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Poesia para um gênio: Denise Saraceni escolhe o lúdico para falar de Pixinguinha

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Foram necessárias três décadas para Denise Saraceni decidir se envolver em um projeto cinematográfico. Com trajetória consolidada na TV, a diretora cresceu acompanhando as dificuldades da família na profissão — o diretor Paulo Cesar Saraceni e a atriz Ana Maria Nascimento e Silva eram seus tios. “Quando o Carlos Moletta me convidou para dirigir um filme sobre Pixinguinha, eu avisei que era traumatizada, pois vi meu pai, que era produtor, vender carro e apartamento para sustentar filmes do meu tio, por exemplo”, conta ela. O convite, no caso, veio em 2010 para “Pixinguinha - Um homem carinhoso”, longa-metragem que está na fase da segunda captação, com previsão de estar pronto no final do ano.

Denise, que chegou a trabalhar como continuísta nos filmes de Paulo César (1933-2012), um dos criadores do Cinema Novo, e começou na TV muito jovem como assistente de Maria Carmem Barbosa na Rede Globo, revela que aceitou dirigir o longa pela oportunidade de contar a história de um músico tão importante para o Brasil. “Eu também precisava de algo que me estimulasse, diferente do que faço na TV”, acrescenta ela, lembrando que fez uma minissérie e duas novelas enquanto acompanhava o desenvolvimento do filme. Com receio de atropelar as funções, ela chamou Allan Fiterman para codirigir. “Esse é o tempo comum de uma produção brasileira, de cinco a dez anos. O Allan, que trabalha comigo há 10 anos, entrou para dirigir caso eu não pudesse estar em algum momento das filmagens”, explica. 

Diversas fases de Pixinguinha 

Com Seu Jorge no papel do músico carioca e Taís Araújo como sua mulher Beti, “Pixinguinha” foi rodado entre janeiro e março de 2017. “No último dia das filmagens, conseguimos que a Banda de Ipanema reproduzisse a homenagem que fez no dia de sua morte. Músicos e público seguiram pela Rua Visconde de Pirajá e pararam em frente à igreja N. S. Da Paz, onde o compositor morreu, para tocar ‘Carinhoso’. Foi muito emocionante”, conta Denise. 

Para abordar os 60 anos de atividade de Pixinguinha (1897-1973) na música brasileira, Denise diz que foi necessário fazer opções para contar sua história no filme, que acaba dedicando maior tempo para sua vida adulta. “Pixinguinha começou aos 12 anos, em sarauzinhos, foi para o disco prensado, passou pela fase da Casa Edison, esteve em Paris, se apresentou no auge das casas noturnas, do teatro musical, foi contratado por gravadoras e tocou em rádio. Passou por tantas mudanças que vivia numa gangorra: períodos de sucesso e dinheiro e de esquecimento e pobreza”, relata. 

Além de Seu Jorge – “assim que ele aceitou o papel, começou a estudar flauta e, quando experimentou o terno e o chapéu, já havia incorporado Pixinguinha”, lembra a diretora –, e Taís Araújo – “ela tirou a pele de estrela que é, maravilhosa, e mergulhou no papel da Beti, uma mulher que largou o teatro para ter uma vida simples com o marido”, elogia – o filme traz Danilo Ferreira e os meninos Luan Bonitinho e Thawan Lucas como Pixinguinha jovem e criança, Milton Gonçalves (pai de Pixinguinha), Tuca Andrade (Almirante) e Pretinho da Serrinha (irmão).

Vida particular 

A diretora conta que o longa não é uma biografia ou um docudrama e que quando percebeu que estava indo por um caminho de “painel”, onde os personagens à volta estavam tomando muito espaço, retomou para o ponto de vista daquele homem negro, de classe média, que se impôs pelo talento. “Eu achava que precisávamos ressaltar a ternura desse gênio, sábio e que lidava com a profissão com muito amor. Então, escolhemos um caminho lúdico, priorizando sua vida particular, menos conhecida, falando de sua relação com a única mulher com quem foi casado. O filme é uma manifestação poética sobre um grande artista”, resume.  

Dentro desse olhar “carinhoso”, Denise logo percebeu que não estava com uma superprodução nas mãos. “Ele era um cara que se reunia no bar,  onde gastava muito dinheiro... ajudava as pessoas e tinha uma vida caseira”, conta. “Veio de uma família de 13 irmãos e evoluiu num quadro social difícil – nasceu dez anos depois da Abolição, imagine! Então, optamos por locações internas para alcançar uma linguagem próxima a esse subtexto”, detalha.

Denise ressalta que “Pixinguinha – Um homem carinhoso” talvez seja o primeiro filme que mostre um negro brasileiro como criador. “Temos filmes sobre Tom Jobim, Villa-Lobos, Vinicius... Por que nunca se fez um sobre Pixinguinha?”, questiona. No filme, Denise lança mão de algumas imagens de arquivo, como as dos curtas “Pixinguinha”, de João Carlos Horta, de 1969, e “Pixinguinha e a Velha Guarda do samba”, mostrando uma apresentação do grupo filmada por Thomaz Farkas em abril de 1954, nos festejos do 4º Centenário de São Paulo, que ficou perdido por 50 anos, até ser recuperado no ano passado. 

Cristóvão Bastos faz a direção musical do filme, que já teve 20 composições orquestradas na primeira fase de produção. “Ainda quero incluir registros originais em alguns espaços vazios”, avisa Denise. Enquanto acompanha a finalização do longa, a cineasta estreante toca novos projetos na Globo, onde atualmente é diretora artística — ela foi a primeira mulher a ocupar um cargo de direção de núcleo. “Brinco que estou ‘esquizofrênica’ porque estou assumindo uma nova direção de dramaturgia ao lado de Silvio de Abreu enquanto dirijo outro projeto”, diz, referindo-se a uma macrossérie de tema histórico e a uma minissérie sobre Ângela Maria, de Filipe Miguez, seus novos projetos.