por que atuamos de maneira ainda mais irresponsável ao tomar decisões em grupo. Os déficits fiscais, assim como uma gravidez indesejada, são a consequência acidental de ações empreendidas por mais de uma pessoa, que tinham outros objetivos em mente. E a causa primordial dos problemas da Grécia foi a falta de controle fiscal.

Ou seja, a questão não reside no fato de que a austeridade na Grécia tenha sido implantada e tenha fracassado. Trata-se de que apesar de uma generosidade internacional sem precedentes, a política fiscal se encontrava totalmente fora de controle e precisava de profundos ajustes. O gasto insuficiente nunca foi o problema. De 1998 a 2007, o crescimento anual per capita do PIB na Grécia registrou uma média de 3,8%, ocupando o segundo lugar da Europa Ocidental depois da Irlanda.

Mas para 2007, a Grécia gastava mais de 14% do PIB acima do que produzia, a brecha deste tipo maior da Europa - maior que o dobro que a de Espanha e 55% mais alta que a de Irlanda. Nestes últimos dois países, no entanto, a brecha obedeceu ao auge da construção; a adoção do euro deu acesso a hipotecas muito menos custosas. Na Grécia, ao contrário, a maior parte da brecha foi de ordem fiscal e não se aplicou aos investimentos, mas ao consumo.

As vias de crescimento insustentável costumam terminar com uma interrupção súbita dos fluxos de capital, o que obriga aos países a ajustar seus gastos a sua renda. Na Grécia, no entanto, a generosidade sem precedentes dos crediários oficiais fez com que o ajuste fosse mais gradual do que na Lituânia ou na Irlanda, por exemplo. De fato, inclusive depois da chamada depressão da Grécia, desde 1998 sua economia cresceu mais, em termos per capita, que a de Chipre, Dinamarca, Itália e Portugal.

A parada súbita sempre é dolorosa: a economia ainda não descobre uma cura para a ressaca. Mas a forma de minimizar a dor é reduzir o gasto sem reduzir a produção, o que requer vender a terceiros o que os residentes já não podem adquirir. Ou seja, a menos que a Grécia eleve suas exportações, o corte do gasto vai aprofundar a recessão da mesma forma em que os multiplicadores keynesianos incrementaram a alta da produção na fase de endividamento.

O problema é que a Grécia produz muito pouco do que o mundo deseja consumir. Sua exportação de bens inclui, principalmente, frutas, azeite de oliva, algodão cru, tabaco e alguns produtos de petróleo refinado. A Alemanha, que segundo muitos deveria incrementar seus gastos, importa da Grécia só 0,2% de seus bens. O turismo é uma indústria estabelecida com muitos concorrentes regionais. O país não produz maquinaria, tampouco artigos eletrônicos nem produtos químicos. De cada US$ 10 do comércio mundial da tecnologia da informação, a Grécia representa US$ 0,01.

A estrutura produtiva da Grécia nunca foi suficiente para que o país chegasse a ser o país rico que foi: suas receitas estavam infladas pelos empréstimos massivos que recebeu e cujos fundos não foram empregados para melhorar sua capacidade produtiva. De acordo com o Atlas de Complexidade Econômica, do qual sou co-autor, em 2008 a Grécia era o país com a maior brecha entre seu ingresso per capita e o conteúdo de conhecimento de suas exportações de uma mostra de 128 países.

Desde então, grande parte do debate foi enfocado no que a Alemanha, a União Europeia ou o Fundo Monetário Internacional deve fazer. Mas no fundo, se a Grécia quer crescer, precisa desenvolver suas capacidades produtivas. O difuso conjunto de reformas estruturais que seu atual acordo de financiamento prescreve não vai conseguir isto. Em seu lugar, a Grécia deveria se concentrar em políticas ativas para atrair empresas competitivas a nível mundial, um âmbito sobre o qual a Irlanda tem muito que ensinar - e Stiglitz coisas sensatas que dizer”.

“Infelizmente, esta ideia não é compartilhada por muitos gregos (nem espanhóis). Uma pluralidade dos primeiros votou no Syriza, que em sua estratégia de crescimento nem sequer menciona as exportações mas que quer redirecionar recursos a aumentos de salários e subsídios. Seria acertado lembrar que com Stiglitz como animador e Podemos como assessores, a Venezuela não se salvou de sua atual catástrofe hiper-inflacionária”, conclui Hausmann.