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Crise incentiva mudanças no ensino de economia em universidades

Alunos de graduação e pós pedem currículos mais conectados com a realidade

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Universidades do mundo inteiro estão repensando a estrutura de seus cursos de economia, em consonância com anseios de estudantes. Eles reclamam que os cursos atuais não explicam a crise que afetou o mundo em 2008, a desigualdade e o aquecimento global, por exemplo, e atestam que os métodos de ensino não se relacionam com o contexto social e histórico. Já são diversos os grupos e esforços que se articulam na tentativa de aproximar a ciência econômica de sua raiz de ciência social, contra o caminho "matematizado" que acabou tomando, conforme destacam economistas consultados pelo JB

Estudantes estão articulados no ISIPE - International Student Initiative for Pluralism in Economics, que reúne pessoas da Austrália, Argentina, Áustria, Brasil, Canadá, Chile, Dinamarca, França, Alemanha, Índia, Israel, Paquistão, Rússia e Reino Unido, entre outros. São 30 países e 65 associações de estudantes. 

"Não é apenas a economia mundial que está em crise. O ensino de economia está também em crise, e as consequências desta crise vão muito além do âmbito acadêmico. Aquilo que se ensina é, no fundo, o que vai moldar as mentes da próxima geração de decisores políticos e, por conseguinte, as sociedades nas quais vivemos", diz carta aberta do grupo.

No mês passado, o Departamento de Economia e Estatística da Universidade de Siena, uma das mais antigas universidades públicas da Itália, anunciou sua adesão a um projeto incentivado por esse espírito de mudanças, o The CORE project. "Nós partilhamos plenamente da visão do CORE de que estudantes deveriam aprender o que a economia trata, com uma abordagem tão ampla e aberta quanto seja possível, antes que aprendam um modelo abstrato específico. O e-book desenvolvido pelo projeto CORE encontra este objetivo", comentou o professor da instituição, Massimo D’Antoni, em nota de divulgação da iniciativa.

O The CORE project, liderado por Wendy Carlin, professora da University College London, é um currículo de economia, disponibilizado online, que promete uma abordagem mais plural e aberta, que, entre outras especificidades, toma a história, a inovação e a instabilidade em conta para a análise, enquanto textos e cursos convencionais teriam uma análise estática. O projeto foi fundado pelo Institute for New Economic Thinking, pela Azim Premji University e pelo centro de estudos políticos Sciences Po.

A Universidade de Siena, segundo o professor D’Antoni, trabalhava no mês passado na tradução do material para o italiano, para ser lido no início do segundo semestre (março de 2015) para os mais de 500 estudantes que vão entrar na instituição. A Universidade também vai incluir material produzido pelo seu corpo docente. "Nós esperamos que outras universidades italianas sigam o exemplo e se juntem a nós usando esse livro como um texto introdutório a estudantes de economia e negócios."

Conforme indica reportagem do Financial Times, publicada no mês passado, outras universidades do mundo inteiro aderem ao projeto CORE -- a University College London, Sciences Po em Paris, a Universidade Columbia em Nova York, a Universidade de Massachusetts em Boston, a Central European University em Budapeste, a Universidade de Sydney e a Azim Premji University, em Bangalore.

O material, no entanto, ainda não encerra o ciclo dos que buscam maior pluralidade e conexão no ensino. Um grupo da Universidade de Manchester, denominado  The Post-Crash Economics Society, realiza nesta terça-feira (4), na instituição, o evento "Como a economia precisa mudar (em tradução livre para “How does economics need to change?"), com a presença de professores como Dianne Coyle, que acredita em um ensino plural que leve em contra outras disciplinas como a neurociência e a sociologia. A premissa é que não se duvida mais que a ciência econômica precisa mudar, a questão então seria determinar como fazer isso. "Estudantes deixam a universidade criticamente desconectados e incapazes de desafiar as premissas muitas vezes falhas e conclusões da economia mainstream", diz o evento organizado pelo Facebook. 

Luciano Losekann, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que as universidades brasileiras já estariam incorporando essa visão mais crítica aos currículos, inclusive gerando críticas de alguns mais ortodoxos, em movimento mais avançado do que ocorreria nos Estados Unidos e na Europa. Para ele, a crise de 2008 mostrou que existe um risco na trajetória que o ensino tomou, de viés mais ortodoxo, um alerta que abriu espaço para autores como Thomas Piketty, que ganhou destaque com o livro O capital no século 21.

"Na UFF, a gente tem uma diversidade bem ampla de abordagens econômicas, o nosso ensino de economia não é tão 'quadradão' como ocorre fora do Brasil", destaca o professor. "Tem uma diversidade muito grande nos ensinos de economia no Brasil. A UFF estaria num campo menos ortodoxo, mais heterodoxo", continua Losekann.

O problema, contudo, pondera o professor, é que ainda não existe um "substituto" para à visão mais dominante, como uma "microeconomia heterodoxa" ou uma nova macroeconomia. "A gente tem um pensamento crítico, mas não existe um novo corpo teórico."

Carlos Frederico Leão Rocha, diretor geral do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reforça o discurso de que a economia, como ciência, acabou seguindo caminhos bastante abstratos e, de alguma maneira, saiu um pouco do contexto histórico. Rocha acredita ainda que é importante "não perder a mão" em reformulações de currículos, para que conteúdos importantes não se percam.

"Os alunos passaram a sentir necessidade do contexto histórico, o que é legítimo", destaca o professor, informando que, no caso do curso da UFRJ, o protesto não se aplica, já que a instituição preza pelo contexto histórico, e que também não se aplicaria a maioria das universidades brasileiras, pelo menos na graduação -- e não se veria, contudo, nos cursos de pós-graduação. 

Rocha salienta que, apesar do avanço, ainda se nota uma ótica "individualista", como a que prevalece nos manuais dos cursos norte-americanos, entre grandes economistas brasileiros. "De vez em quando você escuta pessoas falando alguns absurdos, como uma análise de um ex-presidente do Banco Central que me deixou assustado", comenta.

"[Essas mudanças] vêm um pouco da crise, e um pouco também dos alunos que estavam saturados de tantas fórmulas. Porque a crise está acontecendo e você está estudando uma estrutura de incentivos sem nenhuma contextualização histórica. Quem tem o amor pela leitura econômica começa a ver [quem tem algo errado]." O diretor acredita, no entanto, que as universidades têm o direito de seguirem determinada ideologia e que o importante é que alunos de diferentes universidades consigam dialogar entre si.

Marcio Pochmann, professor na Universidade Estadual de Campinas, destaca que essa manifestação contra uma visão ortodoxa, atemporal e a-histórica da economia, que predominou no ensino e na pesquisa, não é recente e vem se construindo há mais tempo no Brasil e no mundo, e que também não se limita a estudantes, sendo incentivado por professores -- alguns chegaram a deixar universidades por não compactuarem com métodos de ensino.

É preciso, alerta Pochmann, tratar a economia como parte importante das ciências sociais, e não apenas na concepção de ciência exata, matematizada. "O Brasil já teve um ensino bem mais plural", lembra.  "O ensino de economia se torna desinteressante, não consegue oferecer algo mais concreto em torno dos desafios. Essa perspectiva individualista, embora seja mais sofisticada nos EUA, o Brasil não está fora, ela atinge o mundo de uma maneira mais geral."

Ele cita revistas acadêmicas brasileiras que acabam não contemplando a produção nacional, dando espaço para uma linha mais matematizada e estrangeira -- perspectiva que não deixa de ser importante, mas que não deveria predominar em detrimento da "variedade e potencialidade da ciência".

"A impressão que eu tenho é que a pluralidade é maior na graduação do que na pós, porque a oferta de cursos é maior na primeira. (...) Há seis anos do início da crise, o o mundo segue sem saídas efetivas", acredita. Para ele, é preciso recuperar aquilo que fomentou o ensino, uma perspectiva plural, que permita que o aluno tenha conhecimento de diferentes visões e fundamente a intervenção do economista em um mundo em transformação.