ASSINE
search button

Samba sem limites na despedida do mestre-sala Delegado 

Velório e sepultamento têm tom de alegria da comunidade sambista

Compartilhar

O reduto do samba não teve fronteiras nesta terça-feira (13), no Memorial do Carmo. Muita emoção e recordações marcaram a despedida do mestre-sala e presidente de honra da Estação Primeira de Mangueira, Égio Laurindo da Silva, o Delegado, no seu velório e sepultamento realizado no cemitério do Caju. Quem esteve na cerimônia teve a certeza de que o legado do mestre não será esquecido. Ao contrário dos enterros tradicionais, o de Delegado teve direito a samba e bateria da Mangueira. Pôde-se observar a postura nobre – ora traçada por lágrimas ora por sorrisos – dos que representam o Carnaval da cidade. 

Um dos seus filhos, Ésio Laurindo da Silva, reconheceu a importância do pai para o samba. “É muito bom saber que meu pai foi uma pessoa que conseguiu fazer o samba além da concorrência e além das escolas de samba”, afirmou, emocionado. O ex-integrante do grupo Os Morenos apresentou um irmão ao outro durante o velório do pai, realizado ontem (12), na quadra da Mangueira. Até então, os filhos do Delegado, Ronaldo Vieira Coelho, de 45 anos e o técnico em publicidade Jorge Mário Santana, de 58 anos, não se conheciam.

O presidente da Escola de Samba da Mangueira, Ivo Meirelles, chamou a atenção para a dedicação do renomado mestre-sala: “Todo mundo sabe a elegância de Delegado como dançarino, porém, o mais marcante dele, e que as pessoas precisam prestar atenção, é o mangueirense devoto que foi. De estar na quadra e nos eventos da Mangueira em qualquer tempo, com qualquer presidente à frente da escola. Demonstração de amor assim à Mangueira ninguém até hoje demonstrou como ele”, constatou.

As mangueirenses Norma Francisca da Silva e Guaraciara da Silva comparecem ao enterro do dançarino e ressaltaram a participação do Delegado na trajetória do carnaval carioca. “Foi um homem muito importante. Ele tinha a Mangueira como sua casa”, disse Norma.

“As pessoas mais antigas têm muita sabedoria e o Delegado, como tal, tinha o respeito da comunidade, se fazendo respeitar com elegância e raiz. Muitos bailarinos aprenderam os passinhos com ele. Entre outras, essa foi uma perda não só para a Mangueira, mas também para o samba. Esse foi mais um bamba que se foi. O mundo do samba perdeu”, assinalou Guaraciara.

O mestre deixa saudades

Com o caixão em mãos, na entrada principal do memorial, junto aos parentes e amigos do Delegado, Ivo Meirelles discursou: “Ele foi um mangueirense exemplar, o que mais frequentou a quadra. Sempre fez pela Mangueira sem pedir nada em troca. Não vai ter tempo no futuro que vá fazer no morro nascer alguém como ele, que tinha elegância na dança e no jeito de ser. Quero agradecer à administração do memorial porque não é de praxe passar por aqui, mas eles entenderam que se trata de uma pessoa excepcional e abriram esse precedente. Gostaria de convidar os mangueirenses e não mangueirenses a comparecerem à quadra da Mangueira neste sábado (17), para prestarmos uma homenagem ao Delegado, onde os mestres-salas e porta-bandeiras de diferentes escolas vão dançar ao som das músicas que o mestre dançou. Vá com Deus, Delegado, nós da Mangueira nunca vamos nos esquecer de você”, despediu-se o presidente.

Outros representantes do samba se uniram ao coro da Mangueira para dar voz ao talento e requinte de Delegado nesta despedida, como Manoel Paulino, presidente do Conselho da Velha Guarda da Estácio de Sá; Wanderley Marques da Cruz, presidente da Velha Guarda da Estácio de Sá e Waldir Soares Barcelos, sambista que mora no morro da providência. O salgueirense Neném da Cuíca contou sobre os palcos que dividiu com o bailarino. “Eu trabalhava com o Delegado no mundo do samba, com o grupo Trio Salgueirense, integrado por mim, além do Zeca e do Chiquinho. A gente se apresentava para os turistas, viajamos juntos para a Venezuela e a Argentina. Esta é uma perda de um amigão e para o samba, mais ainda”.

Com alegria e irreverência, uma das maiores porta-bandeiras da Portela, de 92 anos, a senhora Dodô, também foi se despedir do ex-companheiro de dança e falou da importância da história do Delegado para o samba. “A nossa história é muito longa, porque nós viemos do princípio do samba. A rapaziada que chegou agora aprendeu muito com a gente. E o ponto de uma porta-bandeira e de um mestre-sala é essencial para as escolas de samba. Não se faz mais mestre-sala como ele. Nem porta-bandeira. Quando a gente pegava a bandeira não era aberta, era fechada e só na terceira vez é que se abria. Na cabine de cada jurado, ficava um diretor de cada escola explicando o que estava passando e não tinha bebida, era só água que se bebia. Vê-se isso hoje em dia?”, questiona a portelense.

Elaine Fernanda, porta-bandeira da Unidos de Padre Miguel também fala sobre o Delegado: “Fui porta-bandeira da Mangueira durante 15 anos e convivi com ele desde garota. Ensinou-me muito”, contou.

"Estamos órfãos"

Antônio Caxias, da ala dos boêmios da Mangueira e diretor de harmonia da escola, relembrou a visita do mestre-sala neste ano em Caxias. “Ainda no Carnaval deste ano, ele proporcionou um enorme prazer aos moradores de Caxias com as suas duas visitas à comunidade, sendo homenageado na Unidos da Laureano. Estamos órfãos. O mestre dos mestres partiu. E para nós, da nação mangueirense, fica muita saudade, mas ele deixou uma lembrança muito boa. A vida tem que continuar, mas a saudade nunca vai nos deixar”, lamentou.

Antônio Izidoro da Silva, cidadão-samba vitalício do Rio, também compareceu ao sepultamento representando as honrarias das associações das Velhas Guardas e das Escolas de Samba, sendo diretor musical desta última. “É uma grande perda, mas a vida é assim mesmo. Estamos aqui de passagem. Ele foi o baluarte do samba. O seu tom inspirava respeito em muitos mestres-salas. Formou muitos mestres-salas no projeto Manoel Dionísio, onde prestava um serviço que nós seremos gratos eternamente. Vai ser difícil aparecer alguém como ele”, reconhece.

Referência para todos

Paulo Brandão, diretor de mestres-salas e porta-bandeiras da Porto da Pedra, e Eunice Rodrigues Cruz, que fez parte da diretoria do Terreirão do Samba, ao qual o Delegado presidia, também reconhecem a perda para o samba. “Ele foi o maior dos mestres”, disseram.

Goy (Wanderson), filho da parceira de Delegado, a porta-bandeira Neide, contou sobre o trabalho dos dois nos desfiles da Mangueira. “Ele dançou durante todo o tempo com a minha mãe, Neide. É um grande símbolo da Mangueira. Uma história que recordo dele foi quando minha mãe, grávida, tirou a medição de sua fantasia, e, quando foi desfilar, notou-se que sua barriga já tinha se desenvolvido muito. O jeito que o Delegado deu foi abrir rasgos nas laterais e prender a roupa com alfinetes. Quando o salto da minha mãe se quebrou, ele decidiu entrar descalço junto a ela e, assim mesmo, receberam nota máxima dos jurados. Esses eram o Delegado e a minha mãe, que já têm um parceiro no céu”, falou o sambista.

“Ele viveu o samba e não foi aquele que se enriqueceu com o samba. Sempre foi o mesmo, com grande carinho pelas crianças, ensinando o pulo do gato para todos, deixando o seu legado. Conseguiu ser um dos grandes nomes do samba pela sua representatividade, sem se envolver com o lado A ou lado B. O símbolo máximo do Delegado era o seu apito e sua varinha, por ser sempre diretor de harmonia. Ele ia para a porta de Olaria e ficava apitando para comunicar à população que os ônibus já estavam os aguardando para ir para o desfile. O time de lá foi reforçado”, contou Goy.

A porta-bandeira da Mangueira, Marcela Soares, se sente privilegiada por ter convivido com o mestre-sala. “Eu me sinto honrada por ter tido as dicas, as observações e a presença do Delegado nos meus ensaios. Ele é uma referência do setor mestre-sala. E conviver com ele foi um privilégio para poucos”, concluiu.