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Laplane: novas medidas do governo vão alavancar economia em 2013

Economista argentino acha, porém, que faltam investimentos em inovação

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O crescimento de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrado em julho pelo Banco Central (BC) é um indicativo de que o país pode estar em escalada para uma recuperação ainda mais forte no próximo ano. As políticas de incentivo fiscal e as desonerações tributárias ajudaram a melhorar a situação econômica através do consumo, destravando os estoques das indústrias. Mas os ajustes ainda não possibilitaram uma recuperação forte frente à crise internacional. As medidas anunciadas pelo governo nos últimos dias, que pretendem incentivar o investimento em infra-estrutura, são fundamentais e deverão desempenhar papel essencial na alavancada econômica nacional em 2013.

Estas são algumas questões abordadas pelo economista argentino Mariano Francisco Laplane, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil. O especialista acredita que a queda no PIB brasileiro foi "muito maior que o esperado", mas está otimista em relação às medidas anunciadas pelo governo, apontando a queda na taxa de juros como essencial para que a economia consiga crescer. Ele alerta, porém, para um dos maiores desafios do país: o incentivo e investimento na inovação. "O governo tem um investimento em P&D compatível com o tamanho do país. Mas é preciso que a iniciativa privada também começe a inovar".

O economista critica ainda as políticas de austeridade na Europa que, segundo ele, "reproduzem o que houve de pior nas políticas econômicas da América Latina nos anos 80". Sociólogo e doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tendo passagens pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, e em Oxford, Laplane é membro da Rede Mercosul de Pesquisa Econômica, autor de diversas publicações e artigos sobre industrialização.

JB: Como o senhor classifica estas recentes medidas do governo, que pretendem incentivar o investimento em obras de infra-estrutura?

Laplane: Eu acho que são muito importantes, e seguramente estão na direção certa. A economia brasileira precisa, os resultados serão positivos. Desde o final do ano passado estamos sofrendo um impacto forte das condições da economia mundial. Parecia que o pior momento tinha ocorrido em 2009. Mas as expectativas pioraram, a recuperação americana não teve o vigor e o impulso que se imaginava. O cenário foi se transformando, ficou bem pior com as indas e vindas do mundo e acabou impactanto a economia brasileira, a economia mundial. Até a China cresceu menos do que se esperava.

Com a queda na demanda, a crise acaba afetando todo o comércio exterior de forma imediata, assim como o setor privado voltado à exportação. E além de todos esses impactos da crise internacional, houve uma desaceleração do mercado interno, que tem suas próprias raízes, não é só reflexo do externo. Estes investimentos não só vão acabar com gargalos de infra-estrutura que sofremos, neste caso, por exemplo, ampliando a malha rodoviária e ferroviária, como também melhora as condições de oferta e demanda. As medidas vão contribuir para que a economia cresça mais.

JB: O mercado interno funcionou nestes últimos anos como base para o crescimento do país e o senhor menciona uma desaceleração neste aspecto. Por quê? 

LP: O ciclo de consumo durou menos, porque ele se fez à base de crédito, de uma renda que não é real do consumidor. Existe um limite no nível de compras de uma família, chega uma hora em que as necessidades são supridas. Já comprou fogão, geladeira... Tem que curtir também as compras, né? (risos).

Mas há também a questão forte dos juros altos no Brasil. Este ciclo de consumo poderia ter sido mais longo se os juros não fossem tão elevados. As famílias acabaram se envidando muito com estas taxas, uma das maiores do mundo. Então, as pessoas estão acomodando a dívida em sua renda, postergando investimentos em outros coisas. 

Por este e outros motivos manter a taxa de juros baixa é importantíssimo. O governo tem agido bem para incentivar as demandas de consumo, crescimento com essas exonerações fiscais e incentivos tributários, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e fomento ao investimento. 

JB: Estes recentes investimentos feitos pelo governo surtirão efeito já este ano?

LP: Olha, o efeito dos investimentos é muito mais a longo prazo, para o segundo semestre do ano que vem. Até por que são obras de infra-estrutura que têm uma velocidade própria, demoram um pouco. Acho que agora o efeito é mais psicológico, no sentido das empresas verem que o governo tem agido, tem enfrentado o problema. Numa visão mais ampla mesmo, ver que tem investimento. Agora, os incentivos fiscais que aconteceram, as reduções tributárias, a queda da Selic e a desvalorização do real já estão tendo efeitos, revertendo a queda do PIB. A economia do país ainda terá crescimento abaixo do que fora planejado inicialmente pelo governo, mas essas medidas agiram sim e tiveram efeito no sentido de diminuir um pouco esta queda.

JB: Os investimentos anunciados pelo governo acontecerão através de parceria público-privada. O que você acha desta inovação?

LP: Acho que é uma solução intermediária entre os investimentos públicos e privados. No Brasil, comecamos a fazer algumas experiências neste sentido nos anos 90, mas poucas saíram do papel. Na época havia uma enorme instabilidade, mas acho que agora ela tem chance de vingar, de dar certo. Não é uma solução que possa ser aplicada em todo ou qualquer setor, talvez as rodovias e ferrovias possam ser adequadas. 

Há um problema sério com as obras de infra-estrutura no Brasil. Muitos delas são necessárias e, embora representem uma grande alavanca, não são suficientemente rentáveis, pelo menos aos olhos dos investidores privados, ou ainda porque a taxa de retorno é baixa ou incerta. Há uma enorme dificuldade para calcular a demanda a longo prazo ou qual será o nível de custo de operação. A única forma de atrair é diminuindo o risco, ou tornar o risco calculável. 

Eu acho que vale a pena tentar, nosso investimento publico é limitado e não suficiente para a demanda. A capacidade de execução é baixa, há muita burocracia, muitos entraves, alguns indispensáveis. Dificuldades deste tipo mostram a importância da gerência, para dar maior agilidade à capacidade de executar os projetos. Acho válida a experiência.

JB: Muitos economistas atestam a necessidade de se ampliar os investimentos na Europa, para retomar o crescimento. O senhor acredita que as medidas aplicadas no Brasil poderiam ser copiadas pelos europeus?

LP: A Europa está combatendo a crise com pacotes emergenciais, salvando governos com recursos do fundo europeu, injetando liquidez na economia, mas ao mesmo tempo em que promove programas de austeridade, corte de serviços públicos, redução de benefícios sociais, eliminação de empregos, isso tem um efeito muito negativo sobre as economias da Europa. Se por um lado se imagina que reduzindo gastos haverá uma melhora nas contas públicos, a redução de pessoal, por exemplo, deprime mais a economia. Austeridade pode ser um componente de reorientação de gastos públicos, mas é preciso carência para renovar a infra-estrutura em outras áreas, como na economia verde, nos investimentos que aumentem a sustentabilidade, por exemplo.

Concordo que as políticas incentivo ao investimento também deveriam ser aplicadas na Europa. Há um problema de apoio político da população alemã, que tem uma visão distorcida do que se passou. E acham que não têm culpa, mas quando você é parte do problema, não importa de quem é a culpa. As dívidas acumuladas por países como Portugal e Grécia vêm em parte dos créditos que os bancos alemãs ofereceram, não é porque os países do mediterrâneo são preguiçosos

Estas políticas europeias, na verdade, reproduzem algumas das piores politicas econômicas da America Latina dos ano 80. Demoramos 20 anos para digerir, perdemos duas décadas com coisas piores. Tivemos um problema de inflação, de um estado sem capacidade de investimento. 

JB: E qual o principal desafio hoje para o Brasil?

LP: A inovação é uma dimensão do desenvolvimento que não está tão fácil, pois são investimentos invisíveis, que as pessoas não vêem. Não são obras, estradas, embora tenham um efeito poderosíssimo sobre a competividade das empresas, da eficiência dos serviços.  Temos essa batalha por enfrentar e o governo tem aplicado recursos significativos. Construiu uma série de instrumentos sofisticados se comparados aos países desenvolvidos. Ou seja: já temos estes instrumentos, porém precisamos que o setor privado se engaje mais fortemente. O setor público investiu em P&D o proporcional ao tamanho da economia brasileira. 

É fácil entender por que a iniciativa privada ainda tem tanto receio de investir nesta área no Brasil. O país vem de duas décadas de instabilidade, começou a crescer com estabilidade há apenas 6 anos, essa timidez é compreensível, não há nada absurdo nela. Mas acho que este é um problema que precisamos vencer para termos melhores condições de competitividade e crescimento.