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Ernane Galvêas: "Queda da taxa de juros não deve pressionar a inflação"

Jornal do Brasil publicará série de reportagens com o ex-ministro sobre cenário econômico

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As recentes quedas da taxa de juros não devem pressionar a inflação, e a taxa de câmbio desvalorizada contribuirá para a queda de preços. É o que afirma o ex-ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, no documento "A Virada da Inflação" da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.  

A partir desta quarta-feira (16), o Jornal do Brasil  publica uma série de reportagens com as perspectivas econômicas do ponto de vista do ex-ministro. 

A generalizada expansão no crédito oficial e privado - com um crescimento anual da ordem de 20% - além do aumento no preço dos cigarros e medicamentos e a elevação no preço dos serviços acabaram puxando a inflação de Abril, que fechou em alta de 0,64%, o maior nível em um ano até então, analisa o economista. 

Galvêas continua apoiando a queda de juros, atualmente em 9% e que deve ser reduzida ainda mais, como sinalizou a última ata do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. 

"O rebaixamento da Selic não produziu qualquer impacto negativo, muito pelo contrário, reduziu significativamente o déficit fiscal do Tesouro Nacional. Esses fatos vão demonstrando a ineficácia da taxa Selic como instrumento da política monetária", acredita. 

Leia abaixo a íntegra da análise "A Virada da Inflação", na publicação "Síntese da Conjuntura", da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. 

                            A VIRADA DA INFLAÇÃO por Ernane Galvêas**

A inflação deu um salto, em abril, assustando as autoridades do Planalto e do Banco Central. É difícil detectar essa súbita alta de preços, após 12 meses de relativa calmaria; entretanto, são muitos os fatores de pressão inflacionária, destacando-se a generalizada expansão do crédito oficial e privado, com um crescimento anual da ordem de 20%, o que, por si só, representa pressão suficiente para impulsionar a inflação. 

Em abril, ocorreu o aumento de preços dos cigarros e medicamentos. Junte-se a isso a elevação dos preços dos serviços, alicerçada na alta do salário mínimo e na forte demanda por trabalhadores qualificados. Finalmente, registre-se a influência da taxa de câmbio: durante todo o ano 2011, praticamente, esteve valorizada, estimulando as importações baratas e reduzindo o nível dos preços. 

Agora, inverteu-se o sinal e, a partir de abril, a desvalorização de cerca de 15% vai, certamente, pressionar a inflação. Falta avaliar o resultado do clima, seca em  algumas regiões, chuva em outras, sobre a oferta agrícola. 

A nosso ver não cabe pensar que uma elevação da taxa de juros Selic, pelo Banco Central, possa deter essa tendência de alta. A variável mais importante, no caso, é a expansão do crédito, que ninguém está pensando em conter. Pelo contrário. 

Também não adianta pensar em mudar o curso da “meta inflacionária”. A meta de inflação não é um instrumento de política monetária, é apenas um indicador, uma referência, um objetivo. A  meta de  inflação  não   é um fim em si mesma. 

O Banco Central, não se sabe por quais razões, sempre teve uma obsessão por juros altos, com isso transmitindo ao mercado uma sinalização de alta inflação. Chegamos ao absurdo de uma taxa básica Selic de  13,75% no auge da crise de 2008, quando o mundo todo trabalhava com taxas de juros próximas de zero. Foi preciso uma forte intervenção do Presidente Lula, para que o Banco Central reduzisse a Selic a 8,75%, no 2º semestre de 2010. 

Essa história se repetiu em 2011, já na administração de Alexandre Tombini, obrigando a Presidente Dilma a fazer uma intervenção tipo Lula, para baixar os juros, que de julho/11 a abril/12, caíram de 12,5% para 9%. É impressionante constatar que, tanto na gestão Lula, como da Dilma, o rebaixamento da Selic não produziu qualquer impacto negativo, muito pelo contrário, reduziu significativamente o déficit fiscal do Tesouro Nacional. Esses fatos vão demonstrando a ineficácia da taxa Selic como instrumento da política monetária.

ATIVIDADES ECONÔMICAS 

Indústria 

Continua preocupante a situação da indústria nacional, que exibe uma tendência declinante desde o início de 2010. Neste 1º trimestre de 2012, houve um recuo de -3,0%, com expressivas quedas em bens de capital (-11,4%) e bens de consumo duráveis (-11,6%) puxados pela  queda de -10,9% na indústria automobilística. A exceção foi o setor de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, com crescimento de +0,9%. A produção industrial caiu 6,2% em São Paulo, 6,8% no Rio, 5,9% em Santa Catarina, 2,4% no Espírito Santo e 1,4% em Minas. A região Nordeste caiu -1,4%. A queda da produção foi generalizada no Sudeste, inclusive nas indústrias extrativa e de metalurgia básica. 

Além da forte queda no trimestre, a indústria automobilística sofreu novo recuo de 15,5% em abril, em relação a março. 

A produção nacional de petróleo caiu 5% em março sobre fevereiro, mas subiu 0,1% em relação a março/11. O consumo de energia cresceu 5,3% em abril sobre abril/11, mas com relação a março registrou queda de 3,5%; no acumulado dos últimos 12 meses houve aumento de 3,6%; o consumo na indústria ficou praticamente estacionado em março (+0,48%) sobre fevereiro. O mercado imobiliário assustou-se com a queda de 30% no lançamento de imóveis residenciais em São Paulo. As vendas de materiais de construção caíram 8,5% em abril sobre março, com expansão de 3% em relação a abril/11, acumulando alta de 1,5% no quadrimestre.                    

Comércio

Em fevereiro, o comércio varejista registrou crescimento de 7%, com destaque para móveis e eletrodomésticos (+17,2%) e equipamentos para escritório (+27,6%), revelando declínio em relação a 2011 (9,4%).

A inclusão social e a expansão da classe média com ascensão das  classes de menor renda produziu uma profunda mudança nos padrões de consumo. A aplicação da renda da nova classe C, antes destinada basicamente a despesas com água, luz, telefone e aluguel, mudou substancialmente nos últimos anos, incluindo, hoje, mensalidade escolar, TV, internet, telefone celular e viagens. As facilidades de crédito tiveram um papel importante nessa evolução, gerando um elevado endividamento das famílias. O comércio eletrônico aumentou de R$ 500 milhões em 2011 para R$ 23 bilhões em 2012.

Segundo a CNC, o índice de confiança do empresário do comércio (ICEC) aumentou 0,4% de março para abril, mas caiu 1,4% em comparação com abril/11. O índice de expectativas sinaliza uma tendência de melhoria no 2º semestre, em função da queda dos juros.

O índice de endividamento das famílias recuou em abril 5,8 p.p. em relação a abril/11, mas aumentou o percentual de dívidas em atraso. Em abril, 6,9% das famílias declararam não ter condições de pagar suas dívidas. Segundo o CNDL, a inadimplência aumentou 4,5%, pelo que aconselha-se ao comércio, em geral, uma vigilância quase diária sobre os níveis de inadimplência.

Segundo a Susep, a receita de prêmios das Seguradoras, no 1º trimestre, aumentou 18,4%, com alta de 21,1% no lucro líquido.

Agricultura

As condições climáticas continuam castigando a agricultura. O Semiárido Nordestino enfrenta a pior seca em 30 anos e 525 municípios da região estão em estado de emergência. O mesmo acontece com as cheias no Amazonas.

A maior demanda chinesa elevou o preço da soja em 10%, no final de abril, assim como o do milho. A melhora nos preços do café, nos últimos dois anos, está promovendo uma renovação dos cafezais de maior qualidade. A moagem de cana (2012/13) está atrasada, com queda de 32% sobre 2011. Segundo as projeções da Conab, a safra de grãos da safra corrente (2011/12) atingirá 160 milhões de toneladas, ligeiramente inferior à safra anterior.

Mercado de Trabalho

O emprego industrial, em março, recuou 0,4% e o número de horas pagas caiu 1,2%, na comparação com fevereiro. No 1º trimestre, houve baixa de -0,3%. A redução atingiu nove dos quatorze Estados incluídos na pesquisa. De outro lado, a massa salarial cresceu 6,2% acima da inflação, com destaque para a construção civil, que registrou aumento de 18,8%.

Esses resultados no mercado de trabalho respondem pela expansão do consumo mas, ao mesmo tempo, sinalizam baixa produtividade e perda de competitividade da indústria nacional. No quadro geral, a força de trabalho conta com 86 milhões de pessoas ocupadas, com 7 milhões desocupadas. O mercado formal subiu de 54,8% em 2000 para 63,9% em 2010.        

Setor Financeiro

O volume de crédito no sistema financeiro está crescendo menos, a partir da redução dos empréstimos para compra de automóveis. No bimestre março/abril, a captação líquida pelas cadernetas de poupança atingiu R$ 4,5 bilhões, o melhor resultado desde 1999. Ainda não dá para calcular os resultados da mudança nas regras das cadernetas de poupança. De outro lado, o número de cheques devolvidos cresceu 13,9%, ante abril/11 (Telecheque).

Inflação

A inflação registrou substancial alta, tanto no varejo como no atacado. O IPCA  subiu a 0,64%, contra 0,21% em março, representando a maior alta desde o início de 2011. O IGP-DI/FGV praticamente dobrou em relação a março, registrando alta de 1,02% em abril.

A taxa de câmbio sofreu uma desvalorização de 6,6% em março e 3,8% em abril.

Na cidade de São Paulo, o índice FIPE-IPC subiu 0,55%, na 1ª prévia de maio. A cesta básica subiu em 15 das 17 capitais pesquisadas pelo DIEESE, com destaque para Manaus (+3,8%), Fortaleza (+3,5%), natal (+2,9%) e Salvador (+2,8%). Houve queda no Rio de Janeiro (-1,8%) e Belo Horizonte (-0,8%).

Há uma tendência de nova alta de preços das commodities, refletindo um aumento de demanda da China.

Setor Público

A Presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei que cria o Fundo Complementar para os Servidores Civis da União – A regra não muda para os atuais servidores. Na Câmara dos Deputados, a CCJ aprovou a Emenda Constitucional que divide o ICMS entre os Estados de origem e destino, nas compras feitas pela Internet.

O Governo está revigorando o Bolsa Verde, o Programa de apoio à Conservação Ambiental, lançado em setembro/11. O Programa contempla as comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas de extrema pobreza, com um benefício de R$ 300, a cada trimestre.

Setor Externo

Na 2ª semana de maio, as exportações brasileiras atingiram US$ 5,97 bilhões e as importações US$ 4,34 bilhões, acumulando no ano saldo positivo de US$ 5,5 bilhões (26,2% inferior no mesmo período de 2011). Apesar das incertezas mundiais, o Brasil conseguiu levantar empréstimos de US$ 35 bilhões no exterior, em 2012, em 3º lugar, abaixo da China e da Coréia do Sul.

Nos Estados Unidos, em março, as importações cresceram 5,2% e as exportações 2,9%, deixando um saldo mensal de US$ 51,8 bilhões. Entre fevereiro e maio, registrou-se uma desvalorização do dólar de 4,5%, em relação ao euro.

Repercutiu dramaticamente a informação de que o JP Morgan/Chase, poderoso banco americano, registrou uma perda colossal de US$ 2 bilhões. É um fato grave que pode gerar novo trauma nos mercados financeiros.

** Ernane Galvêas foi ministro da Fazenda, presidente do Banco Central e assessor econômico do governo brasileiro por décadas. Também trabalhou na iniciativa privada, em empresas como a Aracruz Celulose. É bacharel em Ciências e Letras, Contabilidade, Economia e Direito.