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Família Guinle recorre à Justiça para retomar área do aeroporto de Cumbica

Notificação é dirigida à União, à Anac, à concessionária e suas empresas

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O escritório Andrade Maia Advogados protocolou ontem (05/11), na Vara Federal da Justiça Federal de Guarulhos, notificação judicial que alerta para o descumprimento dos termos previstos na doação de terra onde, atualmente, está localizado o Aeroporto Internacional de Guarulhos (Cumbica), em São Paulo. A doação da área foi realizada em 1940 pelas famílias Guinle e Samuel Ribeiro, pela Empreza Agricola Mavillis, sociedade entre ambas. 

“Com a doação, as famílias visavam oferecer um benefício à sociedade brasileira permitindo que, na área doada, fosse construído um aeródromo militar sob a jurisdição do então Ministério da Guerra. A intenção era a de ampliar e reforçar o sistema de defesa brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial”, conta Fabio Goldschmidt, sócio-diretor na Andrade Maia Advogados, escritório contratado para defender os direitos dos herdeiros. Para garantir a efetividade do objetivo proposto no ato da doação foi realizada a "doação modal" – que condiciona sua manutenção ao cumprimento das condições previstas.

A notificação é encabeçada por herdeiros da família Guinle - José Eduardo Guinle, Luiz Eduardo Guinle, Octávio Eduardo Guinle, Georgiana Salles Pinto Guinle e Gabriel Guinle. É dirigida à União, à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), à concessionária privada responsável pela gestão do Aeroporto Internacional de São Paulo, e, individualmente, às empresas que compõem a concessionária: Infraero, Investimentos e Participações em Infraestrutura S.A. (Invepar) e Airports Company South Africa (ACSA). Além destes, são também notificados os sócios da Invepar: Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), OAS Investimentos S. A, Construtora OAS S.A, OAS S.A., Fundação dos Economiários Federais (Funcef), e Caixa de Investimento dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).

Os herdeiros entendem que houve o descumprimento das condições impostas no momento da doação. O objetivo da notificação então é prevenir responsabilidades e estabelecer um diálogo entre as partes envolvidas. “Claro que o terreno que abriga o Aeroporto de Cumbica vale bilhões, mas por não conter a notificação um valor líquido, preferimos, neste momento, não estabelecer um valor para eventual demanda”, acrescenta Goldschmidt.

Caso a notificação não seja atendida, os herdeiros pretendem entrar com ação judicial contra as notificadas, eventualmente acompanhada de pedidos liminares.

Para entender o contexto da notificação:

A partir da criação da Anac, em 1985, a Infraero, até então subordinada aos órgãos do Ministério da Defesa, passou a ser fiscalizada pela referida autarquia. Ainda havia, neste momento, um vínculo entre Anac e Ministério da Defesa, o que atendia a um dos objetivos da doação – que transferiu o terreno para a defesa do país.

O cenário começou a mudar em março de 2011, quando o Governo Federal criou a Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, com status de Ministério. O Ministério da Defesa permaneceu como responsável para as questões relativas à aviação militar, e a Secretaria passou a cuidar da aviação civil. Sob sua administração ficaram os bens e a jurisdição de todos os aeroportos civis e comerciais do país, entre eles o Aeroporto de Guarulhos.

“Conforme verificamos”, explica Fabio Goldschmidt, “houve quebra de uma das condições da doação: a que exigia a manutenção das terras sob a jurisdição do Ministério da Guerra, ou aquele que lhe sucedesse como responsável pela segurança nacional, atualmente o Ministério da Defesa”. Entretanto, ainda assim, continuava sob a tutela da administração pública federal, e os frutos da exploração revertiam em favor do povo, via empresa pública de capital integralmente do Estado.

Porém, em leilão realizado em fevereiro de 2012, o controle, administração e exploração comercial do Aeroporto de Guarulhos foram concedidos a terceiros particulares, em consórcio formado por empresas privadas, inclusive estrangeiras. “Isso significa que, ao invés de a exploração do aeroporto atender diretamente ao interesse do povo brasileiro e da defesa nacional, a área foi entregue a empresas para exploração econômica, com o objetivo de lucro em favor de empresas privadas, em vez da sociedade brasileira, como condicionaram os doadores em instrumento público”, comenta o advogado. O imóvel, que possuía por finalidade exclusiva a segurança nacional, foi posto a serviço de interesses privados, sem permanecer sob a jurisdição do Ministério da Defesa.

O direito de explorar o Aeroporto de Guarulhos pelo prazo de vinte anos, prorrogáveis por mais cinco anos, foi concedido à Sociedade com Propósito Específico (SPE) formada pela empresa brasileira Invepar e pela sul-africana Airports Company South Africa – ACSA, detendo essas 51% do controle do aeroporto, passando a ser sua efetiva e real administradora e exploradora. “A concessão, de fato, deturpou a finalidade expressa da doação, convertendo um patrimônio doado para benefício do povo em objeto de exploração econômica por particulares e, principalmente, sob a jurisdição de Secretaria que não detém qualquer competência em matéria de defesa e segurança nacional”, enfatiza o advogado.

“Desse modo, a partir da assinatura do contrato de concessão foram descumpridos não apenas a incumbência expressamente prevista no documento firmado em 1940, como, especialmente, o seu propósito maior que era o de beneficiar o povo brasileiro, havendo a quebra absoluta das condições da doação”, conclui Goldschmidt. “Essa situação adversa motivou os herdeiros a nos procurar para reaver, junto à Justiça, o que lhes cabe por direito”. Segundo ele, a notificação é o primeiro passo para resolver a situação sem que haja necessidade de entrar com uma ação judicial.