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Especialistas apontam "exagero" no boletim Focus

Existe um consenso entre analistas de que é necessária uma maior atividade produtiva no país

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O mercado elevou nesta segunda-feira (11) as expectativas para a inflação, de 5,7% para 5,82%, e para a taxa básica de juros (Selic), de 7,25% para 8%, apesar de ela ter sido mantida no atual patamar de 7,25% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Para especialistas, o boletim Focus exagerou nas projeções e há consenso de que é necessária maior atividade produtiva. 

O boletim, que é divulgado semanalmente e reúne as expectativas de mais de 100 instituições, vinha mantendo suas expectativas iguais à taxa de juros do BC há 16 semanas. Alguns analistas entenderam que o comunicado enviado junto da decisão do Copom da última semana seria uma sinalização de que a autoridade financeira poderia alterar os juros praticados no país. 

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"Exagero"

Economista chefe da corretora Gradual Investimentos, André Perfeito considera que a projeção do boletim Focus foi impactada pelo anúncio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro, que cresceu 0,6% frente ao 0,5% esperado. "Acho que houve um pouco de exagero por parte do mercado. Não se calculou, por exemplo, os efeitos da redução dos tributos dos itens da cesta básica mais claramente", afirmou, referindo-se à medida anunciada pela presidente Dilma Rousseff na última sexta-feira (8). 

Segundo ele, também não se levou em consideração a supersafra de alimentos, como o milho e a soja, esperada para os primeiros meses deste ano, que deve diminuir substancialmente os preços da alimentação - um dos fatores preponderantes na oscilação da inflação. Estes grãos também servem como ingredientes para a ração de aves, suínos e bovinos e contribuem de forma decisiva no aumento dos preços desses produtos. 

Projeções otimistas

André Perfeito criticou a previsão do mercado para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, de 3,1%, considerando-a "descabida": 

"A indústria subiu 2,5% em janeiro, mas foi puxada pela produção de caminhões. No acumulado de 12 meses, o setor industrial tem queda de 2%. Não vejo ainda esse dado como suficiente para sustentar tal projeção de crescimento do PIB", destacou o economista.

De acordo com seus cálculos, para o Brasil crescer 3,1% em 2013, seria necessário um avanço de 0,95% do PIB por trimestre, número superior ao resultado consolidado do ano passado, de 0,9%. "Essa expectativa é quase 170% superior à média do crescimento do PIB trimestral nos últimos dois anos. É uma hipótese descabida. Projeto um crescimento em torno de 2,1%", estimou.

Além disso, Perfeito apontou que é cedo para se pensar numa alteração da Selic, especialmente porque os dados da atividade produtiva no país não são animadores. 

O professor de economia da Unicamp, Pedro Paulo Bastos, explicou que a inflação é resultado da alteração estrutural da distribuição de renda "em direção ao setor de serviços (inclusive com salários melhores) e/ou de pressões localizadas de custos", e não do excesso de demanda. Segundo ele, é necessário aumentar o investimento como forma de deter a inflação associada à pouca oferta. 

"A reação deve envolver incentivo localizado à ampliação da oferta e/ou restrição localizada do crédito com controles quantitativos e não por meio da elevação da Selic, cujos efeitos são generalizados e podem inibir a ampliação da oferta por meio do investimento", afirmou o economista.

"Inocência" e o "Lucro Brasil"

Samy Dana, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, corrobora a opinião e considera que uma possível alta da Selic seria ineficaz para deter o avanço dos preços, porque as duas modalidades mais utilizadas para o consumo (cartão de crédito e cheque especial) permanecem com taxas de juros anuais superiores a 200%. "Acho uma inocência acreditar que aumentar a Selic deterá a inflação. Os problemas não estão na demanda, mas na oferta", apontou.

Dana ainda acrescentou que o Custo Brasil, conjunto de fatores que encarecem os preços brasileiros, realmente influencia nos valores praticados em nosso mercado, mas destacou o que classifica como "Lucro Brasil":

"Muitos setores operam com lucros exorbitantes. Nossos carros, mesmo sem os impostos, são os mais caros do mundo. A telefonia é cara, a logística em todas as áreas é deficiente, além da educação. Tudo isso deságua no Custo Brasil, mas também existe o Lucro Brasil, cujo exemplo emblemático é o preço do iPhone, que custa duas vezes mais do que nos Estados Unidos. O governo também precisa combater isso", reforçou Dana. 

Selic e a inflação

O professor de finanças do Ibmec, Ruy Quintans, argumentou que o fato de o desemprego não ter acompanhado o ritmo de queda do crescimento do PIB traz uma perspectiva de crescimento problemática. Isto porque a manutenção dos postos de trabalho pressiona a renda e os preços. Ele acredita que a Selic terá de subir para manter a inflação no atual patamar, e aposta, inclusive, numa alta superior ao do boletim Focus. 

"Tem que investir em produtividade. Para isso, é preciso investir em pessoas e tecnologia. O governo está pensando em taxa de crescimento como uma questão eleitoral, quando dá ênfase somente no investimento. Não temos investimentos para o crescimento do PIB ficar acima dos 3%, 4%. Assim a inflação baterá a meta", concluiu Quintans.