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Apesar de redução, taxas de juros dos cartões permanecem "extorsivas"

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A corrida pela redução da taxa de juros dos cartões de crédito está aberta no Brasil. Após o Bradesco, maior instituição financeira privada do país, ter anunciado corte, à metade, da taxa mínima por atraso no pagamento da fatura - de 14,9% para 6,9% -, os concorrentes HSBC e Santander já estudam possibilidade de redução, sem detalharem seus planos. Os especialistas, no entanto, afirmam que as taxas permanecem muito altas.

O país concentra as maiores taxas de juros do mundo. Pesquisa da Associação de consumidores Proteste revelou que o índice brasileiro chega anualmente a 238,3%. O segundo colocado, o Peru, tem taxa de 55%, seguido de Chile, 54,25%, Argentina, 50% e México, 33,8%. No Reino Unido e nos Estados Unidos, a taxa anual de juros do cartão de crédito é de 18,7% e 16,89%, respectivamente. 

Segundo a professora de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maria Beatriz David, o Banco Central (BC) não entende que essa modalidade esteja no seu âmbito de decisão, por isso, nunca regulamentou as taxas do cartão de crédito. Ela considera que a redução dos juros é “muito mais difícil pelas vias normais, e tem que ser feita pela concorrência”.

Apesar do corte, a especialista é enfática ao afirmar que a taxa permanece “extorsiva” quando comparada à taxa básica de juros do país (Selic), indexada em 7,5%. “As taxas de juros do cartão de crédito continuam enormes. Mesmo reduzindo à metade, é mais do que o triplo do que a taxa de juros do crédito pessoal. Isso tinha que ser feito há muito tempo”, destaca.

Maria Beatriz concorda que a redução pode estimular o consumo, mas adverte: “quem se endividar, continua se endividando com uma taxa muito alta”.

Pouco volume

Alberto Matias, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), argumenta que o Brasil tem altas taxas de juros e baixos volumes operados em crédito. Segundo ele, o sistema econômico brasileiro não tem escala. “No Brasil, os volumes operados em crédito estão em 51% sobre o Produto Interno Bruto (PIB), nos países desenvolvidos essa taxa é próxima a 200%”, diz.

O economista ressalta que, "em um cartão de crédito para estudantes, por exemplo, o limite fica em torno de R$ 300 a R$ 500. Nos Estados Unidos, esse limite é, em média, de US$ 2.500. Os custos para a administradora são similares, quem toma o dinheiro que arcar com o custo".

Matias lembra que, na sexta-feira (21), o BC flexibilizou recolhimentos dos depósitos compulsórios, liberando R$ 30 bilhões para o sistema bancário. Com isso, analisa, a economia ganha maior liquidez e os bancos precisam aplicar esse recurso.

Histórico   

O professor traçou um histórico de como a taxa de juros dos cartões de crédito – e de todas as operações em geral – atingiu níveis tão altos no Brasil. De acordo com ele, antes do Plano Real os bancos se capitalizavam através de floating. “A taxa média de inflação era de 30%, às vezes sendo maior do que 80%. Por isso, a grande parcela de receita dos bancos era a inflação, em cima de recursos flutuantes”. 

Dessa forma, quando o Plano Real trocou a cobertura do déficit do governo com emissão de dinheiro para emissão de dívida, as instituições financeiras perderam sua principal fonte de receita. “O governo passou a ter que oferecer uma taxa muito alta de juros para compensar essas perdas”, avalia. “Essa taxa de juros forçou o governo a elevar a arrecadação, com aumento de impostos. Agora, com o corte dos juros, reduz a necessidade do governo dessa receita tão alta. Por isso, ele pode desonerar alguns setores, como tem feito. Os brasileiros pagam quase R$ 200 bilhões de juros por ano”. 

Futuro

Apesar da redução, o professor endossa a opinião de que as taxas permanecem completamente fora do padrão internacional. “Imagina se a taxa de juros daqui tivesse o padrão internacional, de 1% ao mês. O que faríamos? Compraríamos muito e fomentaríamos a produção. Oferta de crédito e desenvolvimento econômico estão intimamente ligados”, afirma.

De acordo com seus cálculos, no caso específico do Bradesco, que passa a praticar taxa mínima por atraso no pagamento da fatura de 6,9% mensais, a taxa anual atinge 122,7%. O número segue alarmante. "Essa taxa de juros é suicídio. Quem ficar dois meses no rotativo do cartão de crédito já está fora de controle".   

No entanto, é preciso cautela nesse processo. “Tem que ser de forma gradativa. Até por isso que a Selic deve parar de cair. Essa redução dos juros põe em xeque a viabilidade do sistema bancário brasileiro, que vive de tesouraria. O comércio brasileiro vive de ganho financeiro. A economia como um todo aprendeu a viver pelo ganho financeiro e não pelo ganho de produção ou de comercialização”.