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Entre expectativa e garantia de permanência, refugiados fazem a vida no Brasil

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“É uma situação que precisa de muito tempo para vocês daqui entenderem. É uma coisa que a gente se acostumou, mas não é normal, nada é normal lá”. O sorriso fácil e olhar sereno de Charly Kongo contrastam com sua história, que poderia ter sido abreviada. Nascido na República Democrática do Congo, ele decidiu não se calar diante das injustiças e foi às ruas. Uma série de ameaças contra sua vida o fizeram tomar uma decisão: deixar a vida e a família na África e morar no Brasil.

“O povo Bakongo saiu às ruas pedindo a justiça. Aí o governo, como de hábito, reprimiu. Muitas pessoas morreram, muitas desapareceram”, conta. Ameaçado de morte em um cenário político turbulento, ele deixou seu país em 2008. Um amigo sugeriu que Kongo fosse para o Brasil e se ofereceu para ajudá-lo na concessão de visto, pois tinha conhecidos na embaixada brasileira. Mesmo assim, a adaptação não foi fácil. Ele chegou no Brasil sem falar uma palavra em português.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, onde se estabeleceu, fez o que, segundo ele, todos os estrangeiros fazem em situações semelhantes, procurou seus conterrâneos. Brasileiros o ajudaram e o levaram para o centro da cidade, onde encontrou outros congoleses, como ele.

“Eu entendi que, sem falar o português, não teria como viver. Aí procurei estudar o idioma, comecei a fazer um curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e isso me ajudou a melhorar meu português. Depois,consegui um emprego fixo, no setor de hotelaria. No hotel, comecei na área de limpeza, hoje trabalho como mensageiro”.

Kongo esperou por oito meses a concessão de refúgio e hoje não pensa em voltar a morar em seu país natal, pelo menos em um futuro próximo. “Gostaria de voltar à minha terra um dia, mas não por enquanto, vou esperar um pouquinho. Se Deus quiser aquele regime não estará mais lá”.

À espera de um “sim” do país que escolheu

Nascido em Bangladesh, Nurul Amin, 32, também tem o desejo de se manter no Brasil mas, ao contrário do congolês, sua permanência ainda não é certa. “A vida aqui é melhor do que lá. Todo mundo gosta do Brasil, o único problema é que não tenho os documentos da permanência ainda”. Ele chegou ao Brasil há dois anos para se afastar de uma situação política instável, e atrás de melhores salários.

A cada pergunta, Nurul Amin pensa, esboça uma resposta, para e retoma o raciocínio em seguida. Ainda aprendendo a falar português, cada palavra é pensada como uma equação. Às vezes uma palavra em inglês escapa, mas a comunicação não é mais a barreira que era. “Cheguei aqui e não sabia pedir água ou pão. Era muito difícil, mas agora estou aprendendo, e não está mais tão difícil”.

Ele divide com outros três conterrâneos uma pequena casa nos fundos de um lote em Taguatinga, cidade satélite do Distrito Federal. E todos vivem situação parecida. Tropeçando no português, Rony Ahmed, 28; Joynal Abedin, 24; e Masarof Hossain, 26; vivem um dia de cada vez, em empregos informais, e ajudando um ao outro.

“Gosto do Brasil, o sistema [político] é muito bom, o país e o trabalho aqui são muito bons, as pessoas ajudam se você precisa”, disse Ahmed. Muito simpático e sorridente, ele explicou o principal motivo de cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil há dois anos. “Eu apoiava os líderes de oposição ao governo e já fui preso por isso. A polícia já me bateu e me prendeu por fazer oposição ao governo”, disse Ahmed, que também era eletricista em seu país, e hoje faz churrasco na rua para sobreviver.

Eles sonham obter o reconhecimento do refúgio para poderem trazer a família para o Brasil. Enquanto o primeiro tem esposa e um filho, Ahmed deixou a esposa na terra natal. Ao ser perguntado se pretende trazer a esposa para morar no Brasil, os olhos de Amin brilham de expectativa. “Eu quero muito, muito trazer ela! Mas não tenho o refúgio ainda. Eu já estou há dois anos aqui, enquanto minha mulher está lá em Bangladesh, esperando. É muito difícil, triste”.

Amin e seus compatriotas fazem parte de um grupo de 11,2 mil pessoas que, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), ainda aguardam uma resposta do Estado brasileiro sobre a solicitação de refúgio.

Não há prazo legal para que a decisão seja tomada pelas autoridades brasileiras. Com isso, só aumenta a angústia de quem aguarda uma definição sobre a própria vida. “Com os documentos do refúgio, poderia visitar minha esposa por dois, três meses, depois voltaria. Mas, sem isso, não posso, não posso deixar o Brasil”, explica Amin.

De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) o Brasil registra 7,7 mil refugiados reconhecidos. Pessoas de 81 nacionalidades já conseguiram refúgio no país. Os grupos que mais buscam refúgio no país vêm da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo (RDC).

Os sírios representam 23% do total de refugiados reconhecidos no Brasil. “O caso dos sírios pode ser explicado pela postura solidária do Brasil com as vítimas do conflito naquele país, inclusive por meio da aprovação da Resolução Normativa nº17 do Conare”, explica a Acnur, no documento “Dados sobre o refúgio no Brasil”, divulgado no ano passado.

De acordo com o ministério da Justiça, todo cidadão estrangeiro que quiser se estabelecer no Brasil na condição de refugiado, deve fazer o pedido em qualquer posto da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira. O solicitante recebe um protocolo provisório, válido por um ano e renovável até a decisão final sobre o pedido de refúgio.

De posse do protocolo, o estrangeiro já pode obter carteira de trabalho, CPF e acessar todos os serviços públicos disponíveis no Brasil. Em caso de indeferimento do pedido de refúgio, o estrangeiro pode recorrer ao ministro da Justiça. Outra possibilidade é um recurso junto ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), do Ministério do Trabalho, no caso de quem veio ao Brasil em busca de oportunidades de trabalho.