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Agências de classificação não têm capacidade técnica para avaliar países

Especialistas afirmam que a credibilidade das instituições está arranhada

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Até setembro de 2008, o tradicional banco norte-americano Lehman Brothers desfrutava de prestígio não só dos consumidores americanos como das agências de classificação, que têm entre suas funções avaliar os riscos de falência e o nível de confiabilidade para os investidores.

Minutos antes da quebra do banco, que desencadeou uma das maiores crises financeiras da história, a nota da instituição era de "alta confiabilidade" para as três principais agências do mundo: Moody's, Standard & Poor's, e Fitch Ratings. O mesmo aconteceu com a seguradora AIG, os bancos Bear Stearns, Fannie Mae e Fannie Mac, que também quebraram no mesmo ano.

A situação levou o Senado americano a investigar supostas "relações promíscuas" entre as agências e algumas outras instituições financeiras. Em maio deste ano, a Autoridade Europeia dos Mercados Financeiros (ESMA) também abriu investigação sobre os serviços prestados a investidores pelas três grandes. A intenção é verificar se as avaliações dos bancos são rigorosas e transparentes. 

Para o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), houve "conflito de interesses no caso da bolha americana, pois para eles era benéfico avaliar para cima os papéis 'podres' destes bancos", analisa. 

Desde então, a atuação das agências tem sido questionada, embora suas avaliações continuem a abalar o mercado financeiro. Em meio à maior crise da Zona do Euro, cada novo resultado mexe com os preços de títulos das dívidas, divisas e índices dos principais mercados. Em 2011, os Estados Unidos perderam a nota máxima de investimento pela primeira vez na história. O mesmo ocorreu com a Grécia, Portugal, Itália ou Irlanda, que se encontram atualmente sob supervisão financeira internacional. A Moody's ainda rebaixou a nota de 28 bancos espanhóis em 2012. 

Com as quedas, os mercados entraram em alvoroço e os índices das principais bolsas do mundo, assim como as ações das empresas, caíram acentuadamente. Apesar do desespero, porém, poucos países sofreram efetiva alta no preço dos seus títulos nacionais e alguns, como a Itália, conseguiram até reduzir estes valores. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos, que agora recomeçam trajetória de crescimento após meses em recessão. 

Estes fatores levaram diversos analistas a questionar as agências como "oráculos do mercado". "A credibilidade deles está bem arranhada, as agências têm agido muito mal", afirma Gala.

Incapacidade técnica

As agências de rating surgiram nos Estados Unidos no início do século passado, quando algumas empresas precisavam levantar mais recursos do que podiam pela proximidade com os credores. José Carlos Miranda, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que estas instituições não têm capacidade de avaliar os países, e apenas "reagem" a dados econômicos mais superficiais. 

"Elas não têm capacidade técnica nem conhecimento para avaliar países. Sempre tiveram expertise em dar rating para empresas, bancos, ao mercado privado em geral. Sabem lidar com risco de liquidez, crédito, mercado, etc. Estes riscos são somente uma parte do problema dos sistemas econômicos dos países, que lidam com tesouro, com títulos da divida pública e etc", afirma. 

Segundo o especialista, a avaliação destas agências para as dívidas públicas, ou seja, a capacidade dos países de "se pagar" prejudica a performance deles, pois o alvoroço do mercado acaba desestabilizando as nações. "A primeira coisa que tinha que ser feita: as empresas de rating não podem falar sobre a divida pública, pois não têm capacidade. Nenhuma delas", propõe. 

Paulo Gala endossa o discurso, mas acredita que depois do escândalo nos Estados Unidos, as agências melhoraram suas atuações. "O problema é que elas avaliam o que não deveriam avaliar. Com certeza têm capacidade técnica para certos assuntos, mas não para macroeconomia. Elas deixaram de ser tão promíscuas, mas não têm capacidade técnica para avaliar países", argumenta.

O que acaba acontecendo, segundo ele, é um círculo vicioso do mercado, pois as agências ainda são muito ligadas aos resultados das bolsas, prejudicando os países em crise. "Elas vêem o resultado da ação de um banco, por exemplo, que está em queda na bolsa por alguma motivo. Aí, rebaixam a nota da instituição. Com a redução, as ações caem ainda mais e assim por diante", explica. 

Como são as notas

Cada agência de classificação de risco tem uma métrica própria para definir as notas de cada país ou de cada empresa. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as metodologias são parecidas, e entre as três maiores do mundo, a Moody's é a única que adota um modelo de notas para moeda estrangeira de longo prazo, a mais importante para determinar o risco de calote de um país.

A melhor classificação possível na Moody's é a nota Aaa, e a pior é a C, com variações que passam de Aa1, 2 e 3, A1, 2 e 3, Baa1, 2 e 3 e assim por diante. Na Fitch e na Standard & Poor's, as notas vão de AAA até C, passando por AA+, AA, AA-, BBB+, BBB e assim por diante.