ASSINE
search button

Síntese da conjuntura - 20 anos do Plano Real

Compartilhar

A Confederação Nacional do Comércio (CNC), em seu boletim “Síntese da Conjuntura”, elaborado pelo economista e ex-ministro do Planejamento, Ernane Galvêas, faz as análises do atual cenário econômico. Veja abaixo a publicação desta terça-feira (15/7):

Quando a hiperinflação tomou conta da economia nacional, fustigada pela inércia do sistema de indexação, e subiu mais de 80% no mês de março/90, chegando a 2.700% no ano 1973, os Governos Sarney, Collor e FHC recorreram ao congelamento de preços, salários e contratos. Foi assim nos vários Planos: Cruzado, Verão e Bresser, até a retenção temporária dos ativos monetários, no Plano Collor I e II. Os resultados foram praticamente nulos, pois ao cabo de algum tempo a inflação reprimida e o déficit fiscal voltaram com mais força.

Em 1994, veio o Plano Real com a mesma sistemática do congelamento geral dos preços, porém, com uma imaginosa e providencial medida para apagar os resíduos e a memória inflacionária, promovendo a correção monetária de todos os preços e contratos diariamente, através do artifício de um novo denominador dos índices de preços, a URV, de tal forma que quando se implantou a nova moeda – o Real, em julho de 1994 – praticamente, não havia resíduos inflacionários a corrigir. As expectativas que ainda restaram como fontes de pressões inflacionárias foram tratadas à base da valorização da taxa de câmbio, que represou os preços dos produtos importados.

Assim, a política cambial ajudou artificialmente a contenção dos preços, embora pagando o alto custo do desequilíbrio do balanço de pagamentos, com sérios problemas de caixa, que obrigaram o Governo a recorrer à ajuda do FMI.

O País estava curado da hiperinflação degradante, mas perdeu impulso no crescimento econômico. Em 2001 e 2002 (FHC) e 2003 (Lula), o PIB nacional cresceu em média apenas 1,7%.

De 1970 a 1993, a carga tributária girou em torno de 25%. Subiu a partir de 1994, chegando a 34,1% em 2001 e 35,84% em 2002. Foi a pior herança passada ao Governo Lula.

OS JUROS E A INFLAÇÃO

De acordo com a melhor teoria econômica, a expansão do volume da moeda e do crédito a uma taxa superior à da produção de bens e serviços constitui um dos fatores básicos da elevação dos preços (inflação).

De outro modo, a elevação da taxa de juros tende a reduzir a demanda agregada, tanto para consumo, como para investimentos, por razões óbvias. Logo, a elevação da taxa de juros é elemento eficaz na contenção do processo inflacionário.

É preciso considerar, entretanto, que há duas fontes de expansão do crédito: dos bancos privados e dos bancos públicos. Os primeiros vêm expandindo seus empréstimos a uma taxa moderada da ordem de 6% a.a. e, portanto, não podem ser responsabilizados pela inflação atual; os segundos, os bancos públicos, por orientação do Governo, registram expansão acima de 20% a.a., o que é certamente inflacionário. Ademais, a taxa de juros básica do Banco Central (SELIC) não afeta os juros do BNDES ou Caixa Econômica, assim como a sua elevação não tem sentido para refrear os bancos privados.

É por essas razões que nós questionamos a eficácia da ação do Banco Central sobre a inflação, na conjuntura atual. A prioridade, no momento, deveria ser a utilização da política fiscal, ou mais precisamente, de contenção dos gastos do governo. O resto é discutível.

A QUESTÃO AMBIENTAL

Ainda existe uma grande controvérsia, nos meios científicos, sobre a tese do aquecimento global, no quadro das mudanças climáticas seculares. E existem cientistas de elevado nível que afirmam o contrário, ou seja, o clima da Terra está esfriando, no contexto de um ciclo de longa duração intimamente ligado às variações nas irradiações nucleares do Sol.

Segundo o especialista Haroldo Mattos de Lemos, professor da UFRJ, “O aquecimento global ainda não é uma unanimidade no meio científico, mas está chegando cada vez mais perto disso. Semana passada, a NASA informou que maio foi o mês mais quente desde 1880. Há anos, cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam que, em virtude do aquecimento global, os eventos climáticos extremos — chuvas mais intensas, secas mais prolongadas — devem se tornar cada vez mais intensos e mais frequentes. É exatamente o que está acontecendo, inclusive aqui no Brasil.”.

De um modo geral, ainda que se possa aceitar a tese do IPCC/ONU, em princípio, não tem cabimento desconsiderar a posição dos chamados cientistas céticos, que refutam a conclusão de que o gás carbônico (CO2), derivado do consumo principalmente do petróleo, é o responsável pelo efeito estufa que promove o aquecimento global.

A tese dos céticos parece irrefutável: o gás carbônico participa com apenas 0,039% na composição da estrutura da atmosfera. Não tem cabimento, portanto, a responsabilidade que lhe pretende atribuir o IPCC.

O grau de correlação CO2/efeito estufa pode ser uma falácia, pois é bem provável que a direção da correlação seja a inversa, conforme defendem os cientistas contrários ás conclusões do IPCC.

Não há, pois, razão para nos apegarmos a uma só tese dogmática. É importante abrir espaço para a controvérsia, principalmente quando há evidentes interesses financeiros em jogo.

ATIVIDADES ECONÔMICAS

A economia brasileira continua perdendo força, com o PIB nacional caminhando para uma alta de 1% em 2014, cercado de um clima de incertezas em todos os setores. Registra-se ligeira recuperação na área externa, com expansão de 17% das exportações, na primeira semana de julho, com queda de 25,4% das importações. A crise de água se agrava e, embora tenha chovido em 10 dias de julho mais do que em todo o mês de junho, o volume de água na reserva da Cantareira continua reduzindo.

Setorialmente, também as contas externas estão estagnadas e não ajudam a evolução do PIB, a indústria em recessão, o comércio em ritmo reduzido. Os elevados custos das campanhas políticas podem dar algum impulso ao setor comércio-serviços, mas não muito. Mas podem agravar a inflação, que já vem pressionada pelos reajustes dos combustíveis, da energia elétrica e dos transportes urbanos. O Governo está tentando acelerar as obras públicas, sem maiores efeitos sobre as atividades econômicas.

Pelo contrário, estão sendo agravadas as expectativas em relação ao consumo e investimentos.

A renda de grande parte dosconsumidores está comprometida pelas prestações dos financiamentos para aquisição da casa própria e, em menor escala pela aquisição de utensílios domésticos e automóveis. Segundo Carlos Kawal, economista-chefe do Banco Safra, os fatores que alimentaram o consumo nos últimos anos – crédito e renda – perderam fôlego, indicando o esgotamento do modelo que vinha sustentando a economia brasileira.

A expedição de papelão caiu 1,5% e a de aço -4,3%. O consumo de energia, no acumulado até maio, aumentou 4,4%, mas a indústria registrou queda de 1%. O volume do varejo ampliado, nos últimos 12 meses até abril, cresceu apenas 2,8%, comparado com 8% de 2013.

A inadimplência subiu 2,8% no 1º semestre (SCPC) e alcançou 9,8% em junho, com redução de 8% para 7,8% no percentual de famílias sem condições de pagar suas dívidas (CNC). O índice de confiança empresarial caiu 3,9% (FGV).

Indústria

A produção industrial vem caindo, nos últimos meses. Em maio, caiu 0,6% sobre abril e -3,2% em comparação com maio/13, resultado fortemente influenciado pelo setor automobilístico, com recuo de -7,56% no 1º semestre (Fenabrave). A produção de bens de capital caiu 2,6% em maio, ante abril. O índice de utilização da capacidade industrial instalada caiu de 80,9 em abril para 80,7 em maio. Segundo a CNI, o quadro atual da indústria é desolador.

Em abril, a produção da indústria têxtil encolheu 11,8% e a de vestuário 6,7%, comparada com abril/13. Entre janeiro e maio, o setor criou 17.413 postos de trabalho, contra 27.890 no mesmo período do ano passado.

Diante da crise, o Governo decidiu manter até dezembro a redução do IPI, que beneficia a indústria mobiliária e a automobilística.

A produção de petróleo e gás natural no Brasil, em maio, atingiu 2,721 milhões de barris/dia, alta de 2% sobre abril e +10,4% comparada a maio/13.

Comércio

O movimento do comércio varejista caiu 3,2% em junho, ante maio, acumulando no 1º semestre alta de 3,6%, segundo a Serasa. Registra-se estabilidade, no mês, no setor de tecidos, vestuário e calçados, com queda nos demais setores, sendo -13,1% em materiais de construção, -12,3% em combustíveis e lubrificantes, -6,4% no setor automobilístico, -4,2% nos supermercados e -3,0% em móveis e eletroeletrônicos. No acumulado do semestre, houve queda de 3,6%, puxada pelos supermercados, alimentos e bebidas.

No Rio de Janeiro, as vendas em maio subiram 6,25%, ante maio/13 (CDL-Rio). As vendas a prazo caíram 3,75% (CNDL). No Espírito Santo, as expectativas de expansão do comércio caíram de 138,1 em abril para 130,7 em maio (Fecomércio-ES).

O número de famílias endividadas caiu 0,2 ponto percentual em junho, ante maio (CNC). O índice de confiança do comércio recuou 6,4% no segundo trimestre, em relação ao mesmo período do ano anterior (FGV).

Agricultura

Segundo o IBGE, a safra de grãos em 2014 deverá atingir 192,5 milhões de toneladas, 2,3% acima da safra anterior. A área plantada chegou a 56,3 milhões de hectares, com alta de 6,6%. A Conab tem previsão ligeiramente superior, 193,87 milhões de toneladas. Houve alta na produção de soja, trigo e algodão, e queda em milho. A redução de ritmo na agricultura levou a um recuo de 26% na comercialização de colheitadeiras.

As chuvas fortes continuam castigando a Região Sul. Em Santa Catarina, chega a 45 mil o número de pessoas desalojadas e 37 municípios já declararam estado de emergência. No Rio Grande do Sul, 62 municípios foram atingidos pelas chuvas e 7.765 mil pessoas tiveram que deixar suas casas.

Mercado de Trabalho

A taxa de desemprego no Brasil é uma das mais baixas do mundo, mas o mercado de trabalho está encolhendo e, em maio, criou apenas 59 mil vagas, o menor resultado em 22 anos. Em comparação com maio/13, o contingente de trabalhadores na indústria caiu 28 mil (-2,6%) e no comércio 01 mil, com elevação de 3 mil na construção civil e 41 mil em serviços; na agropecuária, houve contratações de 44 mil, o que se deve à colheita de café.

Setor Financeiro

Os fundos de investimento registraram captação líquida de R$1,9 bilhão no 1º semestre, o menor resultado desde 2002. Os fundos de renda fixa tiveram resgate de R$23,8 bilhões. A captação líquida nas cadernetas de poupança caiu 66% (!), o pior resultado desde 2011, o que se deve ao baixo rendimento e ao elevado índice de endividamento. O crédito para compra de veículos caiu pelo 17º mês consecutivo.

Inflação

Os índices de inflação tiveram queda acentuada em maio e junho, tanto no varejo como no atacado. O IPCA/IBGE registrou alta de 0,40% em junho, acumulando em 12 meses 6,52%; em compensação, o IGP-DI/FGV caiu 0,45% em maio e 0,63% em junho, o mesmo que o IGP-M/FGV, com quedas de 0,13% e 0,74% nos dois últimos meses. O índice de preços ao produtor (IPA) caiu 1,21%, devido à queda de 2,97% nos preços agropecuários do atacado.

Para o mês de julho, espera-se uma pressão de baixa vinda da maior oferta de produtos agrícolas, porém, em sentido contrário, teremos forte alta nas tarifas de energia elétrica em São Paulo (+18%), Porto Alegre (+23%) e Curitiba, principalmente.

Setor Público

O setor público continua sendo o fator mais negativo da política econômica. Apesar da crescente carga tributária, o Governo não consegue nem mesmo economizar o suficiente para pagar os juros da dívida pública. Essa é a fonte de maior preocupação do mercado.

As medidas recentemente adotadas pelo Governo não alteram o clima de incertezas. A extensão do desconto do IPI para a indústria automobilística não surtiu maior efeito. A decisão de tornar permanente a sistemática de transferência dos encargos previdenciários patronais da folha de pagamentos para o faturamento, além de ser um ônus para o RGP é uma clara distorção do ponto de vista da garantia da aposentadoria para os trabalhadores associados.

O que o sistema empresarial deseja e espera é a redução da pesada carga tributária e a simplificação do sistema fiscal, sobrecarregado da mais odiosa burocracia.

O setor energético permanece conturbado, as tarifas descontroladas, variando de R$ 100 a R$ 822,00/ MWh. A falta de chuvas do Sudeste agrava o problema.

Setor Externo

Em junho, a balança comercial teve uma ligeira melhoria, com o valor estabilizado das exportações e queda de 10% nas importações, produzindo um superávit de US$ 2,4 bilhões. No ano, o déficit foi reduzido para US$ 2,49 bilhões. No 1º semestre, as exportações de café atingiram o recorde de 17,5 milhões de sacas, 16% superior ao mesmo período de 2013. A exportação do complexo soja atingiu US$ 20 bilhões (+17%).

O acionamento recorde das termoelétricas movidas a gás está sobrecarregando o déficit da contapetróleo, que até maio atingiu US$7,1 bilhões.

No semestre, a entrada de dólares recuou 64%, obrigando a um esforço maior do Banco Central para manter a taxa de câmbio em torno de R$2,22/US$. No âmbito internacional, as relações políticas e diplomáticas do Brasil com os Estados Unidos estão no nível mais baixo das últimas décadas, segundo o embaixador Rubens Barbosa.

Os BRICS, inclusive o Brasil, estão reunidos em Fortaleza, com o objetivo de criar entre eles um banco de desenvolvimento, do tipo do Banco Mundial, e um mecanismo de proteção cambial, do tipo do FMI. A nosso ver, uma “presepada” burocrática, dispendiosa e desnecessária.

Os Estados Unidos continuam saindo da crise, lentamente. Em junho, foram criados 288 mil empregos e a taxa de desemprego caiu para 6,1%. A partir de outubro, o FED vai encerrar o Programa QE, de compra de ativos dos bancos americanos.

Na Europa, destaca-se o recuo de 1,8% na produção industrial alemã, em maio, com queda de 1,7% na indústria francesa e crescimento de 2,3% na Inglaterra. Uma notícia negativa sobre o Banco Espírito Santo, de Portugal, prejudicou a Portugal Telecom e a Oi, derrubando as cotações em várias Bolsas europeias. O problema já foi superado. De outro lado, o BNP Paribas, o maior banco francês, vai pagar multa de US$ 9 bilhões, por violar sanções nos Estados Unidos.

Na Ásia, o destaque foi para a China, cujas exportações cresceram 7,2% e as importações 5,5%, deixando um saldo comercial de US$ 31,6 bilhões, em junho.