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Ex-guerrilheira lança livro sobre anos de chumbo no Brasil e exílio em Cuba

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Ao se apresentar nas primeiras páginas de seu novo livro, a ativista política e ex-guerrilheira Marília Guimarães nos dá uma pista certeira do que encontraremos ao folhear Habitando o Tempo – Clandestinidade, Sequestro e Exílio. A obra é uma radiografia real, densa e emocionante dos acontecimentos que marcaram a luta contra a ditadura no Brasil e a saga daqueles que sofreram na própria pele o lado mais obscuro dos anos de chumbo, quando os desmandos acontecidos nos porões dos quartéis eram lei no país. Esse lado sombrio de uma época é o fio condutor da obra.

Com um relato fiel de sua história e de seus dois filhos, Marcello e Eduardo, a autora revive a agonia pela qual passou durante o ano de 1969 - quando vivenciou fugas, perdas, angústia e medo - e que culminou no sequestro de um avião, em janeiro de 1970, e nos 10 anos de exílio em Cuba. Marília Guimarães lança Habitando o Tempo – Clandestinidade, Sequestro e Exílio, Editora LiberArs, no dia 7 de agosto, às 19 horas, na Livraria Argumento do Leblon, no Rio.

A autora ressalta que o livro nasceu das difíceis lembranças e sensações de tudo o que ela e seus dois filhos, além de seus companheiros de luta, viveram naqueles tristes anos da história brasileira recente. “Este livro é a soma de um ano de clandestinidade, da forma brutal de abandonar a Pátria através de um sequestro, dos dez anos de exílio e do retorno ao Brasil, com a Lei de Anistia de agosto de 1979”, diz Marília. E completa: “É um depoimento real da minha história e dos meus dois filhos, na época com um e dois anos, obrigados a viver anos com identidade falsa, sem documentos, longe da família, sem referência de sua verdadeira Pátria. Foram 10 anos de exílio,10 anos sem sobrenome. Mas também foram 10 anos de convivência com novos valores que possibilitaram a formação de um conhecimento ímpar no mundo”.

Mesmo sem a pretensão de ser um documento histórico, Habitando o Tempo –Clandestinidade, Sequestro e Exílio cumpre esse papel pela forma como a autora relata com riqueza de detalhes e exatidão os fatos acontecidos naquele período. São 307 páginas nas quais é possível vivenciar com Marília Guimarães cada um daqueles momentos, como, por exemplo, quando sua escola, no subúrbio de Coelho Neto, no Rio de Janeiro, foi invadida por militares em fevereiro de 1969. Começava ali a saga da ex-guerrilheira pelos diferentes cantos do País. 

“Foi um ano de fuga, onde a fome, a dor e a solidão em muitas ocasiões faziam parte do meu cotidiano. Depois da prisão, tirar Marcello e Eduardo do olho do furacão, impedir que eles caíssem n as mãos dos ditadores era primordial”, relembra. A ativista ressalta que toda a luta poderia se perder caso seus filhos fossem presos, assassinados ou ficassem desaparecidos, já que essa seria uma forma de pressão contra os presos para que entregassem a organização da qual fazia parte. “Passamos um ano percorrendo o Brasil até a decisão de abandonar o país através de um sequestro, essa era a única saída para nós. O exílio em Cuba foi uma escolha acertada. Cuba vivia seus primeiros anos na construção de um novo mundo. Lá meus filhos poderiam estudar e viver em liberdade”.

O livro abrange o período de 1969, quando começou a saga da ativista e de seus filhos pela liberdade, e vai até 1979, ano da Anistia Política. As fugas espetaculares, o sequestro do avião e a vida durante o exílio na ilha comandada por Fidel Castro dão a perfeita dimensão da dor e da garra de Marília Guimarães para superar todos os obstáculos. “A solidariedade de amigos, as noites em barracões de favelas nas montanhas de Belo Horizonte e as estradas desse imenso país serviram de abrigo e aprendizado. As fugas inusitadas, ora resolvidas com um simples lenço e óculos escuros ou por pura intuição, até o próprio silêncio ditando as regras e a notícia dos assassinatos de companheiros, as perdas, a angústia, o medo pintado em cores abstratas e a total entrega ao povo brasileiro é sem dúvida o cerne de Habitando o Tempo”, afirma.

A militância política de Marília Guimarães, que participou ativamente da luta contra a ditadura, e no exílio da construção da Revolução Cubana, permeia toda a obra. A escritora costuma afirmar que nascer é um ato político e como tal precisa ser vivido. “Sempre fui guerrilheira na vida. Sobrevivi a ditadura e me fortaleci para as lutas atuais. Nasci e cresci em tempos de guerra. Não conheço outra forma de sobrevivência. Estou sempre preparada para novos desafios e superação”. Dessa forma, não há como negar que Habitando o Tempo - Clandestinidade, Sequestro e Exílio também é um ato político e um relato fiel da história recente do Brasil. “Vivemos naquela época tempos sombrios, sem liberdade e p leno de incertezas. Sem perspectivas para o povo brasileiro”.