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Meditação sobre mercados: uma análise sobre as quedas do preço do petróleo

Aswath Damodaran, da NYU, fala sobre previsões erradas e países mais prejudicados

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Aswath Damodaran, professor de Finanças na Stern School of Business na New York University (NYU), analisa em seu blog as recentes quedas do preço do petróleo, as previsões equivocadas que foram feitas nos últimos tempos. Damodaran avalia também quais foram as empresas e países mais prejudicados e fala das expectativas para o futuro próximo.

Nas últimas semanas, o mercado financeiro foi sacudido pela queda nos preços do petróleo, e o processo nos fez lembrar de três realidades. A primeira é que para todo o dinheiro que é gasto em projeção do preço de commodity, há muito pouco que devemos mostrar para ele. A segunda é que todos os grandes acontecimentos macro-econômicos criam vencedores e perdedores e o efeito de rede dessa mudança no preço do petróleo, quando positivo, neutro ou negativo, pode levar um tempo para se manifestar. O terceiro é que investidores são geralmente prejudicados tanto pela venda feita em pânico de todas as coisas relacionadas ao petróleo ou a compra impensada das derrubadas ações do petróleo.

Petróleo: Preços caem e a incerteza aumenta

No início de 2014, o preço por barril de Brent era de aproximadamente US$ 108 por barril, depois de três anos de preços mais altos do que US$ 100 o barril. De fato, parecia haver poucos motivos para acreditar, visto os sinais de recuperação econômica nos Estados Unidos, que os preços do petróleo cairiam a qualquer momento pouco depois. Uma combinação de choque de demanda moderada (demanda reduzida da China) e, mais visível ainda, os choques de oferta que conspiram para criar a queda de preços, começando em setembro, acompanhada de mais incerteza sobre preços futuros:

Embora a maior parte da atenção tenha sido direcionada para a queda de 40% nos preços de petróleo, a triplicação na volatilidade implícita nos preços do petróleo merece ser vista com atenção e, como vou argumentar mais adiante, poderia ter um efeito não só nas ações do petróleo, mas no mercado em geral.

No início, as matérias sobre o choque do preço do petróleo eram quase todas positivas, sugerindo que preços mais baixos de gás permitiriam que consumidores gastassem mais dinheiro no varejo, restaurantes e outros negócios, impulsionando assim a economia. Nas primeiras duas semanas de dezembro, porém, houve uma guinada abrupta no humor, quando os mesmos jornalistas que estavam louvando a queda dos preços do petróleo algumas semanas antes estavam apontando seus dedos  nela como a principal culpada por trás das quedas dos preços das ações em todo o mundo naquelas semanas.

A trinca desinformada: Analistas, Empresas e Investidores

O aspecto mais sóbrio do choque do preço do petróleo é que realmente surgiu do nada, com nenhum dos analistas de economia no início de 2014 prevendo a magnitude da queda. No início de 2014, uma pesquisa da Bloomberg sobre os "mais precisos" analistas de preços de petróleo chegaram a prever US$ 105 para preços de petróleo no ano, mostrando bem que "preciso" é um termo relativo neste mercado. Em uma pesquisa da Reuter em dezembro de 2013, que fez um levantamento com analistas sobre preços do petróleo em 2014, a previsão de preço mais baixo era de US$ 75 por Ed Morse, chefe global de pesquisa do mercado de commodities do Citibank e especializado há tempos em preços do petróleo. 

Se você acredita que as empresas de petróleo, por estarem perto da ação, foram precavidas, você se engana. No início de 2014, a Chevron anunciou que seu orçamento seria baseado em preços do petróleo de US$ 110/por barril, com John Watson, o presidente da empresa, dizendo, “Há uma nova realidade em nosso negócio… US$ 100/por barril está se tornando o novo US$ 20/por barril em nosso negócio… os custos alcançaram os rendimentos para vários tipos de projetos.” e acrescentando que, “se US$ 100 é o novo US$ 20, os consumidores vão pagar mais por petróleo.” A Chevron não estava sozinha nesta avaliação e empresas de petróleo tomaram globalmente decisões em  investimentos, aquisição e produção baseadas no pressuposto de que preços de três dígitos chegaram para ficar, o que explica porque a um preço de US$60 ou abaixo, quase um trilhão de dólares em investimentos feitos por empresas petroleiras não eram mais viáveis. Vendo as companhias aéreas, onde os custos da gasolina representam uma grande proporção das despesas de operação, há prova de que a restrição de gasolina segue o preço do petróleo, em vez de guiá-lo. A restrição de gasolina chegou ao auge em 2008, assim que os preços do petróleo chegaram ao topo, e seguiram a queda dos preços do petróleo nos anos seguintes desde então. 

Completando o trio desinformado, investidores também estiveram atrás da curva de preços de petróleo. Dinheiro institucional continuou a fluir para as ações para a maior parte do ano e saiu somente no último trimestre quando as ações do petróleo caíram.  O chamado dinheiro esperto (smart money) fez pior, com os hedge funds entre os maiores perdedores em ações de petróleo, com grandes nomes como Icahn e Paulson liderando com apostas que os fizeram perder muito dinheiro. Se há alguma boa notícia para os bulls do preço de petróleo, é que analistas estão agora prevendo preços mais baixos no ano que vem, empresas petroleiras estão reavaliando suas suposições sobre um preço normal de petróleo, empresas aéreas estão reduzindo ou até mesmo suspendendo sua restrição e investidores institucionais estão fugindo das ações de petróleo. Levando em conta seu resultado histórico coletivo, esse pode ser o melhor momento para apostar em uma subida dos preços do petróleo.

Os Maiores Perdedores

Quando os preços do petróleo caem, o impacto mais imediato se dá nos produtores de petróleo e o ecossistema que serve a eles, incluindo equipamento e prestadores de serviços. Dentro desse grupo, porém, o efeito pode variar dependendo da geografia, o tamanho e a alavancagem, como veremos na seção do ninho.

a. Empresas no negócio do petróleo

O efeito de uma mudança no preço do petróleo em uma empresa produtora pode parecer óbvio, mas vai além do efeito nas receitas e lucros a curto prazo. Ao mudar o reembolso para o crescimento e o risco na empresa, uma mudança no preço do petróleo pode ter um efeito multiplicador no valor.

Com esses efeitos estabelecidos, você deveria esperar que os efeitos mais negativos de queda dos preços do petróleo aconteçam em empresas altamente alavancadas em reservas mais caras e custos fixados mais alto. 

Vamos ver os números. Nos últimos três meses, com a queda dos preços do petróleo, as ações de empresas petroleiras despencaram, perdendo a soma inacreditável de US$ 1,7 trilhão em  capitalização de mercado, como é mostrado na tabela abaixo, com empresas se desmantelando em diferentes sub-negócios:

Perceba que as empresas no final do ciclo da produção e perfuração foram mais afetadas pelos preços mais baixos, enquanto as empresas que foram menos atingidas são as que estão no fim do ciclo de refino e distribuição. Dentro dos negócios de petróleo, o estrago também varia nas empresas. Analisando os números, isso é o que vemos:

Empresas menores, menos cotadas foram atingidas com mais força do que as maiores e com grau de investimento, sendo que o massacre foi maior nas empresas da América Latina. Na única descoberta surpreendente (pelo menos para mim), as empresas com as mais altas margens de lucros (em termos de EBITDA/Sales) testemunharam maiores perdas no valor de mercado do que firmas com margens menores.  (atualização: meu primeiro pensamento sobre isso foi que empresas com maior EBITDA/Sales podem ter  índices mais altos de dívida e que o efeito da dívida estava se sobrepondo o efeito  de rentabilidade. A tabela abaixo dá um suporte parcial, já que está entre as empresas mais altamente alavancadas que se vê  uma relação mais forte de alta rentabilidade/retorno negativo, mas há algo a mais que também está acontecendo no fundo. Então, de volta ao trabalho..) 

Note que eu estava usando essa medida de rentabilidade como uma referência aproximada para os custos de reservas de companhias, já que você deve esperar que empresas com  reservas mais caras sejam mais atingidas por preços mais baixos dos preços de petróleo do que aquelas com reservas com custos mais baixos. Como os preços mais altos do petróleo induziram as companhias a explorar e desenvolver novas reservas, o custo da extração de petróleo é muito mais alto em algumas dessas reservas, como mostra essa tabela de apenas reservas de petróleo de xisto nos EUA:

Eu tomaria os preços de rentabilidade que analistas relatam para reservas com um grão de sal, porque computar uma verdadeira rentabilidade iria requerer muito mais informação sobre custos de produto “em queda contra incremental” assim como ‘fixado contra variável’ do que temos acesso, mas a verdade fundamental permanece. Na medida em que os preços do petróleo caem, o efeito no valor e viabilidade vai variar nas reservas e esse efeito deveria então penetrar nas empresas.

b. Países exportadores de petróleo

Indo das empresas para os países, fica claro que as companhias que mais perdem com os preços mais baixos do petróleo são as grandes exportadoras de petróleo. Entre esses países, porém, os efeitos vão variar (como fizeram com empresas), baseados nos custos da extração de petróleo nas reservas, quanta dívida soberana é devida pelo país e quanto dependente eles são dos rendimentos do petróleo para equilibrar seus books. Países com reservas de maior custo que são mais dependentes das receitas de petróleo para cumprir obrigações da dívida e equilibrar books deveriam ser mais afetadas negativamente por mudanças dos preços do petróleo, e a tabela abaixo oferece essas estatísticas:

Entre o dia 16 de setembro e 16 de dezembro, com a queda dos preços do petróleo, o país mais vulnerável (em parte devido à sua dependência no petróleo para receitas e em parte devido a fatos geopolíticos) foi a Rússia. No gráfico abaixo, vemos o massacre nas mudanças nos prêmios dos CDS para a Rússia (uma medida de risco de default no país) e no rublo russo.

Olhando mais amplamente, fica claro que o estrago não se limita à Rússia, como é evidenciado nesse gráfico de prêmios soberanos dos CDS para quatro países exportadores de petróleo: Rússia, Venezuela, Arábia Saudita e México (com o preço do CDS de setembro sendo fixado em 100 para todos os quatro).

O estrago foi maior na Rússia e na Venezuela, com o CDS russo subindo 137,83% e o CDS venezuelano mais do que triplicando. No entanto, a Arábia Saudita e o México, apesar de estarem em melhor forma, também foram afetados com o CDS mexicano aumentando cerca de 58% e o CDS saudita subindo 65%.

O efeito cascata

O estrago se estende além dos negócios de petróleo para empresas de energia verde, que se beneficiaram dos altos preços do petróleo na última década, e credores de empresas petroleiras, que sentem os efeitos do crescente risco do crédito. Na tabela abaixo, eu estimo o efeito de preços mais baixos do petróleo em empresas de energia verde e limpa e bônus corporativos emitidos por empresas de energia:

Quanto ao setor do petróleo, a extensão do prejuízo varia através de subgrupos, com mais amplitude para as dez maiores companhias de energia solar do que para empresas que fazem parte da corrente de energia solar ou, de forma mais abrangente, de energia limpa. Coerente com o comportamento dos rendimentos através de ações através de índices, os bônus de energia com grau de investimento foram muito menos afetados do que os bônus abaixo do grau de investimento. 

Os vencedores dos preços mais baixos de petróleo são mais difíceis de achar, pelo menos em curto prazo. Você poderia esperar que empresas que têm uma alta proporção de seus custos conectados aos preços do petróleo ganhem mais, e os dois setores citados como beneficiários foram companhias aéreas e transportadoras.

As companhias aéreas foram as maiores ganhadoras, mas note que o valor agregado do mercado coletivo (cerca de US$ 55 bilhões através de todas as empresas do setor, globalmente) foi apequenado pelas perdas de mais do que US$ 2 trilhões em empresas de petróleo e energia verde.

No longo prazo, o consenso geral parece ser de que preços mais baixos de petróleo serão bons para a economia e talvez até para preços de ações. 

Entre 1974 e 2013, há pouco evidencia que preços mais baixos (tanto no dólar quanto em termos de percentagem) não tiveram qualquer efeito no crescimento econômico  (PIB real), taxas de juros e inflação ou preços das ações. De fato, a única variável onde há uma relação é com o dólar americano, e preços mais baixos do petróleo levaram a um enfraquecimento histórico da moeda. Vendo o acordo, há dois benefícios chave advindos de preços do petróleo mais baixo. O primeiro é que consumidores vão gastar menos em petróleo (para transporte e aquecimento) e vão então ter mais dinheiro para gastar no varejo, lazer e outros itens discricionários. 

O segundo é que preços mais baixos do petróleo vão reduzir a inflação, ao menos em curto prazo, dando assim aos bancos centrais um pouco mais de espaço de manobra na política monetária. Há, no entanto, dois custos potenciais. O primeiro é que com uma queda do preço do petróleo grande o suficiente, o desespero financeiro nas empresas produtoras e países exportadores de petróleo pode se espalhar no resto da economia; defaults de grandes empresas de petróleo ou um grande mutuário soberano podem criar caos nos mercados financeiros. 

O segundo é que os preços do petróleo em queda livre costumam ser acompanhados por uma maior incerteza sobre os futuros preços do petróleo, como foi o caso nas últimas semanas, que, por sua vez, pode levar a mais incerteza sobre o crescimento geral da economia, taxas de juros e inflação. Já que esses são condutores do prêmio de risco em renda variável global (equity risk premium), um prêmio de risco em renda variável mais alto e preços mais baixos das ações vão seguir. É verdade que a queda do preço de petróleo nas últimas semanas foi grande, relativa à história, e que os efeitos podem então ser diferentes, mas essa pode ser mais uma razão para não esperar e ver quais serão os efeitos macro-econômicos desses preços.

E agora?

Você pode não ser um controlador do mercado ou um analista dos preços do petróleo, mas esses preços têm um efeito em seu portfólio e talvez em sua estratégia de investimento. Quando você olha para o estrago criado pelas quedas dos preços do petróleo, pelo menos o petróleo em seu portfólio, é fácil você adivinhar as decisões que você fez semanas, meses ou até anos atrás. Eu acredito que se arrepender e olhar para o próprio umbigo não são somente coisas desnecessários mas perigosos e que seu tempo será melhor gasto recolhendo os pedaços e olhando adiante. Genericamente, há quatro pontos de vista que você pode ter sobre os preços de petróleo: que eles vão continuar a cair (a história do ímpeto), que US$ 60 é o novo preço normal (US$ 60 é o novo US$ 100), que eles caíram rápido demais e vão dar um salto de volta (o movimento contrário) ou que qualquer acima (agnóstico de preços). Em todos os pontos de vista sobre petróleo, você pode ir tanto para uma estratégia protecionista ou uma mais agressiva, com a última se tornando mais atrativa na medida em que sua confiança em seu ponto de vista aumenta.

Você pode me colocar com convicção na categoria  "agnóstico de preços". A exposição dos preços de petróleo que eu tenho em meus portfólios reflete investimentos que fiz over time em ações que eu percebi como sendo que bom valor no momento em que eu as fiz e não estavam projetadas primeiramente para aumentar minha exposição do preço do petróleo. Se eu escolho vendê-los, será porque eu não os vejo mais como sendo de bom valor, devido aos preços do petróleo no momento da avaliação, e não porque eu tenho um ponto de vista sobre os preços do petróleo.  Assim sendo, meu investimento na Lukoil de cerca de quatro semanas atrás, quando os preços do petróleo estavam em US$ 77 o barril, cai em cerca de 15%, mas vistos os preços do preço do petróleo de hoje, está sub-valorizado. Meu timing de investimento deixou claramente muito a desejar mas vendê-lo hoje não trará meu dinheiro de volta!