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Afetações entre dois grupos por um teatro em transe

CCBB apresenta ‘Dostoiévski-Trip’, que une Mundana Companhia e Cia Livre em cena

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Passados 30 anos de respeitados serviços prestados ao teatro brasileiro, a paulista Cibele Forjaz - à frente de “Dostoiévski-Trip”, primeira montagem para o texto do russo Vladímir Sorokín no país, que estreou ontem no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) -, frisa que os processos de criação estão cada vez mais coletivos na atualidade. O que situa a união no palco da Mundana Companhia e Cia Livre, dois dos mais importantes grupos em atividade em São Paulo. “Fico mais observando, de fora, o desenvolvimento do que os atores-criadores propõem. A figura do encenador não se sobrepõe. Sou das duas companhias e estou na função de diretora mas a encenação é porta-voz dos desejos do elenco”, afirma.

O elenco de “Dostoiévski-Trip” é composto por Aury Porto, Edgar Castro, Guilherme Calzavara, Luah Guimarãez, Lúcia Romano, Marcos Damigo, Sergio Siviero e Vanderlei Bernardino. A montagem flagra oito pessoas disponíveis para todo tipo de válvula que os faça escapar da realidade. Enquanto aguardam uma droga nova, devoram clássicos universais que os transportam para universos paralelos. Não têm nome, atendem por números e estão no limite da abstinência. Cobaias por opção própria, estão prestes a experimentar algo potentíssimo. “Diria que é uma droga 5G”, explica Cibele. 

“O que acontece no texto é uma contradição entre o próprio mundo do século XIX, que é retratado pelo Dostoiévski, e o momento em que o Sorókin escreve, na Rússia dos anos 1990, no choque do fim do século e pós-perestroika”, destaca. Sorókin é professor de literatura russa. As drogas têm nome de autores como Kafka, Tolstói, Beckett, Nabokov. Na hora de consumir a “droga 5G”, há o suficiente apenas para sete pessoas do grupo. Finalmente, quando o traficante chega, traz o livro “O Idiota”, de Dostoiévski, uma “droga que  ainda está em experiência”. 

É quando a narrativa abre lugar para evocar um trecho de “O Idiota”. “Fala sobre como nossa inteligência é considerada mercadoria e os intelectuais sempre viveram isso de perto. O próprio Dostoiévski era jogador inveterado. Ele chegou a perder no jogo livros que sequer tinha escrito ainda, caso de “Os irmãos Karamazov”, destaca a diretora. 

Cibele conhece desde 1987  boa parte dos atores-criadores envolvidos na montagem; com eles integrou o Núcleo de Teatro Oculto, como relembra a atriz Lúcia Romano da Cia Livre. “Ainda bem que a gente não foi premonitório, não permanecemos ocultos”, brinca. Os grupos fizeram juntos a desconcertante montagem “O idiota - Uma novela teatral”, em 2010. “Foi marcante para todo mundo. Tinha uma grandiosidade que reverberava a esperança geral no país. Adaptar um romance colossal e importante como este de Dostoiévski, com 7 horas e meia de duração, foi um divisor de águas. Fazer parte desse universo de atores-criadores é possível pela intimidade artística que temos e também pela identidade de gerações”, afirma Lúcia. 

O encontro em “O Idiota” levou à “Dostoiévski-Trip”. A tradutora Arlete Cavalieri assistiu a encenação e sugeriu à Cibele Forjaz conhecer o texto de  Sorokín, então em processo de tradução para a Editora 34 (o texto é parte da Coleção Leste). Fundador da Mundana Companhia, Aury Porto, um dos atores-criadores,  diz que a peça é sobre o excesso de sensações que são ventilados pela publicidade e mídia em geral, a partir do consumo desenfreado. “Vende-se hoje o mundo do consumo e do prazer imediato, a classe média toda pode consumir sensações à vontade. Na peça, o livro é a droga da vez”. 

“Dostoiévski-Trip” amplia os significados propostos por Sorokín. Inclui um vídeo com registro sobre a Maloca Jaceguai, que ficava em frente ao Teatro Oficina, desocupada pela polícia civil em 2017, quando foram desalojados e seus pertences incinerados. Dez crianças viviam com as famílias no lugar. “É uma forma da gente contar uma outra história para aproximar a Rússia do Brasil no século XXI. E, no caso da junção da Mundana e da Cia Livre, optamos por mostrar Dostoiévski tomado como uma droga que a sociedade contemporânea não pode suportar, pois a sua poesia e sua humanidade não cabem mais nesse mundo, em que as relações sociais estão marcadas pela egotrip”, explica a encenadora.

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Serviço 

“Dostoiévski-Trip”, de Vladímir Sorókin - Com a Mundana Companhia e Cia Livre 

Direção: Cibele Forjaz 

Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) 

Qui. a dom., às 19h. Até 3 de junho 

Sessões extras sábados e domingos às 16h - exceto hoje 

Duração: 90 min 

Classi?cação indicativa: 16 anos 

R$20 e R$10 

Ingressos na bilheteria do CCBB ou no site www.eventim. com.br