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‘O outro lado da bola’ mostra, em quadrinhos, jogador de futebol que assume ser gay

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Minutos após comemorar efusivamente o gol de seu time e gritar o nome do jogador que balançara as redes, de falta, um torcedor solitário é cercado por um integrante de torcida organizada da mesma equipe. Nesse momento, já abraçado ao namorado, ele acaba morto com uma paulada na cabeça. 

A sequência do assassinato motivado por homofobia é uma série de revelações, iniciada pelo autor do gol. Ao vivo na TV, ele acaba declarando que a vítima do homicídio havia sido seu namorado, no argumento de “O outro lado da bola” (Record, R$ 54,90). 

O texto é de Álvaro Campos – que, além de quadrinhos escreve para teatro, cinema e TV – com o publicitário, roteirista e diretor cinematográfico Alê Braga. As ilustrações ficam por conta de Jean Diaz, que já trabalhou em contos como os da “Mulher Maravilha” (DC) e de “Vampirella” (Dynamite). 

Com prefácio do jornalista André Rizek e apresentação do cartunista Arnaldo Branco, a história conta, em 213 páginas, o que aconteceria se um jogador de futebol de um time de expressão se declarasse homossexual – algo que nunca aconteceu no Brasil em clubes de massa, somente em equipes menores. 

Foi por pouco. Há alguns anos, um meio-campista acertou com um programa televisivo de grande audiência para declarar sua homossexualidade. Ele recuou, porém, ao ser ameaçado de morte por integrantes de uma torcida organizada.

Parte do que Campos, Braga e Diniz mostram em sua HQ tem ligação direta com fatos reais, a começar pela ação de torcedores-bandidos e dos programas de auditório na televisão. As referências – óbvias – do livro, com E.C. Alvinegro Paulista e uma apresentadora chamada Fátima (Lima) não são, entretanto, a do caso real de declaração frustrada pelo medo. 

Na sequência da trama, vêm as consequências diretamente ligadas ao caso, como a reação dos colegas de time, dos torcedores e do presidente do clube, além da investigação do crime de homicídio – cuja resolução de ocorrências não chega a 10% no Brasil. Na esteira do conto, questões familiares do jogador e sua ligação com a torcida e com o futebol.

O lançamento da HQ ocorre paralelamente à Copa do Mundo na Rússia, que tem histórico de rejeição à homossexualidade. Grupos paramilitares ameaçaram atacar gays que, em viagem ao país na Copa, trocassem carícias em público. Desde 2013, uma lei russa proíbe “propaganda gay”, como definem qualquer manifestação homossexual em público, sob o pretexto de poder haver crianças vendo. Paradas do Orgulho Gay, por exemplo, foram proibidas. 

No Brasil, praticantes de outros esportes já assumiram a homossexualidade, como os jogadores de vôlei Michael, 35, e Lilico (19762007), morto aos 30 anos vítima de um acidente vascular cerebral. 

Um dos autores de “O outro lado da bola”, Álvaro Campos, afirma que “sonha um dia contar aos filhos que seu time foi o primeiro no Brasil a ter um jogador assumidamente homossexual”, na orelha ao fim do livro. 

A rigor, isso já aconteceu, no pequeno Lajeadense, do Rio Grande do Sul, onde o centroavante Vilson Zwirtes se declarou homossexual, mas afirmou ter sofrido resistência de clubes para contratá-lo. 

Como Rizek pergunta, ao prefaciar o livro, “existem gays padeiros, jornalistas, advogados, taxistas, farmacêuticos. Por que não haveria, aos montes, jogadores gays?”.