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Documentarista Silvio Tendler volta às telas denunciando a especulação bancária em ‘Dedo na ferida

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Cheio de projetos em andamento, entre eles um filme sobre o poeta Ferreira Gullar e um longa-metragem baseado nas reflexões filosóficas do livro “A alma imoral”, do rabino Nilton Bonder, Silvio Tendler mantém, aos 68 anos, a fama de ser um dos mais prolíficos diretores do país, sendo o único documentarista brasileiro a ter no currículo um blockbuster. O termo define longas cuja bilheteria supera a marca de um milhão de ingressos vendidos, feito que ele alcançou em 1981, com “O mundo mágico dos Trapalhões”: somou 1.892.117 pagantes documentando Didi, Dedé, Mussum e Zacarias em seus bastidores. 

Antes de filmar Renato Aragão e cia., Tendler ganhou notoriedade ao arrastar 800 mil pessoas aos cinemas para ver “Anos JK – Uma trajetória política” (1980). Com “Jango” (1984), somou cerca de 500 mil olhares a seu rol de fãs, consagrando-se como o mestre do trânsito entre a História e o audiovisual na produção documental brasileira. É com esse status de campeão de audiência que ele volta às telas, após um hiato de sete anos (“Tancredo, a travessia” foi seu último lançamento), com “Dedo na ferida”, um ensaio geopolítico sobre a especulação bancária que estreia nesta quinta-feira, referendado pelo troféu Redentor de júri popular no Festival do Rio de 2017.

Na tela, o cineasta costura frases ferinas sobre o papel cancerígeno do capitalismo e da mecânica dos bancos em nossa sociedade. Até o cineasta franco-grego Costa-Gavras (de “Z”), um mito do thriller político, entra nesse papo, falando sobre democracia. A melhor das frases vem do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos: “O capital financeiro é o inimigo de qualquer Justiça”. A jornada de um podólogo que vai, dia a dia, de Japeri para Copacabana, num trajeto de 1h44m de trânsito pelo Rio de Janeiro, calça a narrativa jogralesca do diretor. 

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Silvio Tendler, o produtor Cavi Borges e integrantes da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) vão debater “Dedo na ferida” na próxima segunda-feira, no Reserva Cultural, em Niterói, às 20h30. Na quarta, dia 30, às 21h, ele vai ao Estação Net Rio falar sobre escolhas estéticas. Na entrevista a seguir, arte e militância se misturam numa análise sobre o lugar dos bancos na realidade econômica da contemporaneidade. Na quinta, o filme entra em circuito no Rio, Brasília, São Paulo e Porto Alegre. O documentário recebeu o prêmio do júri popular no Festival do Rio de 2017.

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JORNAL DO BRASIL - Qual é o sentido de se falar em direita e esquerda nos dias de hoje no Brasil? Você se enquadra em qual dos blocos? ‘Dedo na ferida’ está à esquerda ou à direita de Temer?

Silvio Tendler: Vou responder por metáfora, transcrevendo uma carta que recebi: 

“Porto Alegre, 21/05/18 Prezado Silvio Tendler, em nome da ‘Feira Brasileira de Opinião – Contragolpe’, a ser realizada em Porto Alegre, nós lhe convidamos a fazer parte deste movimento, que reúne artistas identificados com a esquerda brasileira, em seus mais variados suportes, linguagens e técnicas, a manifestarem-se a respeito da inaceitável situação do Brasil atual. Seu apoio e a exibição de seus filmes, com caráter de denúncia e posicionamento político, serão muito bem-vindos ao nosso movimento. A feira se dará entre os dias 17 e 29 de julho, nas dependências do Memorial Luiz Carlos Prestes, com intervenções e prolongamentos em espaços públicos e entidades parceiras. Gostaríamos de contar com sua presença para sessão de filme comentada e, se possível, apresentar os filmes ‘Utopia e barbárie’, ‘Jango’ e ‘Dedo na Ferida’. Certos de poder contar com você e suas obras neste movimento de arte–resistência, agradecemos antecipadamente. Um grande abraço do Coordenador da Área de Cinema”

Eu não sei se sou de esquerda ou de direita, mas, como você lê na carta, as pessoas dizem que sou de esquerda. Então sou, e pronto. Estar à esquerda de Temer é fácil. Ele está mais perdido que peru em véspera de Natal. 

Como o filme trata a questão da especulação bancária em nossos dias? Que papel os bancos assumiram em nossa sociedade?

Nenhum outro país do mundo é tão generoso em juros para os bancos quanto o Brasil. São as taxas mais altas do mundo, mesmo considerando o capitalismo financeiro não produtivo, especulativo. Ele é uma chaga internacional que vive quebrando países e circulando pelo mundo de forma predatória. Este é o recado de “Dedo na ferida”. 

Que futuro você estima para a atividade bancária no mundo?

Pelo momento, um futuro vitorioso. Sou cineasta, não sou mago, logo, não sei prever em quanto tempo o mundo vai perceber que devemos construir uma economia solidária, que respeite os seres humanos, o meio-ambiente, os animais, a diversidade cultural. E não sei que nome terá esse respeito. Se será socialismo, humanismo ou que nome tenha. Morrerei otimista e, antes, verei o fim do capital financeiro. 

O Rio de Janeiro entra, indiretamente como personagem no filme, a partir do rapaz que corta a cidade para trabalhar como podólogo em Copacabana. Como você avalia a atual realidade política do Rio e de que maneira o filme buscou retratar a cidade?

O Rio é minha cidade. Copacabana é meu país. Como os dois estão sendo maltratados por administradores medíocres, dá vontade de chorar ao ver a miséria nas ruas. Resolvi contar isso com linguagem neorrealista e tomei o podólogo Anderson como exemplo. A cidade é bonita e aparece assim no filme. Feia é a miséria e o destrato a que submetem nossa população.

Como foi feita a escolha dos entrevistados e qual dos depoimentos te trouxe novas perspectivas sobre a crise econômica de hoje? O que a figura de um cineasta como Costa-Gavras agrega a esse todo? 

Tudo na vida é improviso. Algumas entrevistas foram acontecendo ao passo em que me dispunha a entrevistar aquela pessoa e chegava a ela com uma pauta ampla. Depois, cortava e encaminhava para diferentes filmes. Nunca faço um único projeto. E, na medida que viajo, tento chegar perto de entrevistados interessantes. Foi o caso do Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia. Eu estava em Roma e, quando consegui por intermédio de um amigo jornalista, parti para Atenas e fiz a entrevista. Chegar ao Costa-Gavras foi uma luta também.

O que aconteceu com a pobreza brasileira desde que “Dedo na ferida” foi rodado até hoje?

Cresceu muito. Durante o “Impeachment da Dilma”, termo usado para descrever aquele momento histórico que chamo de Golpe, falava-se no número de 12 milhões de desempregados. Hoje, falam-se em 24 milhões de desempregados. A miséria perambula pelas ruas, dorme embaixo de marquises, sofre com o desgoverno que estamos vivendo. Reclamava-se que Dilma congelou o gás e os combustíveis, e agora reclamam dos aumentos excessivos. Falo dessas mazelas com muita tristeza, mas com a certeza que vamos mudar o mundo para melhor.

Como você avalia a Era Dilma?

Acho que a esquerda tem que fazer uma profunda autocrítica e apontarmos nossos faróis para o futuro, ao invés de ficarmos nos pisoteando em nome do passado.

Temer já disse a que veio? Que medos você tem em relação às eleições?

O governo Temer nem começou e não deixará marcas positivas na história. Tenho medo de não acharmos um candidato consensual. Temo que a gente venha a patinar nas eleições, atrasando mais ainda a virada que precisamos dar rumo ao futuro.

Qual é o papel do seu cinema no atual contexto político do Brasil?

Alertar sobre as necessidades que temos de mudar a vida. O calendário da arte não é o calendário eleitoral. As eleições passam, a vida continua. Meus filmes continuam a luta por um mundo melhor.  

* Rodrigo Fonseca é roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)