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Anima, Cannes

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Danado da vida com a notícia de que vai ganhar uma irmãzinha, Kun, um garotinho de 4 anos, dotado da habilidade de viajar no tempo, promete botar Cannes para brincar numa ciranda animada atípica para o mais prestigiado evento cinéfilo do Velho Mundo: o guri é o astro de “Mirai of the future”, um dos 20 filmes selecionados para a Quinzena dos Realizadores de 2018.

Em sua 71ª edição, agendada de 8 a 19 de maio, a ser inaugurada com um drama de língua espanhola com Penélope Cruz, Ricardo Darín e Javier Bardem no elenco (“Todos lo saben”), o festival francês vem deixando clara a sua aposta na renovação de suas convenções. Na última quinta, parte de sua programação competitiva foi anunciada apostando em um só medalhão (Godard), em cineastas maduros famosos pela provocação política (Spike Lee, Jafar Panahi) e em diretoras alinhadas com o pleito do empoderamento feminino (Nadine Labaki).

A confirmação de seu interesse em se repaginar veio na manhã de terça, com o anúncio de sua mais importante mostra paralela à briga pela Palma de Ouro: a Quinzena, que começa no dia 9 de maio com o novo trabalho do premiadíssimo diretor colombiano Ciro Guerra, de “O abraço da serpente”: um drama sobre tráfico de drogas nos anos 1980, chamado “Pássaros de verão” e codirigido por Cristina Gallego. Encontrar um legítimo exemplar da japanimation ao lado de um experimento autoral latino-americano é um sinal de novos tempos para um evento que vinha se cristalizando em torno das mesmas vedetes (Michael Haneke, irmãos Dardenne, Olivier Assayas, Roman Polanski).  

Agora tem gente nova, cheia de... animação. Qualquer diretor em início de carreira se estapeia por uma vaga na Quinzena: criada em 1969, a seção comporta majoritariamente premiações paralelas (prêmios de sindicatos de técnicos cinematográficos, de cineclubes, de críticos), porém é organizada a partir de um critério de seleção tão rígido que concede prestígio imediato (e a atenção do mercado exibidor) a seus participantes. Hosoda, que ganhou notoriedade após emplacar o fenômeno popular “O rapaz e o monstro” (2015), agora alcança um novo patamar profissional – leia-se status de autor – ao integrar a mostra com “Mirai of the future”.

Seu desenho, anunciado como um olhar filosófico sobre a infância, já atiça os distribuidores internacionais: seu trailer, calcado na fantasia, é dos mais comerciais. Mas veteranos também ganham passando por essa vitrine: Marco Bellocchio (de “Vincere”), um dos mais aclamados realizadores do nuovo cinema da Itália dos anos 1960, também que quis estar na Quinzena deste ano, só que com um curta-metragem, para mostrar seu desejo de se reinventar (assim como o festival).

Ele volta à Croisette este ano com “La Lotta”. Nenhum nome desta Quinzena tem o peso de Bellocchio, mas há diretores com uma reputação já estabelecida na seara da provocação como o franco-argentino Gaspar Noé (de “Irreversível”), de volta com “Clímax”. E há atores com histórico de acertos (e desacertos) como o americano Nicolas Cage, que estrela “Mandy”, sobre uma seita religiosa. Há ainda espaço para prodígios de novas gerações, inclusive das Américas, como é o caso de Beatriz Seigner, do Brasil, que dirige Enrique Diaz à frente do drama hispano-americano “Los silêncios”, rodado em coprodução com o Peru e a Colômbia.

Fora a Quinzena, Cannes conta ainda com a Semana da Crítica, que este ano será aberta com o longa de estreia do ator americano Paul Dano (de “Pequena Miss Sunshine”) como diretor: “Wildlife”. Carey Mulligan e Jake Gyllenhaal são os astros do longa-metragem, projetado antes no Festival de Sundance. Estima-se que nesta quinta-feira Cannes vá anunciar mais uma fornada de títulos da mostra Un Certain Regard e da seleção ocial em luta pela Palma. O pacote deve incluir uma produção nacional (“OverGod”, do pernambucano Gabriel Mascaro, é o mais cotado). Quem preside o júri da Palma dourada é a atriz australiana Cate Blanchett (“Blue Jasmine”). O filme brasileiro “O Grande Circo Místico” será exibido no festival francês em homenagem ao conjunto da obra do diretor Cacá Diegues.

* Rodrigo Fonseca é roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)

Seleção de longas da Quinzena 

“Pajaros de verano” (“Birds of passage”), Cristina Gallego, Ciro Guerra 

“Amin,” Philippe Faucon “Climax,” Gaspar Noé

“Carmen y Lola,” Arantxa Echevarria

“Comprame un revolver,” Julio Hernandez Cordon

“Les confins du monde,” Guillaume Nicloux

“El Motoarrebatador,” Agustin Toscano

“En liberté,” Pierre Salvadori

“Joueurs,” Marie Monge

“Leave no trace,” Debra Granik

“Los silencios,” Beatriz Seigner

“Ming Wang Xing Shi Ke De,” Ming Zhang

“Mandy,” Panos Cosmatos

“Mirai,” Mamoru Hosoda

“Le monde est à toi,” Romain Gavras

“Petra,” Jaime Rosales

“Samouni Road,” Stefano Savona