ASSINE
search button

‘Project Syndicate’: A guerra cultural do Fed

Compartilhar

O Project Syndicate publicou no sábado (22/11) um artigo de Mark Roe sobre um recente posicionamento do Fed, que fez algumas recomendações a altos executivos de banco: “Em conferência feita a portas fechadas com a presença de altos executivos de bancos, autoridades reguladoras e alguns acadêmicos, o diretor do Federal Reserve, Daniel Tarullo, e o presidente do Fed regional de Nova York, William Dudley, usaram seu poder de influência para fazer algo inesperado. Em vez de direcionar o foco em como fortalecer a estabilidade dos bancos - por meio da canalização de mais capital para as grandes instituições, da restrição a atividades de risco ou da definição de como administrar a quebra de um banco sem socorro público - os dois falaram sobre os próprios executivos de banco.

Tarullo concentrou sua fala no mau comportamento administrativo e argumentou que os gerentes que não cumprirem as normas de forma integral e voluntária vão ter que enfrentar sanções mais rigorosas do que hoje. Em vez de culpar "as poucas maçãs estragadas" pelas irregularidades, ele insistiu que as instituições devem adotar controles para evitar que as "maçãs estragadas" arruínem o restante da organização. Para esse fim, as organizações deveriam incorporar o respeito à lei, à regulamentação e à confiança pública em seus sistemas internos de remuneração”, escreve Mark Roe.

Ele prossegue: “Além disso, Tarullo apontou o julgamento penal e a prisão de condenados como a forma mais eficiente de impedir condutas ilegais, como violações da lei antitruste. É claro que, como ele reconheceu, julgar uma pessoa por essas violações é difícil, porque os reguladores carecem de poderes de execução penal, há grandes dificuldades em termos de provas e as circunstâncias muitas vezes são incertas. Mas os reguladores não aproveitaram o suficiente a autoridade de que dispõem para punir gerentes que cometem irregularidades: vetar seu trabalho no setor de finanças”.

Segundo Tarullo, alguns "vetos" bem escolhidos à atuação na área bancária poderiam mudar o setor financeiro para melhor. Ele encorajou os conselhos de administração de bancos e os executivos seniores a prevenir-se contra esses vetos demitindo publicamente os gerentes mais problemáticos, em vez de mandá-los embora discretamente pela porta de trás. Execuções públicas dissuadiriam maus comportamentos no restante da organização.

Dudley também colocou o ônus da mudança sobre os altos executivos de bancos. Ao discutir a cultura bancária - um tópico de grande interesse para ele e para o Fed de Nova York-, ele encorajou os executivos seniores de bancos a alinhar as culturas de suas organizações com o interesse público e os parâmetros da regulamentação. Em vez de ver a lei como um problema a ser administrado e, se possível, driblado, os executivos de banco deveriam reconhecer e respeitar sua importância vital (algo que Tarullo também enfatizou). Nesse sentido, segundo Dudley, o setor bancário "não está perto de onde deveria estar".

Dudley, assim como Tarullo, destacou que infrações não deveriam ser tratadas como ações isoladas por funcionários de má conduta, mas como evidência de falha dos gerentes seniores - desde a sala da diretoria até a sala dos principais executivos - em orientar de forma apropriada sobre a cultura bancária. As violações, portanto, deveriam catalisar um esforço coordenado dos gerentes seniores para manter sob controle os executivos de bancos desonestos e infundir um etos de integridade e cumprimento das normas em suas organizações. Caso não consigam fazer isso, argumentou Dudley, seria razoável concluir que a organização é grande demais para ser bem administrada.

Para alguns ouvintes, a declaração deve ter evocado memórias do operador conhecido como "London whale" (baleia de Londres, em inglês), pelos volumes envolvidos, que perdeu pelo menos US$ 6 bilhões no JP Morgan Chase - maior banco dos Estados Unidos - em 2012. A equipe de gestão de risco do banco, que supostamente era a melhor do mundo, não conseguiu identificar o operador até quando era tarde demais.

Focar os holofotes na responsabilidade individual dentro dos bancos representa uma mudança notável na abordagem dos reguladores, algo que foi reforçado por uma terceira iniciativa, destacada por outros participantes: passar a remunerar com títulos de entrega futura, de forma a amarrar o ganho dos gerentes à segurança e solidez do banco.

Catalisar uma mudança na cultura dos bancos não vai ser fácil. Executivos de banco sabem que assumir riscos substanciais de alto impacto e baixa probabilidade frequentemente costuma amplificar suas próprias bonificações e beneficia os acionistas do banco. Porém, quando a situação vai mal o governo fica com grande parte da conta a pagar - e a economia real sofre.

Para complicar ainda mais, o fato de um banco assumir riscos - mesmo em níveis extremos - nem sempre é antiético, desonesto ou fraudulento. Muitas vezes, parece ser algo responsável e inovador. O problema com a inovação é que ninguém pode prever o impacto exato que ela provocará. Na verdade, a crise financeira de 2008-2009 deveu-se mais a erros e desorientações do que a fraudes e más condutas explícitas de executivos de bancos.

Ainda assim, vale a pena ir atrás do tipo de iniciativas culturais e comportamentais que Tarullo e Dudley propõem. De fato, alinhar os interesses financeiros dos gerentes e executivos seniores de bancos com os esforços dos reguladores para ampliar o capital, reduzir o risco e tornar a quebra de bancos sem socorro público uma possibilidade real seria um grande avanço no caminho para tornar os bancos mais seguros.

Há, entretanto, uma condição crucial: os principais objetivos organizacionais dos reguladores precisam ter prioridade em relação aos relacionados à cultura, com estes apoiando - e não deslocando - os organizacionais. Tarullo e Dudley sabem disso, mas outras autoridades, menos conhecedoras, talvez não.

“Se os esforços direcionados aos indivíduos começarem a eclipsar as responsabilidades centrais dos reguladores, muito do progresso feito nos últimos anos para aperfeiçoar a segurança dos bancos vai se perder. Isso poderia acabar se revelando a jogada mais arriscada de todas”, conclui Mark Roe.