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Documentário sobre impeachment de Dilma estreia com eco positivo na Europa

'O processo', de acordo com a diretora Maria Augusta Ramos, revela um país extremamente polarizado

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Embora tenha ficado de fora do pacote de atrações de Cannes, o documentário “O processo” é um dos assuntos mais quentes na Croisette, não apenas pelo prestígio internacional que angariou em sua estreia no Festival de Berlim, em fevereiro, mas pela curiosidade ética que suscita no imaginário político acerca da América Latina. Coroado na Berlinale com quilos de elogios e um prêmio do júri popular, o novo longa-metragem de Maria Augusta Ramos (de “Juízo”, “Justiça” e “Futuro junho”) estreia em circuito brasileiro hoje, carburado de láureas. Aliás, o interesse de Cannes por ele aumentou há uma semana, depois de ganhar o prêmio de melhor longa-metragem internacional no Festival Documenta Madri, na Espanha. Sua vitória em solo espanhol se dava enquanto a Croisette conferia uma seleção de coproduções do Brasil com outros países: “Los silencios”, de Beatriz Seigner; “Diamantino”, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt; e (o sublime) “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues.

>> Documentário O Processo é 'autópsia do cadáver da democracia'

Em paralelo às vitórias na Espanha e e na Alemanha, “O processo” já havia recebido o Prêmio Silvestre e o Prêmio do Público de melhor longa-metragem no Festival Indie Lisboa, em Portugal, e conquistado o troféu de Melhor Longa-Metragem na Competição Internacional do Festival Internacional de Documentários Visions du Reel em Nyon, na Suíça. 

Na entrevista, Maria Augusta, reconhecida como uma das maiores documentaristas das Américas, fala sobre como sintetizou quase 400 horas de material filmado sobre os trâmites judiciais que tiraram Dilma Rousseff do Palácio do Planalto.

JORNAL DO BRASIL - Como foi organizada a montagem do material bruto de “O Processo” e que linha narrativa guiou a edição para sustentar o tom de espetáculo que marca vários dos grupos políticos ali envolvidos?

MARIA AUGUSTA RAMOS - A montagem foi estruturada por mim e por minha montadora, Karen Akerman, a partir da definição do foco do filme. E decidimos que o foco recairia no processo jurídico-político que se dá no Senado Federal após a aceitação da denúncia pelo plenário da Câmara. Neste sentido, esta decisão norteou a edição no que se refere à escolha de uma unidade de lugar - Brasília, o Senado, o Alvorada e os arredores - e também no respeito à cronologia dos fatos. Isso nos norteou na montagem. Além disso, a escolha dos personagens também definiu a linha narrativa. Por outro lado, nunca houve a intenção de espetacularizar o rito do impeachment, e sim de destrinchar o palavrório jurídico, de maneira a torná-lo mais palatável ao espectador, de modo que cada um pudesse interpretar, com clareza, aquele processo tão complexo e repleto de várias narrativas. Mas, como estávamos fazendo cinema, também nos preocupamos com mise-en-scène, dramaturgia, pausas e elipses.

Como foi a estruturada a linha de ação das filmagens em relação aos espaços e às datas? Houve resistência à filmagem de algum dos lados?

Foi muito difícil estruturar as filmagens, porque não sabíamos o que iria acontecer. Havia fatos e eventos novos surgindo a qualquer hora, a cada dia. A decisão de focar no processo jurídico-político no Senado, por si só, estabeleceu uma estrutura de filmagem e, por fim, o acesso à defesa da presidente Dilma Rousseff também me permitiu filmar as reuniões e a própria Dilma, enquanto afastada no Alvorada. Vale ressaltar que buscamos ter acesso às reuniões privadas dos agentes políticos que estavam na acusação, mas, de quem estava no campo pró- -impeachment, somente a advogada Janaína Paschoal nos permitiu uma aproximação mais íntima.

Como você avalia a dimensão trágica (uma vez que há uma clara dimensão de espetáculo no filme, a palavra cabe) da figura de Dilma no teu filme? Que tipo de dramaturgia do real vocês construíram? 

Não concordo com essa caracterização da presidente Dilma. A realidade é dramática por si só. Ao captar corretamente, a câmera mostra tudo. E o filme foi montado com o objetivo de revelar a essência desse processo.

Que Brasil você encontrou nas filmagens e e qual o Brasil que recebe agora o teu “O processo”?

A minha visão sobre o Brasil naquele período histórico está revelada nos 137 minutos de filme. Certamente, o que se vê no filme é um país extremamente polarizado, algo que se reflete e segue em evidência no país em 2018. 

 *Rodrigo Fonseca é roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)