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O ‘Cidade de Deus’ de Idris Elba: galã inglês estreia na direção com ‘Yardie’

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Em meio a uma guerra de trailers na internet, em uma corrida publicitária para verter filmes de ambição autoral em potenciais sucessos de público, uma produção inglesa de tintas sociais, assumidamente inspirada em “Cidade de Deus” (2002), despontou sob os holofotes dos internautas no YouTube no fim de semana: o thriller “Yardie”. Fala-se dele por todo o lado da web, desde que um teaser com imagens sobre a cruzada de vingança de um jamaicano no submundo da Londres dos anos 1980 mostrou a força visual do galã inglês Idris Elba (de “A torre negra”) como diretor. 

Em cartaz no Brasil como coadjuvante em “Vingadores: Guerra infinita”, no papel de Heimdall, porteiro da cidade encantada de Asgard, o ator britânico de 45 anos, de descendência africana (seu pai é de Serra Leoa e a mãe, de Gana), estreia como realizador adaptando o romance de Victor Headley sobre a realidade de adolescentes negros marcados pelo crime em duas nações distintas, unidas pela língua inglesa. Exibida na seção Panorama do Festival de Berlim, a produção estreia na Inglaterra só em agosto, mas já se tornou um fenômeno midiático na web.

“Tentei buscar no crime um rito de passagem, uma narrativa de travessia ética tirada de um processo de amadurecimento, passando pela questão racial mas sem estacionar nela. Foi isso o que encontrei em ‘Cidade de Deus’ quando vi pela primeira vez. Era uma realidade nova, a vida das favelas do Rio, mas algo bem universal”, disse Elba ao JB. “Não defino o cinema por cor da pele, e sim pela força das narrativas para além dos tipos que a impulsionam. Desde que eu perdi meu pai, há pouco anos, resolvi fazer a escolha pela arte que faz diferença, e não pela arte que dá fama e alimenta vaidades. Fui dirigir porque tinha algo a dizer como cineasta, e não pelo mero prazer de filmar”.

Encarado como um dos mais populares astros afrodescendentes do cinema, tendo sido cotado para substituir Daniel Craig no posto de James Bond na franquia “007”, Elba faz sucesso na TV europeia à frente do seriado policial “Luther”, no ar desde 2010. É dali que ele tirou muito da manha com a representação do crime que guia a trama de “Yardie”. Sua trama gravita entre a Jamaica de 1973 e os becos mais violentos da Londres de 1983, conforme acompanha o processo de amadurecimento de D. (Aml Ameen), um traficante que busca no crime meios de se vingar da morte de seu irmão. 

“Londres eu conheço de berço, sobretudo a Londres da baixa e desempregada classe operária, com bolsões de pobreza, miséria e violência. Nunca fiz parte dela por ter um pai presente e companheiro do meu lado. Talvez por isso, ‘Yardie’ seja um drama sobre a ausência do lastro paterno. Mas o desafio para contar isso entre duas nações era mostrar uma Jamaica que soasse realista a quem vem de lá, sem parecer um cartão postal à avessas”, admite Elba, que exibiu o longa em Sundance, em janeiro, antes de entrar na Berlinale, onde foi um dos títulos de maior prestígio entre críticos e espectadores.

“D. é o rapaz que cruza o mundo para honrar um amor perdido. E eu recheio o caminho dele de encontros com mulheres fortes, como sua namorada de infância e uma filha, para equilibrar a brutalidade do masculino. O equilíbrio mais duro de encontrar foi com a prosódia jamaicana do inglês. Não é fácil para um britânico entender tudo o que eles falam. Às vezes, eu pedia para que eles repetissem o take falando de uma forma mais próxima do inglês do Reino Unido, com menos sotaque, mas sem perder o regionalismo ao meu redor”. 

Apelidado em Berlim de “o novo Denzel Washington”, Elba estruturou “Yardie” como um filme de ação hollywoodiano, cheio de adrenalina nas cenas de perseguição e de trocas de tiros. Impactou a Berlinale pelo uso de cores saturadas, exacerbando o colorido cultural da Jamaica e dos subúrbios londrinos. Seu realismo torna a violência crua, sem estilizações, abrindo espaço para o exotismo apenas num flerte com o sobrenatural, nos diálogos entre D. e o fantasma de seu irmão morto.

“Personagens existem para sintetizar a diversidade de uma cultura. E no caso da realidade da Jamaica, a religiosidade e o misticismo estão por todo lado”, diz Elba, envolvido agora na filmagem da comédia inglesa “Turn up Charlie” para a TV do Reino Unido. “Gosto de estar onde haja boas histórias, seja na Inglaterra, em Hollywood ou no Brasil, onde adoraria filmar.” 

* Roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro