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Brasileiro precisa aprender a poupar, diz professor de Harvard 

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As políticas econômicas implementadas nos últimos meses pelo governo Dilma Rousseff estão corretas e devem impedir que a crise internacional se alastre para o País, de acordo com o professor de economia e especialista em Brasil da Universidade Harvard (EUA), Aldo Musacchio. Em entrevista exclusiva ao Terra, ele diz que essas políticas devem evitar a recessão em curto prazo, mas para o País voltar a crescer a taxas altas nos próximos 20 ou 30 anos é preciso realizar mudanças estruturais na legislação trabalhista, no sistema fiscal e criar uma mão de obra altamente qualificada para acompanhar a demanda que surgirá nos próximos anos. "Mais importante é que o País aprenda a poupar. A diferença da China, que cresce a taxas de 7% ou 8% do Brasil, que cresce 4% é que a população lá guarda e no Brasil não", comenta.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem muito poder, é muito grande e só em 2010 fez um desembolso de R$ 100 bilhões, três vezes mais que o Banco Mundial. Só que esses empréstimos não são usados para investimentos. As empresas pegam o capital do BNDES a um custo baixo, pagam outros empréstimos e guardam parte do dinheiro, não investem ou compram novas fábricas. Então esse capital distribuído pelo banco não está sendo eficiente. O País deveria aproveitar esse momento de recessão internacional para crescer e investir e não é o que tem sido feito.

O economista mexicano fez mestrado no Instituto Tecnológico Autônomo do México (Itam) e é doutor em História Econômica da América Latina pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Em 2007, ele foi considerado um dos 30 profissionais de 30 anos mais promissores pela revista mexicanaExpansion. Na Universidade Harvard, Mussachio é membro dos grupos de estudo do Brasil e do México e ministra um curso sobre mercados emergentes.

Terra - Como foi o crescimento do Brasil nos últimos anos?Aldo Musacchio - Entre 2002 e 2003 o Brasil passou por uma mudança estrutural que gerou um rápido do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), semelhante ao que tinha ocorrido da década de 60 a 80 enquanto até o governo do Hernando Henrique Cardozo o País crescia a taxas menores. Essa mudança tem muito a ver com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC). A produtividade do setor de commodities no Brasil cresceu muito rápido até 2008, com uma grande valorização dos preços, especialmente nos setores agrícolas, de petróleo e mineração.

Como está a relação entre o Brasil e China atualmente?AM - O Brasil é um grande exportador e tem uma relação comercial boa com a China, mas a preocupação prioritária dos chineses é com o mercado interno e com os EUA e o restante da Ásia. O Brasil vende muita coisa, mas não é um parceiro tão estratégico. O Japão é um país mais importante para eles já que abre fábricas lá. A China e o Brasil, apesar de aumentarem suas relações comerciais, também estão ficando mais concorrentes e a tendência é que tenha cada vez mais disputas dos países na OMC.

Em 2011, com a retomada da crise internacional, o Brasil começou a mudar sua política econômica, impulsionando o consumo. O que você acha dessas medidas? São eficientes?AM - Em momento de crise, o País precisa olhar para o mercado interno, impulsionar o crescimento da manufatura. Essa queda de juros promovida pelo governo também é interessante, não só para a população que vai ter mais acesso a crédito, mas principalmente para os investidores, que antes preferiam aplicar o capital e receber uma lucratividade de pelo menos 9% ao ano do que investir. O Brasil tem os juros mais altos do mundo, só concorrendo com a Turquia. Caso o País queira mesmo chegar a ser a quarta maior economia do mundo não é possível manter isso. Essa queda dos juros é uma medida contracíclica já que com a crise internacional o ciclo de crescimento rápido mudou e essa medida serve para resolver o problema fiscal imediato.

O governo brasileiro também começou a promover uma redução nos impostos, em especial para o setor de veículos, móveis e eletrodomésticos. Você acha que essas medidas são eficazes?AM - No Brasil carros, eletrodomésticos, computadores são muito caros. As pessoas mais ricas deixam para comprar esses produtos no exterior, em Miami (EUA). Mas essas medidas são interessantes porque ajudam as classes mais baixas a terem acesso a esses produtos.

Qual o papel que o Brasil tem no Bric (grupo que inclui Brasil, Rússia, Índia e China, os países emergentes)?AM - O Brasil tem um papel de líder moral do grupo, com a democracia estável e ajuda internacional a países africanos e ao Haiti, enquanto a Rússia e a China ainda são países extremamente autoritários. Em relação à economia, as relações comerciais no grupo ainda são muito estranhas. O Brasil exporta muito para a China e muito pouco para a Índia e a China, da mesma forma que a Rússia tem um comércio intenso com a China e pouco com os outros membros.

O PIB brasileiro está crescendo a taxas baixas em 2012, com previsão passando de 4,5% ao ano para 2,5%. O governo também criou um programa de compras governamentais para impulsionar a indústria, além de ampliar os financiamentos do BNDES. O que o senhor achou dessas medidas?AM - Em curto prazo, é importante focar em políticas fiscais. Mas o problema maior do Brasil é o desequilíbrio entre consumo e investimento. O Brasil é um País que não sabe poupar. É importante é que aprenda. A diferença da China, que cresce a taxas de 7% ou 8%, para o Brasil, que em bons momentos cresce 4%, é que a população de lá guarda dinheiro e no Brasil não. A poupança do brasileiro tem aumentado muito pouco nos últimos anos, não houve uma mudança, é um problema estrutural de várias gerações. Em todo momento que o país esteve bem economicamente ele teve que buscar recursos no exterior. Não há como crescer mais de 5% com as taxas de poupança atuais. O Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central) falava que o Brasil é um País de crescimento de 4% e não de 7% e com a poupança atual deve continuar assim.

O governo do Brasil é excessivamente protecionista?AM - O Brasil é muito protecionista e em curto prazo isso é bom, é uma forma do País sair da crise. Em longo prazo isso pode ser um problema. Eu tenho medo de que o governo esteja exagerando nessa proteção da indústria nacional e isso esteja atrapalhando a própria população. É ruim que o consumidor brasileiro acabe subsidiando as empresas do país, é um problema que afeta a distribuição de renda.

Como o Brasil deve fazer para evitar que esse momento de crise internacional atrapalhe ainda mais o País e seu crescimento?AM - Em curto prazo as medidas são boas, o governo está tentando cortar os gastos. Em longo prazo, é preciso fazer a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e uma reforma fiscal, com a organização dos impostos que as empresas precisam pagar. No Brasil há um excesso de burocracia, é tudo muito difícil e, por isso, muitas empresas brasileiras pequenas acabam trabalhando de forma ilegal, desviando dinheiro para não ter que pagar impostos. Os impostos também são uma barreira que impede a entrada de empresas estrangeiras no País. Outro problema é a falta de talentos. O Brasil está crescendo rápido e tem muitos profissionais muito qualificados, mas esse número ainda é pequeno e faltam pessoas para preencher as vagas, em especial em empresas de internet e tecnologia. Os salários na região financeira de São Paulo já são mais altos que os praticados em Nova York. Essas são questões que precisam ser mudadas agora para fazerem efeito em 20 ou 30 anos.