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Pelos caminhos da crítica literária

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Não há crítica sem juízo e, se não houver juízo, o que resta é apenas comentário. A frase é da crítica literária Leyla Perrone-Moisés, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), que participou na segunda-feira (04/11) de um café literário promovido pela Fundação Bunge, em parceria com a FAPESP, na Casa das Rosas, em São Paulo.

Perrone-Moisés foi uma das vencedoras da 58ª edição do Prêmio Fundação Bunge na categoria Vida e Obra, ao lado do escritor catarinense Alexandre Nodari, ganhador do 34º Prêmio Fundação Bunge Juventude.

Em sua apresentação, a professora falou sobre os diferentes contextos literários e sobre como esses contextos influenciam a crítica tanto na academia quanto nos jornais e revistas – forma pela qual os leitores das obras têm acesso às análises dos especialistas. “A crítica literária tem validade, não tem verdade”, afirmou, citando o crítico e linguista francês Roland Barthes (1915-1980), a quem considera um de seus mestres em sua área de atuação, ao lado do professor Antônio Cândido e do poeta Haroldo de Campos (1929-2003).

Autora de livros como O Novo Romance francês (1966), Falência da crítica (1973) e Vinte Luas(1992), com o qual venceu o Prêmio Jabuti em 1993 na categoria Estudos Literários (Ensaio), Perrone-Moisés conviveu com Cândido e Campos, em São Paulo, e com Barthes, em Paris, nos anos 1950, quando iniciou sua trajetória profissional.

A mesa-redonda na Casa das Rosas foi coordenada pelo poeta e crítico literário Frederico Barbosa, diretor do centro cultural voltado à divulgação da literatura e da poesia. O casarão construído por Ramos de Azevedo na Avenida Paulista, no início do século 20, abriga o Centro de Referência Haroldo de Campos, com um acervo de 20 mil livros da biblioteca do poeta concretista.

Na abertura do debate, o presidente da FAPESP, Celso Lafer, destacou a importância da obra de Perrone-Moisés e de sua escolha para a edição deste ano do Prêmio Bunge. “Creio que ninguém é mais representativo do que ela para falar, neste momento, sobre os caminhos trilhados pela crítica literária no Brasil, pois sua capacidade de análise vai ao encontro do que se pretende aqui: debater o papel da crítica para a compreensão da literatura e da poesia no Brasil”, disse.

O ex-reitor e professor da USP Jacques Marcovitch, presidente do conselho administrativo da Fundação Bunge, lembrou o papel da professora na aproximação entre pesquisadores da área e autores do Brasil e de países como a França. E falou da importância da atuação dos críticos para a formação do mercado editorial brasileiro.

“Escolhemos o tema para o prêmio deste ano com a convicção de que o Brasil é um país onde a questão editorial está em expansão. E o crítico literário é quem nos mostra quais são as prioridades para publicação”, enfatizou.

Leitor especializado

Para Perrone-Moisés, embora nos últimos anos a crítica literária tenha perdido espaço na mídia impressa, na internet, segundo ela, surgiu uma “espécie de crítica literária” ainda pouco aprofundada e com capacidade de argumentação em construção.

“Até o fim do século 20, a crítica de jornal mantinha um antagonismo em relação à crítica universitária. Mas isso se modificou e hoje tanto os críticos na academia como os que escrevem em publicações impressas e eletrônicas têm entre si muito mais similaridades de análise”, afirmou.

Segundo a professora, vários críticos que publicam em jornais e revistas buscaram uma formação específica, como mestrado e doutorado, especializando-se nesse tipo de análise, que exige, na visão da professora, apurada capacidade de exame. “Os jornalistas literários, assim como os escritores, se beneficiaram dos estudos e debates feitos na academia”, disse.

“É fato que o espaço para a crítica cresceu um pouco nos jornais, nos últimos cinco anos. Há mais revistas literárias, e há também a internet. O lamentável, atualmente, é que haja muito pouco debate de qualidade”, observou.

Poder de argumentação

Perrone-Moisés destacou que as transformações históricas e linguísticas pelas quais passa a literatura demoram a ser absorvidas. “Os bons autores não são efêmeros. Eles permanecem lidos por muito tempo. E, com o tempo de permanência de suas obras, vem também o juízo formulado pela crítica.” Por isso, a chamada literatura de entretenimento, segundo ela, ainda que encontre espaço no mercado editorial, não tende a ocupar os raros espaços destinados à crítica literária.

“As editoras estão atentas e tendem a publicar muito mais o que tem qualidade. Da mesma forma, os críticos se informam também pelo que é publicado e sabemos que dificilmente autores de qualidade escapam das boas editoras”, disse à Agência FAPESP.

Para fazer uma crítica, porém, não basta gostar ou não gostar de uma obra. É preciso ter argumentos. “A internet permite que todos possam falar sobre literatura em sites e blogs, mas nesses espaços percebo que acontece um debate sem crítica”, afirmou.

Segundo sua definição, “o crítico nada mais é do que um leitor especializado, que se torna crítico por ler muito; com critérios técnicos e experiência, pode fazer comparações entre obras de referência e o que está sendo analisado”.

Sobre o prêmio

O Prêmio Fundação Bunge foi criado em 1955 como forma de incentivar a inovação e a disseminação de conhecimento. É concedido anualmente a personalidades de destaque em diversos ramos das Ciências, Letras e Artes no país.

O prêmio está dividido nas categorias Vida e Obra, em reconhecimento à obra consolidada de um especialista, cuja pesquisa represente um patrimônio importante para o país, e Juventude, que premia jovens talentos, destacando um profissional de até 35 anos cujo trabalho represente um novo paradigma em sua área.

Em 2013, além de Leyla Perrone-Moisés e Alexandre Nodari, Klaus Reichardt foi premiado na categoria Vida e Obra e Samuel Beskow, na categoria Juventude, na área de Recursos Hídricos e Agricultura.

Os prêmios foram entregues em 1º de outubro. Desde a criação do Prêmio Bunge, foram laureadas 171 pessoas