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Síntese da conjuntura - Crise de confiança leva à retração econômica

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O Brasil sofre uma brutal crise de confiança, que leva à retração econômica. O trabalhador reduz o consumo com medo de uma possível perda de emprego e o empresário reduz novos investimentos, ante a falta de perspectivas no mercado. Cogita-se da ideia de o Governo realizar um conjunto de investimentos públicos, do tipo keynesiano, para estimular a atividade econômica, mas o Governo não tem recursos disponíveis. Pode forçar a mão e expandir o crédito do BNDES, mas isso terá efeitos inflacionários.

Daí que o primeiro passo na busca de uma solução – viável – é cortar os gastos públicos, onde for possível, e extinguir certos programas de desoneração tributária, como é o caso da isenção da contribuição patronal da previdência social na folha de pagamentos e sua transferência para o faturamento.

Uma sugestão para o ajuste fiscal seria impor um corte linear de 10% a 20% nas verbas orçamentárias de 2015, para todos os Ministérios, com alguma flexibilização para os programas prioritários da saúde, educação, segurança pública e transportes urbanos.

Como já vimos anteriormente, a situação das contas públicas é uma tragédia. Em 2014, o Governo não conseguiu pagar um centavo dos R$311 bilhões de juros sobre a dívida pública. Pelo contrário, registrou um “déficit primário” de R$ 32,5 bilhões e elevou a dívida pública a 63,4% do PIB.

Diante do que ocorreu em 2014, o Ministro da Fazenda não tem outra alternativa senão reduzir as despesas públicas onde puder, para chegar a um “superávit primário de R$66 bilhões (1,2% do PIB) para pagar parte dos R$350 bilhões de juros previstos para 2015. Uma tarefa inglória e muito difícil de ser realizada. E ainda temos a crítica situação financeira da Petrobras, que vai precisar de ajuda para pagar sua dívida externa.

Para afastar o risco de default da Petrobras, em moeda estrangeira, o Governo está providenciando uma linha de crédito junto ao Banco do Brasil, Caixa Econômica e Bradesco, no montante de R$10 bilhões.

JOGO PESADO NO AJUSTE FISCAL

Em Decreto de 26/2, o Governo reduziu de R$283,0 bilhões para R$225,5 bilhões as verbas orçamentárias da União em 2015, equivalente a um corte de R$ 57,5 bilhões, até a aprovação do Orçamento 2015. Em janeiro, as liberações de recursos para o PAC foram reduzidas em 34,5% em relação a janeiro/14. O Ministério da Fazenda vai jogar pesado para alcançar o “superávit primário” de 1,2% do PIB, conforme programado para 2015.

Também foi suspenso o Programa Minha Casa Melhor, financiado por linha de crédito para os beneficiários de “Minha Casa, Minha Vida”, destinado à compra de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos com juros subsidiados. O Programa vinha sendo coberto pela emissão de títulos do Tesouro Nacional.

NON SENSE – Não foi uma solução inteligente a elevação em 150% da contribuição previdenciária do empregador, sobre o faturamento, conforme a MP 669/2015. Primeiro, porque a transferência da folha de pagamento para o faturamento - adotada em 2011 - foi uma solução “grosseira” que, como disse o atual Ministro da Fazenda, custava ao Tesouro Nacional R$ 25 bilhões anuais e desestruturava as finanças do INSS, inviabilizando o sadio objetivo do artigo 250 da Constituição Federal. Agora, essa farra se transformou em tragédia, aliviada pela opção dada ao contribuinte de voltar ao sistema anterior.

A Presidente Dilma continua com uma visão equivocada do programa, quando reafirma que “a desoneração foi importantíssima e continua sendo”. Não, não foi.

Tudo isso aponta para uma estagnação econômica e uma primeira estimativa de queda de 0,5% do PIB, em 2015.

 

ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA

As fortes chuvas que caíram na Região Leste, durante o mês de fevereiro, afastaram os riscos de racionamento, por ora. O próximo mês de março promete ser um mês chuvoso, com possibilidade de alguma recuperação dos níveis de água nas reservas do Sistema Cantareira, em São Paulo, e Paraibuna e Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro.

Pelos últimos dados da SABESP, a Cantareira subiu pela 19ª vez seguida e recuperou a segunda cota do volume morto. O nível do Rio Piracicaba, que secou no ano passado, subiu 72% em um dia.

O Governo de São Paulo, através da SABESP, está realizando a interligação do Rio Grande da Billings, em São Bernardo do Campo, com a represa Taiaçupeba, em Suzano, para levar 4 mil litros de água por segundo para o Sistema do Alto Tietê. As obras devem ser concluídas em julho. O Governo prevê que em 2015 não haverá rodízio na Grande São Paulo.

 

RECEITA SENSATA

A persistência de uma alta inflação com a prática estagnação do PIB, tem muito pouco a ver com excesso da demanda efetiva. Provavelmente, ela tem outras causas (política salarial equivocada, absorção de mão de obra com baixa produtividade etc.). É, ao contrário, a evidência que a política econômica tem que ser um todo coerente, com objetivos claros e transparentes. Com amplo desequilíbrio fiscal, intervenções oportunísticas que recusam aceitar os preços de equilíbrio dos mercados e o excesso de regulação, não há como estimular os investimentos e o crescimento do PIB. E sem uma forte coordenação entre as políticas fiscal, monetária, salarial e cambial não voltaremos a ter crescimento com justiça social duradoura e equilíbrio interno e externo.

É visível que os problemas do Brasil em 2015 são os mesmos que os de 2011-2014, cujos diagnósticos e soluções deixaram muito a desejar. (Ministro Delfim Netto – Valor, 20/01/15).

 

ATIVIDADES ECONÔMICAS

A retração das atividades econômicas, desde o ano passado, está se refletindo no aumento do desemprego e queda da renda, neste início de 2015. Os reajustes das tarifas de energia elétrica, combustíveis e transportes urbanos criam pressões inflacionárias, que também afetam o poder de compra da classe média. Mas os valores mais importantes da retração são, sem dúvida, o agravamento do déficit fiscal e a retração da atividade 3industrial devido á falta de novas encomendas da Petrobras e à estagnação da indústria automobilística. Os índices de confiança continuam caindo e o mercado de trabalho continua em queda.

A impatriótica e inútil paralisação dos caminhoneiros vai prejudicar as atividades econômicas e elevar a inflação.

 

Indústria

Segundo a CNI, o índice da produção industrial passou de 38,3 pontos, em dezembro/14, para 42,7 em janeiro, uma melhoria significativa, mas que revela a continuidade do desaquecimento.

O grande trauma no setor foi o rebaixamento da Petrobras ao grau especulativo (Moody’s). O índice de confiança do setor caiu 3,1% (FGV).

A produção do aço bruto avançou 7,7% em janeiro, ante janeiro/14. A produção de aço laminado cresceu 0,9% e a importação aumentou 78% sobre dezembro/14. As vendas de veículos em fevereiro caíram 24,7% em relação a janeiro. A Chery chinesa iniciou a produção de sua fábrica em Jacareí/SP. A VALE produziu mais 6,5% em 2014, mas registrou prejuízo de R$ 4,8 bilhões, devido à queda de preços do minério.

 

Comércio

Segundo o SCPC, as vendas do comércio cresceram 0,8% em janeiro, sobre dezembro/14, mas registraram queda de 1,2% ante janeiro/14. No acumulado de 12 meses, houve elevação de 3,4%. Os supermercados subiram as vendas em 1,2% em janeiro. As categorias vestuário e calçados cresceram 2,7% e móveis e eletrodomésticos tiveram alta de 1,4%. Combustíveis e lubrificantes caíram 0,2%.

A intenção de consumo das famílias caiu 9,3% em fevereiro frente a fevereiro/14, conforme pesquisa da CNC. O protesto dos caminhoneiros em 12 Estados está afetando o comércio e o escoamento da produção rural. Segundo o SEBRAE, a receita das micro e pequenas empresas de São Paulo registrou queda de 5,9%, em 2014. O setor serviços – informação e comunicação – teve alta de 3,4%.

 

Agricultura

Segundo o Ministério da Agricultura, o valor da produção agropecuária nacional deverá ser recorde em 2015, com aumento de 1,1% sobre 2014, com queda de 1,4% na lavoura e alta de 5,3% na pecuária.

A estiagem está prejudicando seriamente as safras de hortifrútis, laranja, café e cana de açúcar. As colheitas podem cair até 50% (!), com alta dos preços. Também está reduzida a oferta de peixes, no Sudeste.

As exportações do agronegócio continuam subindo em volume e caindo em valor. No Estado do Amazonas, cinco cidades estão em situação de emergência, com 45 mil desabrigados pela cheia.

 

Mercado de Trabalho

O desemprego voltou a subir e chegou a 5,3% em janeiro, o pior resultado desde 2013 (IBGE/PME). Em outra pesquisa mais abrangente, a PNAD trimestral, a taxa média no 4º trimestre de 2014 ficou em 6,5%. Em janeiro, foram fechadas 81.774 vagas formais de trabalho, o pior resultado desde a crise de 2009.

Em 2014, segundo o MTE/CAGED, foram registrados 21.667 mil admissões, contra 21.270 mil desligamentos, com saldo líquido de 397 mil novos empregos.

 

Setor Financeiro

A nova orientação do Ministro Joaquim Levy está reduzindo a disparidade que havia entre a expansão do crédito dos bancos privados e oficiais, responsável pela desconexão havida, nos últimos anos, entre a política monetária restritiva do Banco Central e a política expansionista do Ministério da Fazenda/Planalto.

Nos últimos 12 meses, até janeiro, os empréstimos do sistema bancário subiram 11,0%, sendo +5,1% nos bancos privados e +18,2% nos bancos públicos. Nesse contexto, a expansão do crédito continua sendo certamente o fator mais importante na causação da inflação.

No contexto da política monetária, a expansão do papel-moeda em poder do público continua expandindo-se em compasso com a inflação (+9,1%) e a dos meios de pagamento (M1) muito menos (+2,6%). A grande novidade do momento é a linha de crédito que o Bradesco, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica estão abrindo à Petrobras, em cerca de R$10 bilhões.

 

Inflação

O índice oficial da inflação, o IPCA-15, ficou em 1,33% em fevereiro, acumulando 2,23% no bimestre (IBGE). O IGP-M/FGV desacelerou e subiu apenas 0,16%, revelando um comportamento diverso entre os preços do varejo e do atacado. As razões da queda estão nos menores preços do petróleo, da soja, do milho e outros grãos.

O aumento médio do preço da energia elétrica está previsto para 70% no Sudeste e 50% em todo o País. Em complemento, a impatriótica greve dos caminhoneiros em 12 Estados, está causando sérios danos no abastecimento e provocando alta da inflação. Em contrapartida, está havendo significativa queda dos aluguéis residenciais e de escritórios. Os supermercados de São Paulo registraram alta de 1,25% nos preços de janeiro.

A inflação do IPCA/IBGE fechou 2014 em 6,41%, aproximadamente no mesmo nível dos últimos 10 anos. Nesse período, o BC subiu e baixou várias vezes a taxa de juros SELIC, sem qualquer efeito sobre a média anual de inflação. Em contrapartida negativa, a alta SELIC sobrecarregou as contas deficitárias do Governo em R$311 bilhões de juros (!).


Setor Público

A arrecadação federal somou R$125,2 bilhões em janeiro, queda de 5,44% em relação a janeiro/14.

Em janeiro, as contas públicas registraram superávit primário de R$21,1 bilhões, resultado que já se pode imputar ao contingenciamento das verbas orçamentárias decidido pelo novo Ministro da Fazenda, enquanto o Orçamento 2015 não for aprovado. Em contrapartida, os juros sobre a dívida pública somaram R$18 bilhões, acarretando um déficit nominal de R$3 bilhões. Em consequência, a dívida pública bruta subiu a R$3.315,3 bilhões, 64,4% do PIB. Em um mês, a dívida subiu R$62,8 bilhões (!).

O Ministério da Educação divulgou nota sobre os atrasos de 4 meses nos repasses do PRONATEC, esclarecendo que liberou R$ 119 bilhões para regularizar o pagamento dos professores em escolas particulares. Há um sério perigo de retração no Programa.

O resultado da Previdência Social (RGPS) foi igualmente deficitário. Em 12 meses, até janeiro, as contribuições arrecadadas aumentaram 5apenas 2,4%, enquanto os benefícios pagos cresceram 8,4%.

 

Setor Externo

O resultado de janeiro, do balanço de pagamentos do Brasil, indica que a situação deficitária não mudou. O ano de 2014 foi péssimo, como se vê abaixo.

                                            Ano 2014              Janeiro 2015 

                                          US$ bilhões 

Exportações                               225,1                  13,7

Importações                               229,1                  16,9

Balança comercial                       -4,0                    -3,2

Serviços                                   -48,9                   -3,6

Rendas                                    -40,3                    -4,0

Imigrantes                                 1,9                       0,1

Transações correntes                 -91,3                   -10,7


A dívida externa continua aumentando e chegou a US$ 558,2 bilhões, em janeiro último. Em janeiro, ingressaram no País US$ 3,9 bilhões, o maior resultado desde 2012, mas no conjunto houve déficit de US$10,6 bilhões. Os brasileiros continuam viajando adoidado ao exterior.

Na área internacional, destaca-se o crescimento das exportações chinesas para a Argentina e a queda das exportações do Mercosul (-34%).

Nos Estados Unidos, o FED anuncia que os juros vão continuar próximos de zero, por mais tempo. A queda nos preços do petróleo mantém a inflação baixa. Em 2014, a economia americana cresceu 2,4%.

Na Europa, celebra-se a aprovação do Acordo UE/Grécia, com extensão por quatro meses do pacote de resgate de €172 bilhões. Por outro lado, agrava-se a tensão bélica entre Rússia e Ucrânia.

Na Ásia, sem maiores novidades: China, Japão e Índia.

 

*Ernane Galvêas é consultor Econômico da Presidência