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Especialistas repercutem medidas do BC para melhorar distribuição de crédito

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As medidas tomadas pelo Banco Central para melhorar a distribuição de recursos e aperfeiçoar medidas prudenciais relacionadas ao crédito geraram reflexões opostas entre economistas. Ao liberar recursos para os bancos emprestarem a empresas e famílias, a instituição financeira gera um impacto estimado em R$ 45 bilhões - dois terços em empréstimos compulsórios. Especialistas consultados pelo Jornal do Brasil ressaltam a condicionante da vontade dos bancos de liberar empréstimos, e ainda a confiança dos brasileiros na economia para se comprometerem com os custos dessas facilidades. 

Maryse Farhi, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, ressalta que o recolhimento compulsório, que foi um dos utilizados entre as medidas, deixou de ser política monetária em praticamente todos os países, mas foi utilizado como medida prudencial, e deve gerar algum efeito. Eventualmente, mais efeito que a taxa de juros. 

"Isso significa que os bancos têm mais dinheiro para emprestar, resta saber se eles querem. Tudo vai depender da vontade dos bancos. O que peles podem fazer? Podem comprar ativos financeiros. A Selic está rendendo 11%, menos do que pagam pessoas físicas e jurídicas, mas é mais seguro", destaca. "Haverá volume de crédito maior, a custo menor. Ou seja, você tem uma política monetária expansionista sem baixar os juros."

Ela lembra que, em uma comparação com economias desenvolvidas e outras em desenvolvimento, o volume de crédito disponível atualmente no Brasil não é muito grande. Em relação ao crédito de longo prazo, como o imobiliário, também ainda pouxo expressivo, ela destaca a impossibilidade de uma bolha imobiliária brasileira provocada por um aumento desses empréstimos. "Bancos com juízo não emprestam 100% do valor do imóvel, nos Estados Unidos eles faziam isso. Mas aqui os bancos não não deixam, no máximo liberam 70%."

Outra coisa importante, destacada por Maryse, é a falta de educação financeira no país, que permite que as pessoas se endividem em diferentes modalidades de crédito. Se os bancos tiverem medo do futuro econômico brasileiro, continua, eles não vão emprestar. Para a economia do país, contudo, é melhor que se aumente o crédito, que se aumente a demanda.

Daniela Magalhães Prates, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, lembra que, como já tinha ficado claro que a instituição não iria mexer nos juros, já era esperada alguma medida prudencial. O Banco Central, então, explica Daniela, adotou um instrumento adicional de política monetária, que a economia estagnada, com alguns analistas chegando a indicar a possibilidade de recessão em 2014, exigia. 

O próprio FMI passou a destacar que medidas macroprudenciais devem ser utilizadas, diz Daniela, que também como Maryse destaca que o recolhimento compulsório, instrumento clássico de política monetária, não é usado na maioria dos países em desenvolvimento e por nenhum país desenvolvido. 

"Brasil, China e Índia são exceções. Agora, com essa crise, nós temos uma vantagem, que acaba sendo um instrumento adicional para utilizar num momento como esse, em uma atividade econômica muito baixa, com o crédito privado crescendo a taxas negativas em 12 meses. Neste contexto, o Banco Central está tentando estimular a atividade econômica", esclarece Daniela.

Se os bancos emprestarão todo o volume disponível, também alerta, vai depender de suas avaliações de risco. "No contexto atual, com todo mundo parado, eleições, os bancos podem dizer 'não vamos emprestar mais, a economia não está crescendo'. Mas será uma tentativa. A eficácia vai depender da decisão dos bancos."

Cláudio Considera, do departamento de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), reforça ainda a condicionante das próprias famílias e empresas. "Tem que ver se vai ter demanda. Existe um grau de envidamento alto. O BC aumenta a oferta, mas talvez não tenha demanda. A esperança é que tenha, mas isso pode não acontecer. A pessoa não vai se arriscar a ficar ainda mais endividada. As empresas já não estão pegando mesmo, não estão investindo. Você vê que o preço dos carros é mantido, e vem sendo um desastre a demanda por carro."

Marcel Balassiano, economista do Ibre/FGV, por sua vez, sublinha que a autoridade monetária mostra sinais contraditórios com as medidas adotadas na sexta-feira - tenta estimular a economia (via aumento das concessões de crédito), que poderia ter impactos inflacionários e que, acredita, não deve ajudar a melhorar a atividade econômica. "Os problemas do baixo crescimento brasileiro são de outras naturezas, e contempla tanto aspectos estruturais quanto conjunturais. No atual momento, com os índices de confiança na economia bastante baixos, essas medidas pontuais de estímulo ao crédito deverão ter efeitos marginais no crescimento do Brasil."

Balassiano destaca que, na ata do Copom divulgada na quinta-feira (24) , o BC “avisou” que vai manter a taxa Selic estável em 11,0% por um período de tempo até que a inflação convirja para a meta e que, no parágrafo 31 da ata, a autoridade monetária disse que “o Comitê antecipa cenário que contempla inflação resistente nos próximos trimestres, mas, que, mantidas as condições monetárias – isto é, levando em conta estratégia que não contempla redução do instrumento de política monetária – tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção”.

"Porém, na manhã de sexta-feira (25), o Banco Central surpreendeu, desta vez afrouxando as condições monetárias via compulsórios, com objetivo de tentar melhorar a atividade econômica. Isso vai na direção contrária do que previa na ata divulgada no dia anterior", comentou Balassiano por e-mail ao JB.

No parágrafo 27 da ata, prossegue Balassiano, o BC disse que a “inflação ainda mostra resistência”, e que “concorrem para isso dois importantes processos de ajustes de preços relativos ora em curso na economia – realinhamento dos preços domésticos em relação aos internacionais e realinhamento dos preços administrados em relação aos livres.” E que, diante disso, a autoridade monetária aumentou os juros para combater essas pressões inflacionárias. "Só que essas medidas podem ter um efeito inflacionário, já que estimula o consumo", acredita o economista.

O Banco Central, no entanto, em resposta a questionamentos sobre o impacto das medidas na inflação, alertou que as medidas não alteram as projeções de inflação. “O banco acabou de divulgar a ata [da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC], da qual consta a descrição do cenário para a inflação. Além disso, cabe destacar que, como está claro na ata, neste cenário, leva-se em conta a evolução esperada para o mercado de crédito. Em suma, essas medidas em nada alteram as projeções de inflação do Banco Central do Brasil”, diz nota divulgada pela instituição.

>> Medidas que liberam recursos para empréstimo não mudam previsões de inflação

Balassiano salienta ainda que, no parágrafo 25, o “Copom destaca que o cenário central também contempla expansão moderada do crédito. Importa destacar que, após anos em forte expansão – arrefecida com a introdução de medidas macroprudenciais em finais de 2010 – o mercado de crédito voltado ao consumo passou por uma moderação, de modo que, nos últimos trimestres observaram-se, de um lado, redução de exposição por parte de bancos, de outro, desalavancagem das famílias.” E o BC, aponta o economista, conclui esse parágrafo dizendo que o “Comitê considera oportunas iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito.” 

"Com isso, o Banco Central chamou a atenção na ata para o fato de que a expansão de crédito reduziu bastante seu ritmo, o que também ajuda a conter as pressões inflacionárias. Porém, no dia seguinte, divulga uma medida que visa à expansão do crédito", salienta o economista do Ibre.

>> Diretor do BC: 'Medidas têm objetivo de aperfeiçoar crédito e liquidez'

Uma das medidas anunciadas pelo BC foi a liberação de recursos que os bancos, ao concederem crédito, deveriam deixar reservados para situações de risco não esperado. Ao conceder crédito, os bancos têm que reservar dinheiro para o risco esperado de inadimplência e o não esperado, como a ocorrência de problemas na economia do país. Antes dessa medida, até o total pagamento do empréstimo pelo cliente, o banco tinha que deixar esse dinheiro reservado. Agora, na medida em que o cliente for fazendo os pagamentos, essa reserva obrigatória vai diminuindo. A nova regra vale para operações de até 60 meses.

O impacto potencial de liberação de recursos com essa medida é R$ 10 bilhões, mas cada banco vai decidir se usa esses recursos liberados para oferecer novos empréstimos aos clientes, por exemplo. 

Outra medida anunciada pelo BC tem o objetivo de ampliar a oferta de crédito para as pequenas empresas e o impacto esperado é R$ 5 bilhões. O BC ampliou o limite de R$ 600 mil para R$ 1,5 milhão das operações de crédito a empresas de pequeno porte sujeitas a menor exigência de capital.

O BC também anunciou alterações em normas relativas aos recolhimentos compulsórios, dinheiro que os bancos são obrigados a deixar depositados no BC, sobre recursos a prazo e à vista. O impacto estimado dessas medidas é R$ 30 bilhões.

Entre as mudanças nas regras, está a que amplia o número de bancos que poderão lançar mão de parte (até 20%) de seus recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista para empréstimos e financiamentos que sejam enquadráveis no Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Para isso, o BC reduziu de R$ 6 bilhões para R$ 3 bilhões o valor do Patrimônio de Referência, Nível I, das instituições. A medida tem impacto projetado em cerca de R$ 200 milhões. Atualmente, os bancos têm R$ 15 bilhões aplicados no PSI.

O BC também adotou medida para estimular a compra de carteira de pequenos bancos por instituições maiores. Para isso, o BC decidiu deixar sem remuneração 50% dos depósitos compulsórios a prazo. Se o banco não quiser ficar sem a remuneração, poderá usar esses recursos para comprar carteiras de crédito de outras instituições financeiras e oferecer empréstimos para compra de carros e motos a clientes.

A quantidade de bancos que poderão vender as carteiras de crédito foi ampliada de 58 para 134. Segundo o BC, instituições com Patrimônio de Referência Nível I, na posição de dezembro de 2013, inferior a R$ 3,5 bilhões poderão vender as carteiras, sem restrições.

O BC também anunciou que colocou em consulta pública normativos para criar o Indicador de Liquidez de Curto Prazo (LCR) e a Razão de Alavancagem (RA). O LCR é a razão entre o estoque de ativos de alta liquidez e o total de saída de caixa previstas para um período de 30 dias, em condições de estresse no mercado financeiro. A RA é a razão entre o capital de mais alta qualidade mantido pelos bancos (capital nível um) e total de exposição a risco da instituição.