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Portugal Telecom não recebe 847 milhões de euros da Rioforte

Oi confirmou calote, após encerramento do período de cura para pagamento dos títulos

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A Oi informou nesta quarta-feira (23) que a Portugal Telecom não recebeu, mesmo, o valor dos títulos da dívida da Rioforte. Os 847 milhões de euros, que venceram efetivamente no dia 15 de julho, deveriam ter chegado até esta terça-feira (22), fim do período de cura. A brasileira ressalta que manterá acionistas e mercado informados sobre "quaisquer eventos subsequentes relevantes".

A Portugal Telecom havia assumido a responsabilidade pela dívida da holding do Grupo Espírito Santo, que é sua sócia. Receberia da Oi o débito da Rioforte, em contrapartida da entrega das ações do capital da brasileira para a mesma. Com isso, ficou com uma parcela menor na futura CorpCo (empresa que resultará da fusão entre PT e Oi), entre 18% e 22%, no lugar dos 37% previstos, e ganhou um prazo de até seis anos para recomprar as ações.

"A Companhia informa que, não obstante o Memorando de Entendimentos celebrado entre a Companhia e a Portugal Telecom SGPS S.A. prever a transferência dos Títulos para a PT SGPS, a 100% do seu valor de face, a partir da celebração dos documentos definitivos relativos à permuta entre as partes, entre outras condições, até a efetiva transferência dos Títulos, as subsidiárias da Companhia, PT Portugal SGPS, S.A. e Portugal Telecom International Finance B.V., adotarão as medidas cabíveis para a cobrança dos Títulos e os demais atos necessários à proteção e defesa dos seus interesses", atesta a Oi em Fato Relevante assinado por Bayard De Paoli Gontijo, diretor de Finanças e de Relações com Investidores.

Com o não pagamento, a Rioforte entraria em incumprimento nesta quarta-feira. No entanto, no dia do encerramento do período de cura, entrou com pedido de recuperação judicial em Luxemburgo. 

O português Jornal de Negócios ressalta que os títulos da dívida serão transferidos novamente para Portugal para a holding PT, só que, até a efetiva transferência, a Oi é detentora dos títulos, por meio das subsidiárias PT Portugal e PT International Finance.

>> Rioforte formaliza pedido de recuperação judicial

A Rioforte gere os negócios do Grupo Espírito Santo nas áreas do imobiliário, turismo, agricultura, saúde e energia. No seu portfólio, constam negócios como os hotéis Tivoli, com unidades em Portugal e no Brasil - em São Paulo e na Bahia. Indiretamente, a holding possui 10% da Portugal Telecom.

A Espírito Santo Internacional (ESI) já havia solicitado recuperação judicial em Luxemburgo, pedido este que já foi aceito, preparando o mercado para ação semelhante por parte da Rioforte. A ESI tem a totalidade do capital da Rioforte e tem 56% controlados pela família Espírito Santo. Por meio da Rioforte, a ESI controla 49% da Espírito Santo Financial Group, o maior acionista do Banco Espírito Santo. 

O banco, inclusive, contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro, para estudar formas de melhorar seu balanço, e adiou para o dia 30 de julho a apresentação dos resultados do primeiro semestre. No primeiro trimestre, o banco registrou prejuízo de 89,2 milhões de euros. De acordo artigo do Jornal de Negócios, entre as medidas que devem ser adotadas pelo banco está a venda de ativos, como a posição na Portugal Telecom.

Jornal de Negócios também informa que a gestora de ativos do Santander, o Santander Asset Management, se desfez de todos os títulos da dívida que detinha do Grupo Espírito Santo e do Banco Espírito Santo. Desde junho, foram mais de 40 milhões de euros em obrigações ou títulos de dívida como papel comercial.

>> Santander nega contato com Banco Espírito Santo

Por causa do calote, meia centena de acionistas da Portugal Telecom se mobilizam em dois processos judiciais contra a comissão executiva da empresa. De acordo com informações do Jornal de Negócios, entre os que se sentem lesados estão pequenos acionistas que podem perder entre 500 e mil euros, além de outros que terão que arcar com prejuízo entre 300 e 400 mil euros, devido a queda de ações da PT com a divulgação da aplicação na Rioforte. O valor aplicado equivale a cerca de metade da capitalização da PT na Bolsa. 

Impactos do calote na classificação da Oi

A Moody's anunciou na semana passada que a nota da Oi, incluindo o rating global Baa3, foi colocada em revisão para possível rebaixamento, motivada pela potencial perda dos 900 milhões de euros em papel comercial investidos pela Portugal Telecom, que contribuíram para o aumento de capital da Oi em maio deste ano. "A perda vai reduzir a liquidez consolidada da entidade e poderia atrasar substancialmente o progresso da Oi", diz a agência. 

Para manter o rating global Baa3, a Oi deve melhorar EBITDA e/ou reduzir a dívida. A revisão da nota deve ser concluída quando os resultados da brasileira de 2014 estiverem mais evidentes. Se as receitas continuarem fracas ou se deteriorarem, por exemplo, o rebaixamento deve se tornar realidade. 

A agência de classificação de risco norte-americana Fitch rebaixou também o rating da Oi e da Portugal Telecom em um degrau, de "BBB-" para "BB+", tirando o grau de investimento das duas. O motivo foi o mesmo do rebaixamento do Banco Espírito Santo no mesmo dia por outra agência (a Standard & Poor's cortou o rating do BES em dois níveis, de "B+" para "B-"), o calote da Rioforte com a Portugal Telecom. Para a Fitch, a recuperação do valor investido na Rioforte é "incerto".

Oi voltou ainda para a lista de creditwatch negativa da Standard & Poor's, devido à possibilidade da Portugal Telecom perder os investimentos. A Oi havia saído da lista em 26 de maio, sob a crença de que a fusão com a portuguesa seria favorável.

Entenda o caso

A Oi passa por um processo de fusão com a Portugal Telecom e foi surpreendida, pelo menos publicamente, com a notícia de que a portuguesa havia aplicado 897 milhões de euros na Rioforte, cujo grupo passa por graves dificuldades financeiras. O volume aplicado corresponde a quase metade do valor da Portugal Telecom. A possibilidade de calote, que acabou se concretizando, afetou o processo de fusão, que agora pode ser concluído apenas em 2015, em vez de outubro deste ano. A situação pode ainda criar problemas para os acionistas minoritários da brasileira.

Com o calote, no dia 15 de julho, a PT e a Oi firmaram bases de um acordo para dar prosseguimento à fusão, em que a PT recebe da Oi a dívida da Rioforte, em contrapartida da entrega das ações do capital da Oi para a mesma. Com isso, a PT assume toda a responsabilidade pelo não pagamento da dívida e fica com uma parcela menor na futura CorpCo, 25,6% no lugar dos 37% previstos. A Portugal Telecom terá um prazo de até seis anos para recomprar as ações da Oi.

Os 847 milhões de euros seriam revertidos à Oi pela Portugal Telecom por meio de ações da brasileira, em valor equivalente - 474,3 milhões de ações ordinárias e 948,7 milhões de preferenciais, que correspondem a 16,6% do capital votante e 16,6% do total da Oi. O acordo, no entanto, ainda depende de aprovação da assembleia geral de acionistas da Portugal Telecom, que será realizada no dia 8 de setembro, da Telemar Participações (CorpCo), e do conselho de administração da Oi, além do aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A Oi, que vinha lutando para melhorar sua imagem, se viu envolvida em mais um caso negativo. A oferta pública de ações, uma das etapas da fusão, realizada em abril, foi registrada no Brasil e nos Estados Unidos, e especula-se no mercado que, se a aplicação da Portugal Telecom na Rioforte fosse conhecida no período, a capitalização nem teria sido realizada. Na ocasião, foram movimentados R$ 13,95 bilhões, R$ 5,71 bilhões de ativos da PT e a grande maioria do exterior, principalmente de fundos americanos e europeus, que podem tentar interferir no processo de fusão. A BNDESpar, por exemplo, ficou com 4,25% do capital social da Oi S.A. na oferta de ações.

A BNDESpar passou a deter 4,25% do capital social da Oi S.A. e 5,45% do capital da Telemar Participações S.A. com a Oferta Pública de Ações da Oi realizada em abril. No mês anterior, respondia por uma participação acionária de 1,28% na Oi S.A. e 13,07% na Telemar Participações S.A.

O BNDES, principal estatal acionista da Oi, já emprestou R$ 6 bilhões à empresa brasileira. O banco anunciou em nota, antes do acordo entre Oi e PT, que as operações são inconsistentes, "com padrões mínimos de governança corporativa", e ressaltou a necessidade de preservação dos interesses dos acionistas da Oi. 

Desde 1999, a BNDESpar aportou, aproximadamente, R$ 6 bilhões em empresas do grupo Oi, dentre as quais a holding Telemar Participações S.A., a Brasil Telecom Participações S.A. e a Telemar Norte Leste S.A.. Neste período, retornaram à BNDESpar, aproximadamente, R$ 8 bilhões, entre recebimento de dividendos, juros, resgates programados e antecipados e alienações, restando um saldo de R$ 1,274 bilhão em debêntures e participações acionárias. O BNDES informa que os empréstimos era voltados a aplicações como apoio ao plano de investimentos e exercício de direito de preferência, apoio à reorganização e simplificação societária do grupo (fusão Brasil Telecom), entre outras finalidades.  

Quando a aplicação de 897 milhões de euros da Portugal Telecom na Rioforte veio à tona, a Oi alegou que não havia sido informada. Representantes da Oi no Conselho da portuguesa renunciaram ao cargo, entre eles Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, e Fernando Magalhães, da Jereissati Participações. Um deles era indicação do grupo La Fonte, ex-Citi e ex-jornal O Dia, e outro era indicação do grupo Andrade Gutierrez, antigo funcionário que era o elemento de ligação da Telemar na fusão com a Brasil Telecom. 

Nas últimas semanas, o Grupo Espírito Santo tomou o centro das atenções no mercado e vários problemas foram revelados, assim como as mudanças na sua gestão, com a saída do líder histórico do banco, Ricardo Salgado.

Samy Dana, professor da FGV-SP, destacou em outra ocasião para o Jornal do Brasil que é difícil saber o que aconteceu de fato, se a Oi soube ou não da aplicação anteriormente, mas que, "de um jeito ou de outro", pode-se dizer que é preciso melhorar a governança da brasileira. "Eu acho que isso quebra a imagem da Oi para um mercado que não é tão forte. Precisaria ter um monitoramento melhor não só das empresas mas também por parte do órgão regulador." Para o professor, o caso "improvável" dificultava as negociações e o futuro das empresas.

Luiz Carlos Prado, professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembrou para oJB que a fusão prometia melhorar a situação financeira da Oi e alavancar a PT. "Para a continuidade da operação, a participação da Portugal Telecom vai se reduzir. Isso envolve problemas junto a comissões de valores mobiliários e movimentos por parte de outros acionistas da Portugal Telecom, que terão prejuízos por conta da Oi. Quanto à perspectiva da condição creditícia da Oi, que se esperava que iria melhorar, tudo isso criou uma sinalização ruim, uma turbulência numa operação que estava indo muito bem, gerando incerteza sobre os próximos passos."

Com a cobrança das instituições bancárias europeias, as empresas brasileiras sofrerão a saída do grupo Telefónica da Portugal Telecom, o que é o começo de uma saída estratégica do grupo espanhol e das empresas que estão com os seus endividamentos elevados. A Telefónica, segundo fontes ligadas ao setor, deve investir em outros países, entre eles Espanha, Brasil e outros três ou quatro países.

O Grupo Espírito Santo, de acordo com informações de seu website, desenvolve atividades financeiras no Brasil, direta ou indiretamente, desde 1976, dois anos após a Revolução dos Cravos que derrubou o regime salazarista em Portugal. Na época, os acionistas viraram alvo de perseguição, o banco foi nacionalizado e os principais sócios deixaram Portugal. Iniciaram, então, atividades financeiras no Brasil, na Suíça, na França e nos Estados Unidos, com destaque para a multiplicação dos negócios em terras brasileiras. Informações dão conta de que eles se associaram a grupos brasileiros, participando de operações ilícitas e causando grandes prejuízos. A família retomou o Banco Espírito Santo posteriormente.

O processo de internacionalização da Portugal Telecom, iniciado em 1997, esbarra com o mercado brasileiro de telecomunicações em 1998, com a aquisição de importantes entidades, como a Telesp Celular, Telesp Fixa e a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Uma das etapas de privatização no Brasil aconteceu no governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo como marco a aprovação da Lei de Concessões, em fevereiro de 1995. O objetivo era criar regras gerais para o governo conceder a terceiros o direito de explorar a produção de serviços públicos, a exemplo do setor de geração de energia elétrica e de telecomunicações. A privatização dessas áreas exigiu um esquema complexo de regulação, para alcançar a maior competição do setor, na promessa de eliminação do monopólio público. A maioria dos compromissos de investimento feitos pela Portugal Telecom na época ainda estão no papel.