Contar uma história em planos, locais e tempos diversos é forma que encontra a sua maior expressão na narrativa cinematográfica. “Vim assim que soube”, com texto de Renato Carrera e direção de Marco André Nunes, estabelece alguns pontos: a história começa em um agora quando Cris, uma atriz, recebe a notícia que seu amigo Renato, também ator e companheiro de toda a vida está à morte. Cris corre para encontrá-lo sem medir esforços. A partir dessa visita, a peça se desenvolve nas lembranças do passado, nas discussões do presente e nas projeções do futuro. É como se a urgência deixasse de ser um momento e passasse a ser um sentimento de eternidade.
“Vim assim que soube” é ambientada em uma possível casa simples, cujo entorno é dado pelos filmes projetados, com uma maca hospitalar que serve a várias ambientes, mas é um palco aberto para que os atores dancem um minueto meio desengonçado, meio sem ritmo, com o par se desencontrando nas lembranças e nos desejos, se opondo nas escolhas que fizeram na vida e se afastando nas possibilidades do futuro, pois um está a morte e a outra tem uma vida a cumprir.
O texto de Renato Carrera tem a autobiografia com a narração de fatos realmente acontecidos como o pertencimento ao grupo de teatro com Ana Kfouri. Essa autorreferência não chega a ser uma metalinguagem, pois não forma uma outra peça. Mas o teatro como uma forma de expressar sentimentos é a base da construção do memorial, do prestar contas na extrema-unção.
A direção de Marco André Nunes, o premiado diretor de “Caranguejo over drive” e “Guanabara canibal”, incorpora para compor o texto e dar o sentido ao que se dizer um diálogo forte com o telão . A abertura é um “povo fala” – técnica de telejornalismo - com Cris entrevistando passantes se correriam para acudir um amigo à morte. Esse aparente distanciamento da personagem, que irá socorrer o amigo, vai se transformando quando as frequentes visitas vão além de um debruçar na varanda da saudade. A vontade não é de se relembrar, mas pensar em que perspectiva pode-se pensar o fim, a continuidade, que caminho a seguir. Toda a movimentação é um reforço ao diálogo, linha mestre do texto, pois são dois atores em cena, imagens que projetadas “conversam” com a ação.
Renato Carrera e Cris Lan se equivalem na encenação. Apesar do aparente tom naturalista, os dois atores imprimem a correção do que se imagina que é o encontro entres dois amigos próximos, queridos, que foram namorados, mas que é o momento de dividir. E se a questão é partilhar, não há porque se ter uma predominância. É uma força nas palavras, mas também nos gestos contidos. É um derramar de tristezas sem voz embargada. É um riso sem gargalhar. É momento grave, mas é também instantes de cervejinha, a intimidade de se beber junto.
São negros os figurinos, pois vive-se o luto. É simples a casa, o esforço da escada a subir, como é simples a vida complicada de se levar. É o plano de hoje, com um pé no passado, mas com o indesejado amanhã. É o filme lá reforçando. É a sucessão de fotos traçando um painel das diversas vidas dos anos 1980 e 90. É como se Renato estivesse passando a clássica imagem do filme da minha vida na hora do “the end”. Esse filminho nos provoca lembranças pessoais. E ai o diálogo sai do palco e alcança a plateia.
* Professora do Depto. de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras
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SERVIÇO
Local: Sesc Copacabana - Sala Multiuso (R. Domingos Ferreira, 160 – Copacabana. Tel.: 2547-0156)
Sex. e sáb., às 19h; dom. às 18h
De R$ 7,50 (associados), R$ 15 e R$ 30
Duração: 60 minutos
Classificação: 14 anos