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Jogos de 1976 e 1992 são exemplos de fracasso e de sucesso

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Fabio Grijó, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Dezesseis anos separaram os Jogos de Montreal, em 1976, da edição olímpica de Barcelona, em 1992, mas um abismo explica a realidade das duas cidades após terem abrigado o maior evento esportivo do mundo. A conta da transformação e da revitalização na infraestrutura de uma contrasta com o rombo nos cofres imposto a outra.

Para a cidade canadense, a Olimpíada foi sinônimo de fracasso e dívidas na casa dos R$ 3 bilhões. A população viu impostos aumentarem para o governo local tentar amortizar os efeitos da conta olímpica. Até hoje, Montreal-1976 é considerado exemplo de como não deve organizar os Jogos. Pouco ficou para os moradores, além do buraco nas finanças e suspeitas de corrupção.

Barcelona-1992, ao contrário, é tido como uma postulante deve executar o trabalho para receber a Olimpíada. Decadente, a capital da Catalunha renovou-se ao abrir suas portas para os principais atletas do planeta. O ponto de partida foi a localização do coração dos Jogos. A Vila Olímpica foi planejada para a região portuária da cidade, o que fez a área renascer e se estruturar. Hoje, o ponto tornou-se obrigatório para turistas, em torno de 5 milhões por ano. O porto passou a ser o principal no Mediterrâneo. Os apartamentos usado pelos esportistas viraram moradias. A população pôde comprar os imóveis a preços subsidiados, o que fez o governo local reduzir o déficit habitacional.

Caminho nos próximos sete anos

Para o Rio, que recebeu o direito de sediar a primeira Olimpíada da América do Sul em 2016, são dois exemplos de sucesso e fiasco na organização do torneio, que movimenta, apenas com o repasse das imagens de TV para as grandes redes mundiais, R$ 7 bilhões. Montreal-1976 e Barcelona-1992 são sempre citados em qualquer estudo sobre os efeitos negativo e positivo das sedes dos Jogos. Em quase sete anos, a capital fluminense terá o desafio de escolher o caminho a ser seguido: aproveitar a oportunidade olímpica para se transformar e faturar bilhões com isso ou deixar a chance passar e acumular prejuízos que serão pagos no futuro.

Deu certo: Revitalização do porto fez Barcelona se transformar

Antes dos Jogos de 1992, Barcelona vivia uma fase decadente: baías poluídas, zona portuária sem investimentos, sistema de transporte deficiente. Ao receber a principal competição esportiva do planeta, a cidade catalã renovou-se. Dezessete anos depois, tornou-se moderna e fatura com o legado olímpico em setores como turismo. Para a Olimpíada, apenas um terço do orçamento teve como destino a construção e a reforma de instalações esportivas. Os dois terços restantes foram usados em infraestrutura.

A região do porto foi o ponto de partida para a transformação da cidade de 1,5 milhão de habitantes. A área concentrou o projeto da Vila Olímpica, o alojamento dos atletas. Depois dos Jogos, os prédios viraram moradia para a população, que pôde adquirir os imóveis com preços subsidiados. O entorno do porto recebeu também estádios utilizados na competição. De ponto evitado pelos moradores, a região passou a ser referência de turistas, que chegam a 5 milhões por ano na cidade, número três vezes maior que a população total. Além de habitação, Barceloneta, como ficou conhecida a área, ganhou bares, restaurantes e boates.

A combinação entre a revitalização do porto e a despoluição das águas catalãs gera dinheiro para Barcelona. O sistema portuário local converteu-se, nos últimos anos, no mais importante do Mediterrâneo: é o que soma mais toneladas no transporte de mercadorias. Ou seja: fez a cidade ter mais divisas. O porto também lucra com cruzeiros: a cidade olímpica de 1992 registra a maior quantidade de escalas de transatlânticos no Mediterrâneo.

A infraestrutura da cidade transformou-se desde o encerramento da Olimpíada. Hoje, Barcelona conta com seis linhas de metrô, espalhadas por uma rede de 164 quilômetros o Rio, por exemplo, dispõe de 42 quilômetros e 33 estações. Em Barcelona, são 125 estações. Para os Jogos Olímpicos, os organizadores reformaram o sistema de transporte, integrando metrô que recebeu novas estações e ônibus. Somando os dois meios de transporte, interligação atinge por 1.080 quilômetros da cidade.

A construção civil também teve dividendos com os Jogos-1992 e deixou legado. Obras como o Palácio de Esportes São Jordi são usadas, até hoje, pela população. Foi o palco onde a seleção masculina de vôlei do Brasil conquistou a medalha de ouro na ocasião. O aeroporto foi remodelado, o que também provocou o aumento no número de turistas em Barcelona. O setor de construção civil seguiu aquecido após a competição. Na era pós-olímpica, a cidade recebeu obras do Museu de Arte Contemporânea, da Torre Agbar de Jean Nouvel e do Fórum. Portadores de deficiência física também ganharam novos acessos nas construções.

Deu errado: Montreal pagou dívida de R$ 3 bi por 30 anos

Foram os Jogos em que a romena Nadia Comaneci se tornou a primeira ginasta a obter nota 10. Também foi a competição que marcou a estreia das mulheres em modalidades como basquete e handebol. No campo esportivo, houve novidades. Para os moradores de Montreal, porém, a Olimpíada de 1976 é para ser esquecida. Até 2006, 30 anos após os Jogos, a população teve de pagar dívidas do torneio. O rombo financeiro da cidade chegou a R$ 3 bilhões, em valores corrigidos. Após a cerimônia de encerramento, nada de festa: impostos foram aumentados para tentar reduzir o peso do prejuízo.

Sem apoio financeiro do governo do Canadá, Montreal, na parte francesa do país na época, isolada do lado inglês foi obrigada a bancar toda a execução da Olimpíada. Foram feitas obras de infraestrutura e construção de instalações esportivas para abrigar os Jogos. O dinheiro saiu apenas dos cofres da prefeitura. Não bastasse isso, suspeitas de corrupção e superfaturamento das obras fizeram os custos aumentarem. Apenas o Estádio Olímpico consumiu R$ 1,2 bilhão, ou R$ 975 mil a mais que a previsão inicial do orçamento.

Até hoje, os Jogos de Montreal foram a edição olímpica que teve maior prejuízo, segundo estudo do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Estimativa da entidade que regula o esporte olímpico mundial previu R$ 3 bilhões em dívidas para a cidade canadense, em consequência do planejamento falho quando abrigou a Olimpíada.

Na década de 70, os Jogos ainda não tinham começado sua fase de gigantismo, com patrocínios na casa dos bilhões de dólares. Isso ocorreu a partir de Los Angeles-1984, ano em que, principalmente, as redes de TV americanas passaram a despender mais pelos direitos de transmitir a competição. Hoje, apenas a NBC pagou R$ 3,9 bilhões para exibir os Jogos de Vancouver-2010 (de esportes de inverno) e os de Londres-2012. O dinheiro é repartido entre o COI e a cidade-sede. Sem essa verba vultosa, Montreal, sozinha, teve de arcar com a Olimpíada, a única até hoje realizada em território canadense.

O pouco uso das instalações olímpicas após os Jogos foi outro problema de Montreal. Isso repetiu-se com Atenas, em 2004, e Pequim, em 2008. Mas os patrocínios atuais do movimento olímpico maiores que os da época da competição no Canadá evitaram que as capitais grega e chinesa sofressem prejuízos na mesma proporção que Montreal-1976.

Para piorar, no campo esportivo, a Olimpíada canadense foi um fiasco para os atletas anfitriões. O país-sede terminou os Jogos sem conquistar uma medalha de ouro sequer, algo que nunca se repetiu na história olímpica até hoje.