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CCBB: ComCiência mostra criaturas geneticamente modificadas

Exposição da australiana Patrícia Piccinini já atraiu 500 mil visitantes em SP e Brasília

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Depois de atrair mais de meio milhão de visitantes aos prédios dos CCBBs São Paulo e Brasília, a exposição ComCiência, primeira individual da australiana Patricia Piccinini no Brasil, ocupa o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, com algumas novidades. A artista decidiu criar duas novas obras para a temporada carioca. Uma delas foi concebida especialmente para a rotunda do prédio da Primeiro de Março e será ativada a partir do dia 29 de abril, marcando a abertura oficial da mostra. Nos dois dias anteriores, a exposição já estará funcionando em sistema de soft opening. 

“O imponente espaço da rotunda no CCBB demanda uma resposta dramática e espetacular do artista”, acredita Patricia. “O grande desafio para mim foi conceber uma obra adequada à escala do lugar e ao mesmo tempo à intimidade sugerida pelo restante da mostra”, pondera. 

O resultado é uma enorme escultura inflável, com quase 25 metros de altura e 9,5m de largura. Presa ao teto, a obra se projeta, suspensa, por todo o vão da rotunda. Uma vasta cabeleira completa os dois metros finais até o chão. Piccinini propõe uma forma ambígua, misto de vegetal e animal, que remete tanto à uma fruta tropical – como o caju, visto pela artista pela primeira vez na vida em São Paulo – quanto aos seres fantásticos que compõem sua obra. A escultura estará em constante movimento, inflada e esvaziada em ciclos de 15 a 20 minutos. Ao ser inflada, a escultura revelará uma índia ajoelhada sob a cabeleira. “A forma do objeto e sua relação com a figura humana se modifica ao longo do tempo. À medida que o espectador caminha pelo espaço e pela exposição, o formato desta obra será sempre diferente e estará em constante transição”, explica. A obra estará em pleno funcionamento a partir da sexta-feira, 29 de abril, data da abertura oficial da exposição. 

Outra novidade desta temporada carioca é a obra The Breathing Room. Em uma sala escura, o ‘quarto que respira’ se propõe a ser uma experiência imersiva e multissensorial, na qual o público será levado a se sentir como se estivesse dentro de um corpo que passa por uma reação emocional. Para conseguir este efeito, a artista criou um ambiente totalmente integrado a partir de três diferentes estímulos: visual, pelas animações projetadas em três telões; auditiva, através do som correspondente a estas imagens, e tátil, derivada do movimento do piso, que balança acompanhando em sincronia as imagens e os sons emitidos. Ora lenta, ora acelerada, a respiração poderá ser vista, ouvida e sentida, envolvendo completamente o espectador. 

As demais obras da exposição são compostas por seres ao mesmo tempo repulsivos e sedutores, concebidos pela artista em seu estúdio de Melbourne – que em muito se assemelha a um espaço de criação de efeitos especiais para o cinema, com seus ateliês de pele, unha ou cabelo – e que provocam uma imediata e paradoxal resposta do público. Se por um lado suas formas causam asco ou repulsa, sua familiaridade e doçura geram uma empatia quase imediata. Trata-se de um jogo preciso, que encanta não apenas pelo virtuosismo técnico, mas sobretudo porque desperta por meio do sensorial uma série de indagações acerca do mundo contemporâneo, dos efeitos da ciência e dos limites morais e éticos do ser humano. 

De que maneira a arte, em parceria com a natureza e a ciência, nos faz entender um pouco mais e melhor sobre nós mesmos? Teria a humanidade consciência de que se isola de forma ingênua e perigosa daquilo a que não está acostumada, destruindo o que lhe é estranho? Conhecemos realmente os efeitos futuros das recentes e profundas manipulações genéticas? O incômodo provocado por esses monstrengos de silicone concebidos por Patricia nos mostra sobre nossos próprios sentimentos, ampliando nossa compreensão sobre questões complexas e delicadas como a imposição de padrões de beleza, o racismo e a xenofobia. Não à toa Patricia Piccinini costuma dizer que seu mundo é mais repleto de perguntas do que de respostas. 

“Sou interessada em descobrir o sentido do que é ser humano no âmbito da engenharia genética e da biotecnologia, e como essas tecnologias influenciam a maneira como nos relacionamos com o mundo. O mundo que crio existe em algum lugar entre o que conhecemos e o que está quase sobre nós (a imaginação, ou o futuro). Minhas criaturas, apesar de estranhas e por vezes inquietantes, não são assustadoras. Em vez disso, é a sua vulnerabilidade que muitas vezes vem à tona. Elas pedem que as olhemos além de sua estranheza, nos convidando a aceitá-las. Somos cercados por modificações genéticas escondidas em nossos alimentos e animais, sem ao menos dar conta! Eu não induzo o visitante a pensar qualquer coisa sobre engenharia genética, mas pergunto como eles se sentem frente a essas possibilidades. Trabalho com uma variedade de materiais e linguagens, de esculturas feitas de silicone e fibra de vidro a fotografia e vídeo, passando pelo desenho e a pintura”, resume a artista, cujo trabalho já foi levado a inúmeras galerias ao redor do mundo e teve destaque nas Bienais de Liverpool, Berlim, Havana e Veneza. Na edição de 2003 desta última, foi a única representante da Austrália com a mostra individual We are Family. 

ComCiência faz um amplo apanhado da produção da artista e reúne alguns de seus principais trabalhos. O espectador vai se deparar com peças icônicas da artista como Big Mother (uma figura agigantada, que se assemelha a uma macaca e amamenta um bebê); The Conforter  (uma menina toda coberta de pelos acalenta um pequeno ser, de pele macia e pés fofos como um bebê humano, mas que tem uma boca aumentada e sem olhos); ou ainda The Observer (2010), um curioso menino que observa o mundo de um ponto de vista privilegiado e perigoso, o alto de uma pilha inclinada de cadeiras. Qualquer metáfora com o percurso que a exposição propõe ao espectador não é mera coincidência. 

Em outra sala, estarão reunidas uma série de máquinas antropomorfizadas, uma espécie de diluição provocativa entre o inorgânico e o orgânico; em outro andar ficarão organismos absolutamente descolados da realidade, como Sphinx. Mas todo o Centro Cultural será tomado pelas bizarras figuras (esculturas, relevos e desenhos) da artista. Segundo o curador Marcello Dantas, a proposta foi ativar todas a salas do CCBB como sendo o lugar onde esses seres vivem, comem, dormem. “É como se você tivesse entrado nesse circo, nessa casa mal-assombrada”, povoada por criaturas que podem ser completamente abstratas, absolutamente verossimilhantes, misturas biologicamente plausíveis, mesclas de diferentes animais ou mutantes perfeitamente saídos de um filme de ficção científica. Talvez um dos pontos de partida da artista tenham sido os bichos que ela, nascida em Serra Leoa em 1965, descobriu ao chegar na Austrália, aos sete anos de idade. Bastaria citar o ornitorrinco ou o canguru para confirmar o importante papel desses animais incomuns no imaginário nacional. Como diz Dantas, “trata-se de um país que tem licença poética para a invenção”. 

O caminho é repleto de surpresas e subversões de sentido. Reforçando ainda mais esse universo potente de relações, muitas vezes contraditórias, foi criado um audioguia que permite aos visitantes ir além da percepção visual, ouvindo os sons, as respirações e até a linguagem daquelas criaturas. “A ideia é permitir que se tenha uma ideia da essência desses personagens”, explica Dantas, que concebeu o sistema com a colaboração estreita da artista, que costuma dizer que suas criações têm cheiro de gengibre.                 

“Trata-se de uma obra sobre a aceitação”, diz o curador sobre o trabalho de Patricia, acrescentando que por isso gostaria que fosse uma exposição popular e que atraísse o público infantil. “As crianças possuem menos pré-conceitos”, define. Um dos grandes atrativos da mostra, o voo de um gigantesco balão na forma de um híbrido entre uma baleia e uma tartaruga, intitulado de Skywhale e originalmente criado para as celebrações do centenário de Canberra em 2013, acontecerá em 23 de abril, sábado, no Aterro do Flamengo. 

Essa mistura alquímica entre natureza e tecnologia, que flerta tanto com o surrealismo e o hiper-realismo – o que explica a aproximação recorrente feita com o trabalho de outro ilustre artista australiano, o escultor Ron Mueck –, nos faz questionar sobre nossa semelhança e vínculo com esses seres. Seríamos nós monstrengos disfuncionais como eles, ou produziremos algum dia descendentes com esse grau de disfuncionalidade? Afinal, “genética é história da forma do corpo”, sintetiza Dantas, lembrando que nosso código genético é uma espécie de narrativa, de ponto indicativo do nosso passado e do nosso futuro, que carregamos conosco. 

Diante de possibilidades terrivelmente ameaçadoras como essa, não seria surpreendente pensar a obra de Patricia como profundamente crítica dos avanços incontrolados da ciência e um tanto desesperançosa. Porém, há na delicadeza dessas figuras e no afeto que elas despertam algo de redentor: “seria uma obra pessimista se esses seres não estivessem repleto de amor”, conclui o curador. 

CCBB lidera lista de exposições pós-impressionistas e modernas mais visitadas do mundo 

O Centro Cultural Banco do Brasil liderou, em 2015, a lista de exposições pós-impressionistas e modernas mais visitadas do mundo, de acordo com ranking publicado no site The Art Newspaper, com “Picasso e a modernidade espanhola”, que recebeu mais de 620 mil visitantes, e “Kandinsky: tudo começa num ponto”, com 442 mil visitantes, ambos no CCBB Rio de Janeiro. É o terceiro ano consecutivo em que o CCBB aparece no topo da lista. O Top 10 dessa lista traz cinco exposições realizadas no Brasil e, dessas, quatro ocorreram nos CCBBs, o que comprova a importância dos projetos culturais desenvolvidos pelo Banco do Brasil para o País. Desde 2012, o CCBB aparece no ranking da revista The Art Newspaper, ao abrigar exposições que figuram entre as dez mais visitadas no mundo. “A posição de destaque alcançada pelos nossos Centros Culturais é motivo de orgulho para nós, e com certeza não deve-se apenas a um projeto, isoladamente. Este resultado decorre da credibilidade que o CCBB conquistou nesses 26 anos de existência, com uma programação de qualidade e consistente para a sociedade em geral”, ressalta o diretor de Estratégia da Marca, Luis Aniceto Cavicchioli.  

ComCiência - Patricia Piccinini 

CCBB Rio de Janeiro

R. Primeiro de Março, 66 - Centro

Funcionamento: de quarta a segunda, das 9h às 21h

Fone: (21) 3808-2020 

Até 27 de junho de 2016

Dia 29 de abril – abertura oficial da mostra, com o início do funcionamento da obra inédita criada para a rotunda do CCBB