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Batuque e tambor marcam velório de Naná Vasconcelos

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"Mesmo se eu morrer, não quero ninguém chorando, quero muito batuque, muito barulho, porque, se vocês fizerem silêncio, vou pensar que vocês estão dormindo e vou fazer como em casa, com minha esposa. Quando ela está dormindo, faço barulho para ela acordar. É a cigarra". Essa frase foi atribuída a Naná Vasconcelos pelo mestre Chacon Viana, da Nação do Maracatus Porto Rico, do bairro do Pina, Recife, que ouviu a brincadeira em uma reunião preparativa para o carnaval deste ano - o último de Naná. E assim foi atendido o desejo do artista: o tambor tocou e a saia rodou em frente à Assembleia Legislativa de Pernambuco, onde o corpo está sendo velado desde o início da tarde.

Naná jaz no centro do plenário da Assembleia, ladeado, todo o tempo, pela esposa e produtora Patrícia Vasconcelos e a filha Luz Morena, de 16 anos. Sobre o caixão, uma bandeira de Pernambuco – o músico nasceu no Recife – e uma do Santa Cruz, time de futebol pernambucano. Mais de uma dezena de coroas de flores colorem o espaço, e um estandarte do bloco de rua Galo da Madrugada guarda, do segundo andar, o velório do percussionista.

A família e os amigos usaram écharpes para homenagear Naná, uma peça que sempre fez parte de seu figurino. O próprio Naná vestia uma azul que trouxera de Israel. Patrícia Vasconcelos e a filha permaneceram serenas, apesar da tristeza. 

“A gente foi muito feliz e vai ser muito difícil, mas a gente sabe que muita gente vai dividir essa dor. O mundo está triste pela partida material, mas a música vai ficar”, se consola a esposa Patrícia.

Siga os sonhos

Luz Morena disse guardar as melhores lembranças do pai. E os melhores conselhos. O homem que seguiu seu sonho mundo afora, ao fazer música em vários países e com muitos parceiros de peso, não poderia desejar diferente ao destino de Luz. 

"Ele me chamou na UTI e disse para eu seguir meus sonhos", lembra a jovem, que pretende estudar design de moda no exterior. A outra filha, Jasmim Azul, mora nos Estados Unidos. A família não sabia se ela conseguiria chegar a tempo.

Além da écharpe, outra coisa que todos usavam era a palavra “humildade” para se referir ao artista. “Ele deixava claro que não tinha mestre ou melhor. O mestre estava no céu. E fez com que todas as nações tivessem uma só voz”, recorda Chacon. O maracatu do Pina, como dezenas de outros, tocava há 15 anos na abertura do carnaval do Recife, comandando por Naná Vasconcelos.

Humildade

Vestido todo de preto e com o capacete da moto preso à cintura, Edelvan Barreto, que trabalhou por 20 anos com Naná, contou que a característica mais marcante de Naná, além da humildade, era a generosidade em repassar seus conhecimentos. “Ele queria ensinar para as pessoas o que ele aprendeu sozinho, que é a música”, explicou, citando um dos ensinamentos do percussionista: “o primeiro instrumento é a voz, o segundo é o corpo. O resto é consequência”.

Naná Vasconcelos deixou conhecimento e também músicas inéditas, que vão compor um novo álbum que o músico pretendia lançar ainda este ano. Edelvan se lembra de uma delas. "A música Amém Amém, essa mensagem que ele deixou para essas pessoas que estão vivendo essa guerra, a peleja do dia a dia. O amor supera tudo". O artista pernambucano compôs mesmo internado, até os últimos dias de vida. Ele também faria uma turnê, em abril, na China, Japão, e Coréia do Sul.

Últimas homenagens

A Assembleia Legislativa de Pernambuco está aberta para quem quiser prestar as últimas homenagens a Naná Vasconcelos. Como fez a professora de culinária Zezé Melo, de 73 anos, moradora do Recife. “Ele sempre prestigiou muito o estado, representou Pernambuco muito bem. Espero que venham todos se despedir dele”, pediu.

A família estuda limitar a entrada durante a noite, a partir das 20h, para que as pessoas mais íntimas e os parentes possam ter mais privacidade. Nesta quinta-feira (10), às 8h, a previsão é que a Assembleia seja reaberta ao povo. Uma missa de corpo presente será celebrada no local por volta das 9 h. Depois, o corpo de Naná Vasconcelos segue em cortejo para o Cemitério de Santo Amaro. Grupos de maracatu anunciaram que vão acompanhar o cortejo fazendo o que Naná sabia de melhor: a música.

Melhor percussionista

Juvenal de Holanda Vasconcelos, ou Naná Vasconcelos, nasceu no Recife em 2 de agosto de 1944. O pai, músico, lhe passou o gosto pela arte – e o filho começou cedo. Aos 12 anos já se apresentava em bares e participava de grupos de maracatu locais. Aprendeu primeiro a tocar bateria. Depois, berimbau. E não parou mais: ao longo da carreira, uma das características da sua percussão era usar qualquer objeto que produzisse um som interessante para compor seus trabalhos.

Naná começou a ser conhecido nacionalmente ao mudar para o Rio de Janeiro, na década de 1960, e tocar com o mineiro Milton Nascimento e o também pernambucano Geraldo Azevedo. Quando morou nos Estados Unidos e na França fez diversos trabalhos, inclusive trilhas sonoras para filmes, o que lhe rendeu, por oito vezes, o Grammy, um dos maiores prêmios de música do mundo. Entre as parceiras ao longo da carreira estão B.B. King e Ella Fitzgerald.

Fruto do aprendizado informal da música, sem nunca ter cursado nível superior, em dezembro de 2015, o artista recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).