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Dines, mestre do jornalismo, nossa maior referência

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Jornalista inovador e obstinado, crítico da imprensa, escritor, professor e rebelde, morreu ontem em São Paulo, aos 86 anos, Alberto Dines, em decorrência de uma pneumonia. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, no Morumbi, na Zona Sul da capital paulista. Deixa viúva, a jornalista Norma Couri, e quatro filhos. O sepultamento de seu corpo está marcado para as 13h30 de amanhã, no cemitério de Embu das Artes.

Dines foi responsável pela consolidação do JORNAL DO BRASIL, onde trabalhou de 1962 a 1973, como o mais importante veículo de comunicação da América Latina, valendo-se de criativas estratégias para driblar o regime militar e denunciar a censura imposta à imprensa. 

Também foi crítico e analista da imprensa por décadas, lançando o “Observatório da Imprensa” e inspirando gerações de jornalistas e cidadãos na defesa da liberdade de expressão e da democracia. Pensava que “o leitor não é consumidor, mas cidadão. O jornalismo é serviço público, não espetáculo.”

Como na promulgação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 1968, quando coordenou a edição da primeira página do JORNAL DO BRASIL, valendo-se de termos da meteorologia para denunciar a mão forte da censura que chegava: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos...”.

Ou quando, mediante a proibição de noticiar no alto da capa do jornal a morte do presidente chileno Salvador, em 11 de setembro de 1973, decidiu eliminar a manchete e publicar o texto inteiro na capa.

Um jornalismo inovador e livre

Dines nasceu em 19 de fevereiro de 1932, no hospital da Beneficência Portuguesa, no bairro da Glória, filho de imigrantes vindos da Rússia. O pai chegou ao país como cidadão polonês e era ativista da comunidade judaica, desde a Polônia, onde atuava com organizações de refugiados e de apoio social.

Iniciou a carreira jornalística ainda na adolescência, no Ginásio Hebreu Brasileiro, antiga escola judaica com professores de esquerda. Motivados com a mobilização do Brasil contra o nazifascismo a partir de 1942, Dines e colegas criaram uma pequena publicação. O veículo já apresentava marcas características de sua carreira: a liberdade de pensamento e a contestação. “O jornalzinho era muito livre, os professores não interferiam. Até gozávamos de alguns deles”, recordou-se, em depoimento ao Centro de Cultura e Memória do Jornalismo, em 2008.

A trajetória profissional começou em 1952, na revista “A Cena Muda”, como crítico de cinema. Este passo foi dado um pouco por acaso, aos 18 anos. “Meu sonho era estudar cinema em Paris. Não consegui: naquela época, para ter bolsa de estudo você tinha que ter pistolão, e eu não tinha. Mas me dediquei ao negócio do cinema com muito afinco, estudava, ia a cineclubes. Aí um dia me convidaram para ser crítico de cinema da ‘A cena muda’, um veículo importante”.

O passo seguinte foi a recém-criada revista “Visão”, cobrindo teatro e cinema. Pouco depois, passou a fazer reportagens políticas. Em 1957, seguiu para a extinta revista “Manchete”, onde tem a oportunidade de desenvolver textos maiores e mais autorais. Em razão de uma doença de chefe, Nahum Sirotsky, assume um cargo de chefia e edição pela primeira vez, aos 26 anos. Também encontraria um problema recorrente de sua trajetória: tensões com os superiores hierárquicos. Segundo Dines, Adolpho Bloch, proprietário da revista, “não era um jornalista, ele queria era publicar foto bonita”. Embora entendesse que a parte gráfica das matérias era indispensável – um conhecimento que atribuía ao antigo interesse por cinema – Dines desejava priorizar os fatos históricos da época. Um exemplo da conturbada relação entre os dois é uma briga envolvendo a primeira ida do homem ao espaço, dos astronautas russos do Sputnik. O jornalista queria noticiar o acontecimento com destaque, o que Bloch não admitia, em razão da baixa qualidade da foto disponível. Da experiência na revista, Dines lembraria que a “contribuição de Bloch [ao jornalismo] foi puramente gráfica”

A convite de Samuel Wainer, seguiu em 1959 para “Última Hora”, para editar o caderno cultural. Do autor de “Minha razão de viver”, lembrava-se como de alguém “muito coerente, que nunca teve uma vacilação”. Isso não impedia, entretanto, a existência de conflitos com a direção do jornal: Dines representava um novo jornalismo, ágil e não ideológico, enquanto Wainer alinhava-se ao getulismo, mesmo anos após a morte de Vargas. O resto da redação fazia piadas relacionadas a sua ascendência judaica, que o incomodavam. Da “UH” foi para o “Diário da Noite”, vespertino especializado na cobertura de polícia. No final da vida, diferenciou os crimes passionais e acidentes de trânsito que costumava cobrir na década de 1950 dos padrões contemporâneos de violência. “A favela virou ao que é hoje nos anos 80. Não estou romantizando o passado, mas o que havia então era a violência normal de uma grande cidade”. Passou ainda por “A Tribuna da Imprensa”, antes de assumir como editor-chefe no JORNAL DO BRASIL em janeiro de 1962.

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WILSON FIGUEIREDO 

TRABALHOU COM DINES NO JB DE 1963 A 1973

Um organizador

Wilson Figueiredo, que completa 96 anos, em 29 de junho, acompanhou, como repórter, colunista político, editorialista e Diretor de Redação todas as fases da modernização do JORNAL DO BRASIL do final dos anos 1950 até a saída das bancas em 2010. Para ele, “Alberto Dines não inventou nada. Mas revolucionou o JB e a imprensa que estava exaurida no ?m dos anos 50”. O jornalismo estava no fim de uma era. “Os jornais eram empreendimentos familiares, como foi o caso de Nélson Rodrigues e família, e os jornalistas eram recrutados por prestígio político ou para complementar o salário de uma repartição pública, da qual funcionavam como contínuos de luxo”, recorda Figueiredo. 

Na sua avaliação, “Alberto Dines deu sequência à reforma gráfica do JB imprimindo organização à imprensa brasileira. E, mais do que isso, deu forma à reforma gráfica ao limpar as páginas do jornal e valorizar os tipos impressos no fundo branco das páginas, além das fotos, que passou a valorizar; e teve grande importância no JORNAL DO BRASIL nos movimentos contra a censura e a repressão no regime militar”. 

Figueiredo recorda que, antes de Alberto Dines impor sua marca nas páginas do JB, o jornalismo era “meio ingênuo”, “sem profissionalismo”. Ele lembra que Dines fez escola no próprio jornal ao criar , em 1967, o Curso de Jornalismo do JORNAL DO BRASIL, aberto a estudantes de Comunicação, que se submetiam ao teste de seleção. As turmas de 30 alunos foram conduzidas por Fernando Gabeira até 1970, quando caiu na clandestinidade ao participar do sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick. Gabeira foi substituído na Editoria de Pesquisa e no Curso por Roberto Quintaes.

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JANIO DE FREITAS 

ANTECEDEU DINES NO JB, DE 1959 A 1962 

Outra dimensão

Antecessor de Alberto Dines, Janio de Freitas, 85 anos, colunista da Folha de S. Paulo, não chegou a trabalhar com Alberto Dines, mas considera que o jornalista teve uma “importância enorme para o JORNAL DO BRASIL”. Janio, que tinha formação de gráfico e de diagramador, foi editor do JB de 1959 a 1962. Lembra que enquanto Amílcar de Castro fazia uma revolução estética no então Suplemento Feminino, que em 1960 Janio batiza de Caderno B, ele já havia retirado a profusão de fios na primeira página do JB, então, basicamente um jornal de classificados. Janio deixou o jornal em 1962, indicando para seu lugar José Ramos Tinhorão, que “se desentendeu com o vice-presidente executivo M. F. do Nascimento Brito, genro da Condessa Pereira Carneiro, e deu Lugar a Omer Monte Alegre. Omer ficou pouco tempo e foi substítuído pelo Alberto Dines”. 

“Com a experiência da revista ‘Visão’; ‘Última Hora’, de Samuel Wainer; ‘Manchete’; ‘O Jornal’ e o ‘Diário da Noite’, dos Associados, Dines ampliou a redação, organizou as editorias e deu outra dimensão política ao JORNAL DO BRASIL”, disse, por telefone ao JB. 

Janio de Freitas destaca o sentido cosmopolita e moderno de Alberto Dines. Ao acompanhar as novidades dos jornais americanos e ingleses, inclusive tabloides, com a liberdade gráfica e o texto organizado, a partir do lead e sublead, deu aspecto organizado à primeira página e às diversas editorias e colunas com assuntos temáticos. Ele transformou o JB numa escola de jornalismo muito avançado e elegante para a época.

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Vanguardista incansável

No JORNAL DO BRASIL, Dines encontrou um ambiente receptivo a suas ideias vanguardistas de jornalismo. Em 1956, sob o comando de Amílcar de Castro, o jornal introduzira uma reforma gráfica que o próprio Dines definiu como “revolucionária”, eliminando os fios entre as matérias e valorizando os espaços brancos. O então proprietário do jornal, Nascimento Brito, pensava em desfazer a reforma e voltar ao modelo anterior, mas Dines o convenceu do contrário.

“A não ser na parte política, eu tinha liberdade pra tudo. Nós demos passos importantíssimos que ficaram até hoje na imprensa”, recordava-se em 2008. Entre as novidades estavam a introdução de reuniões de pauta, a mudança do horário do expediente para mais cedo (que permitia um maior planejamento) e a consolidação de editorias, com as criações inéditas no Brasil de uma editoria de fotografia e de um departamento de pesquisa.

Dines ficou exatos 11 anos e 11 meses no JB. À frente de uma equipe que incluía, entre outros, Fernando Gabeira, Armando Nogueira, José Ramos Tinhorão e Wilson Figueiredo, suas inovações tornaram o jornal um modelo para o país inteiro. “O próprio nome JORNAL DO BRASIL ajudou muito nesse sentido. E o Rio de Janeiro, como capital que havia sido, era uma cidade com vocação nacional. O caráter do carioca transbordava para o Brasil”, afirmou.

O jornalista diferenciava a repressão à liberdade de imprensa antes e depois de 1968. Segundo dizia, “o golpe militar de 64 não provocou grandes alterações no fazer jornal. Cobria-se e publicava-se tudo. Em certo momento, o jornal até se opôs à candidatura do general Costa e Silva”.

Isso mudou com o AI-5, o que motivou a histórica edição anunciando nuvens carregadas no país. “Assim que escutei o anúncio do AI-5 liguei pro Brito, subi pro gabinete dele e falei: ‘Vai começar a censura, e nós temos que avisar o leitor. Porque, a partir de agora, ele não pode acreditar inteiramente no que vamos dizer’. Ele falou: ‘Dines, você pode comandar isso, mas não quero bagunça nem indisciplina na redação’. E assim foi feito. Eu desci e avisei: ‘Gente, nós vamos fazer uma edição rebelde’. Depois, o Carlos Lemos, que era o meu segundo, grande amigo e companheiro, falou: ‘Olha, acho que fizemos uma edição histórica. Porque o JB tomou uma posição, fez uma coisa que vai entrar para a história’. E efetivamente entrou.”

Sobre a edição sem manchete, anunciando o golpe de Pinochet, igualmente histórica, a decisão ocorreu tarde da noite, quando chegou uma proibição da polícia de que o assunto fosse dado com destaque. Dines resolveu “seguir estritamente” a ordem, imprimindo o texto sem cabeça na maior fonte possível, o que chamou muito mais a atenção do que se tivesse seguido os padrões.

Embora inesquecível, a capa não o impediria de ser demitido três meses depois por indisciplina. Dines atribuiria a demissão à insubordinação: “Estava me insurgindo. A capa do Allende foi uma rebeldia minha. Ele [Brito] estava preocupado que se fizesse alguma maluquice, como de fato fiz. Mas não era uma indisciplina, era bom jornalismo”.

Dines também foi professor de jornalismo desde 1963, na PUC-Rio. Convidado para ser paraninfo de uma turma, logo após a edição do AI-5, discursou criticando a censura. Em consequência, foi preso e submetido a inquérito. Segundo dizia, sua prisão não foi noticiada por nenhum jornal brasileiro. O “New York Times”, todavia, fez editorial sobre o episódio, o que causou grande repercussão.

Em 1974, depois do JB, viajou para os EUA, onde foi professor visitante na Universidade Columbia. Retornou em julho de 1975 e assumiu a chefia da sucursal carioca da “Folha de S.Paulo”, a convite do diretor Cláudio Abramo. Em 1980, deixou o jornal, demitido por Boris Casoy, após escrever artigo denunciando a repressão do então governador de São Paulo Paulo Maluf à greve do ABC.

Em 1994, criou o “Observatório da Imprensa”, jornal de crítica e debate sobre o jornalismo contemporâneo, que ganhou versão digital em 1996 e um programa de TV em 1998 (mantido no ar até março de 2016, quando se afastou por razões de saúde).

Em um de seus últimos textos no “Observatório”, de 2017, fez uma lista de desejos: “Que a imprensa de papel sobreviva junto com a virtual, assim como o papel e a caneta Bic. Que o essencial seja o conteúdo e não o suporte. Que o pensamento mágico não se destrua por falta de alimento da mídia”.

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"A imprensa está a reboque dos eventos, sem fôlego para produzir balanços; e assim ficará enquanto os paradigmas forem ditados pelas redes sociais"

"Que as redes sociais não confundam, chutem ou enrolem tanto. Que a imprensa brasileira seja bem escrita e ilustrada e dê prazer em ler e ver"

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ALBERTO DINES 

PUBLICADO NO RELANÇAMENTO EM 2018 

Sempre JB

Café, jornal, cigarro. Cigarro, não mais, mas jornal sempre foi fundamental. O Jornal do Brasil ia além, era vício. Bibliotecas eram paraísos para Jorge Luís Borges; o JB era alimento para os cariocas e leitores de outros estados que corriam de banca em banca atrás de um exemplar. 

Correio da Manhã, revistas Senhor e Realidade, O Pasquim e tantos tabloides de literatura atormentaram os nostálgicos, mas não voltaram. 

O JB voltou. Para fazer barulho bom e peso na leveza das redes. Pedra firme em água fluida. Um adversário temido volta às bancas. 

Caixa de ressonância, guia seguro, imprensa séria, comprometida, consistente, inovadora, tudo combina com o JB. Repórter bom que briga com a matéria e com o editor. O redator que acredita: a matéria mais importante do jornal é a dele, ou a dela – como uma vez eu disse para a então estreante colunista Clarice Lispector. 

Os livros não interessavam aos tablets, e os apressados preconizavam: vão acabar. Não acabaram. As vendas de livros até aumentaram 6% no ano passado, no Brasil. E se as vendas dos jornais caem, há sempre um Warren Buffett que acredita e compra, compra, compra jornais. 

O jornalismo está impregnado do espírito sequencial, de passagem, de prolongamento e continuidade. Nosso ofício, que começa e se esgota a cada fluxo, a cada novo dia, é o exercício da permanência, da duração. Por melhor ou pior que tenha sido a edição anterior, o que vale é a seguinte. E depois dela, a outra. É um nunca acabar, ou eterno renascer. 

Um grande jornal faz-se com a consciência do tempo e a capacidade de atrair o leitor, todos os dias, para a maravilhosa aventura de saber um pouco mais. 

Há um caminho aí que é o de fazer pensar. Oferecer alternativas de pensamento e marcar presença, fazer história. Pensar grande. 

Mario Sergio Conti, em coluna recente, lembrou de “Memórias de um Antissemita”, o romance de Gregor von Rezzori: “O sangue jorra como antes. A única dignidade que se pode manter no nosso tempo é a dignidade de estar entre as vítimas”. 

No caso do JB, é brigar pelas vítimas. 

Não é fácil, mas é possível. Agora mais do que nunca.

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GILBERTO M. CÔRTES

VICE-PRESIDENTE EDITORIAL DO JORNAL DO BRASIL 

A benção, Mestre

Sem desejar ser jornalista (queria ser economista, não ligado ao mercado financeiro), a convite de amigo fiz vestibular, não unificado, em 1969. Reprovado em Economia, passei para a ECO em segundo lugar. No 3º ano de Comunicação da UFRJ, em março de 1972, estava meio sem rumo, quando li na ECO a pré-seleção para o Curso de Jornalismo do JORNAL DO BRASIL, que lia sempre pela manhã (meu pai assinava também O Globo, então vespertino, que lia à noite: que diferença!). Um com jornalismo aberto, outro com a versão oficial da Ditadura. Me inscrevi. Trabalhei três meses no Boletim Cambial, desisti e, quando ia arriscar o marketing, amigo de meu pai me indica para o Noenio Spinola, editor de Economia, na gestão Alberto Dines. Mal batia a máquina, mas organizar tabelas diárias de fundos 157 e de investimento e a página de bolsa no sábado era um bom começo. Em setembro, com dois meses de JB sai a chamada do Curso. Noenio disse que devia fazer a prova. Passei em 2º (o primeiro colocado era o RP do JB), o que prova que ler jornal sempre faz diferença. No Curso, pelo qual já passaram jornalistas consagrados como Silio Boccanera, Romildo Guerrante e Teresa Otoni, fui colega de Norma Couri. Fiz estágio no B, com Ruy Castro. Segui pela Economia e a cobertura do mercado financeiro, Dines deixou o JB em dezembro de 1973. Me convidou para o Observatório da Imprensa na TV em 2005. O reencontrava e a Norma nas celebrações do ex-JB na Fiorentina. Em 2014 recebi dedicatória no lançamento do livro sobre o Sweig. 

Aos 45 anos de profissão, Omar Resende Peres me convida para ser diretor de Redação do JORNAL DO BRASIL que iria voltar às bancas. Uma missão e tanto, adiada por um ano. Desde o começo busquei o depoimento de Alberto Dines, o maior editor com quem trabalhei sobre a importância da volta do JB. Liguei para a Norma e soube da gravidade da doença de Dines. Generoso, ele veio ao telefone no hospital e disse que seria difícil. Mas ainda mandou algumas palavras encorajadoras em mensagem. Disse-lhe que mais três palavras dele seriam manchete. Com enorme emoção, dia 1º de fevereiro de manhã, vi sua mensagem (ao lado), enviada às 22hs do dia 31. Comemorava meus 68 anos e não vi. O maior presente após o do Catito. Chorei muito, e volto a chorar. A bênção, Mestre.

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"A sociedade que aceita qualquer jornalismo não merece jornalismo melhor"

"Todo jornalismo é investigativo, ou não é jornalismo"

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DEPOIMENTOS

Ziraldo, caricaturista 

“A gente trabalhou junto por muito tempo. Ele era editor do JORNAL DO BRASIL e eu era o chargista. Meu convívio com ele foi muito intenso e agora, ele partindo dessa maneira, a gente começa a ver que está na hora de a turma se mandar, entendeu? É uma perda pessoal muito grande, uma perda para o jornalismo brasileiro imensa. Eu vou sentir muita saudade dele. Tenho a felicidade de ter participado deste momento do jornalismo brasileiro. Antes do JB, o jornalismo brasileiro não era tão formidável e tão intenso como foi na época do Dines. E vou repetir: foi o momento fantástico da nossa vida, na minha geração e dos amigos do Dines, que estão ficando por aí”

Evandro Teixeira, fotógrafo 

“Estou no lançamento de um livro sobre 1968. Falei muito de Alberto Dines, de sua coragem por enfrentar o regime militar à frente da redação do JB. Dines foi um marco do JORNAL DO BRASIL, do jornalismo brasileiro, pela coragem ao publicar capas históricas durante o período militar. Devemos isso ao Dines. Fez escola no JB e no jornalismo de todo o país.”

Jaques Wagner, ex-governador da Bahia 

“Em qualquer circunstância, a morte de um mestre do jornalismo como Alberto Dines já seria suficientemente dolorida. Mas sua partida se torna ainda mais irreparável neste momento de graves ameaças à democracia, em que o obscurantismo e as fake news emergem com tanta força. Referência de jornalismo crítico e de qualidade, Dines deixa como legado a busca incansável pela verdade, o compromisso inquebrantável com a ética, a coragem para desafiar a censura, e a ousadia de ter sido um dos primeiros críticos da imprensa no país.” 

Mário Magalhães, jornalista e escritor 

“Alberto Dines foi um gigante do jornalismo. De sua vasta contribuição ao nosso ofício, a mais notável foi o estímulo à crítica do próprio jornalismo. Em um ambiente vocacionado para criticar os outros, porém avesso ao seu próprio escrutínio, Dines pagou caro por sua coragem.” 

Jean Wyllys, professor e deputado federal 

“É com muita tristeza que lamento a morte do grande e renomado jornalista Alberto Dines, fundador do Instituto Stephan Zweig e do Observatório da Imprensa. Dines, cuja trajetória profissional contribuiu bastante para a construção de um jornalismo ético no Brasil, tinha uma atuação que caminhava na contramão da defesa do status quo que é feito pela grande imprensa tradicional”

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KRISTINA MICHAHELLES

JORNALISTA, TRADUTORA E DIRETORA-EXECUTIVA DA CASA STEFAN ZWEIG

Paixão pela beleza

Irreverente e irrequieto, Alberto Dines foi multitarefa quando a palavra sequer era moda. Enquanto construía sua brilhante trajetória jornalística, empregou a escrita afiada também para críticas de cinema, livros, biografias. Dines iniciou a carreira de escritor solo em 1972 com um volume de contos, Posso? (ed. Sabiá). Um ano depois, dá os primeiros passos como biógrafo com Érico Veríssimo, publicado pela Editora Jornal do Brasil. Em 1974, sai o livro que deveria ser leitura obrigatória para todo estudante de jornalismo, O papel de jornal (Ed. Artenova), sucessivas vezes reeditado com acréscimos. Mas sua obra mais importante é o minucioso Morte no paraíso, a tragédia de Stefan Zweig, de 1981, cuja quarta edição saiu pela Rocco em 2012. Traduzida para o alemão por Marlen Eckl, é referência no mundo inteiro de estudiosos do escritor austríaco que se suicidou no Brasil em 1942. Entender Stefan Zweig, sua obra, seu tempo e seu gesto final foi uma obsessão tão grande na vida de Dines que ele só recebeu alta da psicanálise quando o livro saiu do prelo.

Durante seu tempo de correspondente em Lisboa, a inquietação intelectual de Dines o fez mergulhar na vida de outro personagem, Antônio José da Silva, o Judeu. Vínculos do fogo (Cia. Das Letras, 1992) mereceu o Jabuti de Estudos Literários em 1993. Por último, um livro menos lembrado, que traça os rumos de uma família de tesoureiros de reis desde o século XII: O baú de Abravanel: uma crônica de sete séculos até Silvio Santos. As obras coordenadas e organizadas por Dines são tão numerosas que o historiador Fábio Koifman teve dificuldade em listá-las no livro Ensaios em homenagem a Alberto Dines, que as Edições de Janeiro lançaram em 2017 por ocasião de seus 85 anos. 

Sua última obra não é de papel, e sim de pedra: a Casa Stefan Zweig, pequeno museu encravado na Rua Gonçalves Dias 34, em Petrópolis, na última morada do escritor austríaco e de sua segunda mulher, Lotte, inaugurado em 2012. Convivemos ao longo dos últimos 12 anos em torno do seu alter ego. Cético com os rumos do mundo, como Stefan Zweig, Dines nos legou o mesmo humanismo, o entusiasmo pela verdade e a paixão pela beleza.

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SYLVIO BACK

DIRETOR DE “LOST ZWEIG”

Apaixonados pelo cinema

Ainda que tenha sido jornalista quando jovem (fui o primeiro copydesk da imprensa paranaense), conheci Alberto Dines antes pelo seu talento, texto e expertise como autor da histórica revolução gráfico-textual do “Jornal do Brasil”. Pessoalmente, foi às vésperas da publicação da sua bela biografia, “Morte no Paraíso”, cujos originais tive o prazer de ler em 1981 nas provas da editora. Por coincidência, estávamos apaixonados pelo mesmo personagem, Stefan Zweig (1881-1942). Não demorou e descobrimos que ambos éramos também apaixonados pelo cinema, ele que fora roteirista da produtora paulista Multifilmes, nos anos 1950. Comprados os direitos autorais para adaptar seu “Morte no Paraíso” ao cinema, parti para a escritura do roteiro, pois ali se encontrava a chave de uma originalidade inexistente nas biografias europeias e americanas sobre Zweig: a “vida brasileira” do grande escritor austríaco. Foi a partir desse mar investigativo singrado por Dines que passei a formatar o roteiro do meu longa-metragem, “Lost Zweig” que, tão logo concluído, concorrendo no Festival de Brasil, foi premiado, justamente, pelo roteiro, cuja autoria compartilho com o cineasta irlandês, Nicholas O´Neill. Como literatura é invisibilidade e cinema, visibilidade, todo o autor fica extasiado quando vê o que imaginou tornado “realidade” na telona. Assim, jamais vou esquecer que, à saída da projeção do cine Brasília, Alberto Dines, com lágrimas nos olhos, me abraçou fraternalmente, dizendo: “Muito obrigado, Back, você não traiu nosso Stefan Zweig”. Melhor memorial que este impossível.

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"Talentos não faltam, consciência e decência, idem. O que falta em nossas redações é independência"

 "O jornal é um canto de sossego. O leitor sabe onde vai encontrar as coisas, ele se sente à vontade para buscar aquilo que lhe interessa"

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NILSON LAGE 

PROFESSOR DE COMUNICAÇÃO 

Meu colega Alberto Dines

Quando ouvi falar de Dines pela primeira vez, anos 1950, ele dirigia uma revista, Fatos&Fotos, da Bloch Editores, contrapartida dinâmica, menos colorida e mais jornalística de Manchete, carro-chefe da mesma empresa, então ascendendo como concorrente de O Cruzeiro, dos Diários Associados.

Encontrei-o em 1962 – conhecemo-nos então – quando assumiu a função de editor-chefe do JORNAL DO BRASIL, com o comando da redação e do projeto gráfico que se inovara nos anos anteriores a partir do disciplinamento original construtivista de Amílcar de Castro. Dividia o controle do jornal com outro profissional, Wilson Figueiredo, indicado por Odylo Costa, filho, da Assessoria da Light. Estava em curso o processo de cooptação da grande mídia brasileira para o golpe de Estado de 1964 e a missão de Wilson era justamente conter a suposta ameaça subversiva dos “idiotas da objetividade” do copy-desk que eu chefiava.

Coube a Dines apartar uma briga física entre mim e Wilson, na antiga redação da Avenida Rio Branco.

Quando Dines, afinal, assumiu o controle efetivo da linha editorial, nos anos difíceis que se seguiram a 1964 – outros grandes jornais, o Correio da Manhã e o Diário de Notícias, estavam submetidos a garrote econômico e sofriam perseguição policial – manteve linha cautelosa mas independente, com episódios antológicos de resistência: a previsão do tempo catastrófica na edição que noticiou a assinatura do AI-5 e a primeira página só com o texto, sem título, quando a censura proibiu registrar “em manchete” o golpe e assassinato de Salvador Allende, presidente do Chile.

Foi a demissão de Alberto Dines do JB, pouco depois, que me convenceu a investir na vida acadêmica, convencido de que a imprensa inevitavelmente se tornaria o que é hoje, um sistema publicitário uníssono, sujeito a meritocracia invertida, com espaço mínimo para o testemunho da realidade.

Tivemos, daí em diante, carreiras paralelas. Ele esteve Portugal, ajudando a reformular a mídia após os anos de chumbo do salazarismo – e se houve tão bem que os jornais de lá são bem mais jornalísticos do que os de cá. 

Desenvolveu trabalho importante no magistério, na crítica da mídia e escreveu dois livros que permanecerão: as biografias de Antônio José da Silva, o Judeu, dramaturgo nascido em São João de Meriti que modelou o teatro português pós Gil Vicente, tornou-se conhecido como precursor da modinha e morreu estrangulado e queimado por ordem da Inquisição, em 1739 (“Vínculos de Fogo”); e de Stefan Zweig, o incompreendido autor de “Brasil, pais do futuro” (“Morte do Paraíso”). Deve-se a ele a informação mais pungente sobra a saga dos judeus portugueses e brasileiros submetidos à impiedade cristã na Era Moderna.

Dines entendia a imparcialidade jornalística como a contraposição de fatos positivos e negativos. Se escrevesse hoje sobe a Venezuela, por exemplo, relataria a eleição de Maduro e, no mesmo texto, mostraria a difícil situação do povo sob o governo bolivariano. Penso, pelo contrário, que a verdade não depende do equilíbrio dos opostos, mas está no eixo da oposição que se impõe aos fatos. Em breve, espero, voltarei a discutir isso com ele.

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DEPOIMENTOS

Florestan Fernandes Junior, jornalista 

“Tive a honra de ser amigo e parceiro de Dines no Observatório da Imprensa e também no projeto Histórias do Poder, uma série para a TV que virou livro e ganhou o prêmio Jabuti como melhor projeto gráfico. Perdi hoje não apenas um amigo querido, mas um mestre que muito me ensinou. Suas pautas eram verdadeiros tratados de economia, política e cultura.” 

Chico Alencar, deputado federal 

”Parem as máquinas – por um minuto de silêncio. Perdemos hoje o jornalista, professor e escritor Alberto Dines. Fundamental para a história do jornalismo brasileiro, Dines soube unir o estudo, a prática e a crítica jornalísticas, e foi o 1º grande ombudsman do Brasil. Fará falta.” 

Ivana Bentes, professora e pesquisadora 

“Adeus, Alberto Dines! Das últimas gerações dos “velhos homens de imprensa” com uma cabeça jovem, desengessada e aberta ao novo. É assim que gira a roda: Alguns são anunciadores e realizadores, inventores e outros se agarram e defendem mundos que já não fazem mais sentido. Se o jornalismo não defender a vida contra sua financeirização e monetização, se não estiver aberto ao novo, serve para quê? Manter desigualdades e privilégios.” 

Alessandro Molon, deputado federal 

“Hoje o Brasil perdeu um exemplo de criatividade, profissionalismo e luta contra a censura. Um grande jornalista! Que a caminhada de Alberto Dines continue a nos inspirar na busca por um país melhor.” 

José Trajano, jornalista 

“Tive o privilégio de, ainda menino, aos 16 anos, tê-lo como editor-chefe no velho e inesquecível Jornal do Brasil. Educado, sempre preocupado com a ética jornalística. Bem lembrado. Era tijucano e torcedor do América.” 

Eliomar Coelho, deputado estadual 

“Não dá pra falar no jornalismo brasileiro sem falar no Dines, que passou por diversos veículos, lecionou para estudantes e é autor de 15 livros. Foi um defensor da regulação da mídia brasileira, o que o tornou referência no debate sobre o tema, motivando a criação do Observatório — canal de resistência na luta contra o oligopólio midiático que a ausência de regulação permite que exista no Brasil, onde poucas famílias controlam todos os veículos e determinam o que devemos saber e como devemos saber. 

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"Nos Estados Unidos, o jornalismo investigativo faz parte do cotidiano. Aqui, é excepcional"

"A reforma de 1956 do JB foi uma das mais importantes revoluções, não apenas gráficas, mas jornalísticas brasileiras"

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JOSÉ ROBERTO ARRUDA

JORNALISTA DE ECONOMIA, ATUOU NO JB DE 1964 A 1970

Rigor na apuração

José Roberto Arruda, 79 anos, lembra no livro “Eterna Colônia, a Política da Dominação”, que acaba de lançar pela Editora Personal, uma lição marcante que reflete o rigor e a preocupação com o jornalismo ético impostos por Alberto Dines no JORNAL DO BRASIL. Ele trabalhou na editoria de Economia de 1964 a 1970 e recorda que, “jovem repórter do jornal, estava apurando investigações feitas pelo Ministério da Fazenda sobre remessa ilegal de dólares ao exterior. Nos dias seguintes à tomada do poder pelos militares a operação foi montada como forma de repatriar os dólares enviados por brasileiros que tinham alguma poupança. Socialites, celebridades, empresários, todos iam depor perante uma Comissão Ministerial que era secreta”. Arruda tinha bons informantes e garantia furos e primeira página no jornal. 

Aí vem o problema. “Um determinado dia, noticiei que o Embaixador Walter Moreira Salles iria depor na Comissão de Repatriamento de Capitais. Dines, com a minha matéria em mãos, perguntou se tinha confirmado com o diplomata e banqueiro a informação”. Disse que não e que minha fonte era segura, origem de todos os furos de reportagens anteriores e nunca tinha falhado. Dines voltou a afirmar que não publicaria a matéria porque não achava possível um Embaixador e dono de banco usando esse expediente”. 

Arruda ficou frustrado e foi confirmar com a fonte. Esta disse que Dines não queria publicar porque o irmão dele estava na lista. Teimoso, foi falar com o ministro da Fazenda, Octávio Gouveia de Bulhões, que lhe deu a lista. Lá não estava o Embaixador, mas sim o irmão de Dines. O Editor do JB publicou a lista na primeiro página. Com seu irmão irmão nela.

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DEPOIMENTOS

Álvaro Caldas, jornalista 

Conheci Alberto Dines no Jornal do Brasil, ainda na primeira sede da Rio Branco. Entrei como “foca” em 1964, no ano do golpe, e ele era o então editor-chefe da redação. Saí em 1969 como repórter especial. Dines era um dos melhores da redação. Exercia o jornalismo com convicção. Para ele, a atividade jornalística era fundamental. Sempre transmitia a experiência dele. Deixou sua marca no melhor jornal brasileiro. Trabalhar com ele era o sonho de todo foca.” 

Emília Ferraz, editora-executiva do ‘Sem Censura’ 

“Trabalhar e conviver com Dines durante 15 anos no “Observatório da Imprensa” foi o melhor presente que já recebi como profissional. Alberto Dines era uma referência em jornalismo, qualquer conversa eu recebia uma aula de história, ética e pacifismo. Tinha uma memória extraordinária que aprendi a não duvidar depois de perder algumas apostas com ele. Lembrava de todos que participavam do programa e até do que falavam!” 

Manuela D´Ávila, jornalista e deputada 

“O jornalismo , que vive uma fase tão difícil, perdeu uma de suas vozes mais cultas, talentosas e críticas. Como jornalista, me dói especialmente porque ele foi uma referência importante da minha formação.” João Barone, músico “Uma perda e tanto, Alberto Dines, um grande lutador da imprensa livre de nosso país, o grande homem foi, mas a grande obra, fica.” 

Juca Kfouri, jornalista 

“Sempre o chamei de Albertinho e fiz questão de não tratá-lo com a reverência que merecia dos mais jovens. Ficam a dor da perda de tão longe, o carinho e a saudade, para sempre.” 

Michel Temer, presidente da República 

“O jornalismo brasileiro perde um dos pilares da ética e do profissionalismo. Alberto Dines passou pelos mais importantes veículos do país e criou uma geração de jornalistas comprometidos com a correção da informação. Meus cumprimentos à família.”