ASSINE
search button

Livro conta a origem da cena alternativa de Rock na cidade de Niterói

Compartilhar

O que chamamos hoje de indie, alternativo, ou seja lá qual nome você quiser dar, começou no Brasil no início dos anos 1990 com o surgimento da tal cena independente. No ano em que a MTV se instalou no Brasil e o presidente Collor abriu o mercado para a entrada do instrumento e do equipamento de som importado, uma movimentação tomou conta de jovens por todo o Brasil.

As bandas começaram a divulgar suas músicas em fitas demo em cassete ou vinil, e os fanzines tinham o papel de mídia especializada. Selos e gravadoras independentes surgiam, assim como os primeiros festivais – o primeiro foi o Juntatribo, em Campinas 1993, seguido por Super Demo, BHRIF, Abril Pro Rock e Humaitá Pra Peixe. O skate estava em alta. A troca de informações acontecia a todo favor através de cartas num sistema que se retroalimentava, quase que num mundo paralelo, o tal underground.

O livro 'Niterói Rock Underground' narra a versão do gestor cultural Pedro de Luna durante este início até os dias de hoje. Sem um distanciamento crítico, já que ele também foi parte importante de tudo isso, o jornalista, publicitário e quadrinista não teve a pretensão de contar "A História" definitiva de uma cena, mas sim "Uma História" de uma época do ponto de vista de quem vivenciou tudo aquilo da maneira mais presente possível. 

Niterói Rock Underground (1990-2010) mostra a transição da música (e por que não da cultura) no país e seus reflexos em Niterói-RJ. A revolução aconteceu no campo sociológico, político, estético, econômico e, claro, tecnológico. Da fita cassete, LP, VHS, fotocópia, fotografia em papel e o fax para o mp3 e o telefone celular, foi um longo caminho. E no meio dele não tinha uma pedra, e sim o fax, a popularização do computador pessoal com impressora, o CD, o DVD e o vídeo laser.

Vivendo em Niterói desde os nove anos de idade, Luna aprendeu a não só amar, mas também a defender sua nova cidade. Aos 18 anos estagiou na falecida Rádio Fluminense FM e caiu de cabeça na cena independente. Editou fanzine, foi empresário de bandas, produziu (e produz) dezenas de eventos e viajou para praticamente todos os festivais do país, sempre levantando a bandeira niteroiense. “Era como uma missão, eu queria colocar Nikiti no mapa nacional. Escrevia dezenas de cartas por semana, panfletava, ia para os shows sempre divulgando o município e os seus artistas”, explica.

O processo de pesquisa consumiu dois anos. Começou através do seu imenso acervo pessoal de CDs, fitas demo, fotos, cartazes, fanzines e flyers. “Abri cada pasta no fundo do baú e a partir dali fui organizando tudo cronologicamente”, conta. “Depois realizei entrevistas com pessoas essenciais e conferi algumas informações através da internet e trocando e-mails”. Seu livro vem para cobrir uma lacuna na bibliografia do gênero.

Utilizando o crowdfunding

Aprovado pela editora pública Niterói Livros em 2007 e novamente em 2009, nunca foi lançado. Cansado de esperar, Pedro resolveu editar por conta própria utilizando o crowdfunding, sistema de financiamento colaborativo, fazendo a venda antecipada para os amigos. Em três semanas, vendeu 120 exemplares. “A ideia era lançar o livro com um CD duplo contendo músicas existentes apenas nas fitas demo em k7 das bandas niteroienses como trilha sonora. Seria também uma forma de preservar a memória”.

Vinte anos depois, Pedro diz que é muito mais fácil promover a circulação de qualquer conteúdo, porém continua sendo difícil destacá-lo em meio a tanta informação. “A audiência se tornou a coisa mais valiosa. Por isso a criação de um relacionamento sólido continua sendo importante. Sem internet, usávamos as cartas para fazer amizades com pessoas do país inteiro que nunca vimos ao vivo, e muitas vezes não conheceríamos mesmo pessoalmente”, conta o jornalista, que mantém sua caixa postal desde 1996.

A cena niteroiense de hoje

Em 2004, após uma viagem à Cuiabá, Luna criou o movimento Arariboia Rock para organizar as bandas e suas lutas, como a criação do Dia Municipal do Rock em Niterói, comemorado dia 04 de dezembro. Porém, passados seis anos, a situação atual da cena não é nada boa. “Existem muitas bandas, mas a maioria de qualidade mediana. Vários grupos bons decidiram parar por falta de perspectivas”, lamenta. Para se ter uma ideia, hoje, há apenas dois locais para shows de rock na cidade: a Box 35, antiga Vollupya, criada há mais de 20 anos, e o Espaço Convés, que resiste há 15 primaveras.

“Não há espaços novos, nem qualquer programa público de incentivo, linha de crédito ou modelos de financiamento para a cadeia produtiva da música e da cultura em geral. Precisamos reabrir a Cantareira, o Cine Icaraí e o Teatro Popular e, principalmente, ocupar as praças e pistas de skate – como fizemos em 2008 com o bem sucedido projeto Rock na Pista”, enumera o coordenador do Arariboia Rock, que também reivindica uma rádio e uma TV pública municipal.

“Enquanto a prefeitura não entender que seu papel não é inventar coisas novas e sim fomentar o que já existe e funciona, não sairemos da estagnação cultural”, afirma o gestor cultural, que em dezembro de 2010 recebeu do vereador Waldeck Carneiro uma placa em homenagem pela sua contribuição cultural à Niterói. No dia 13 de julho deste ano, outro vereador, Renatinho, conferiu a Pedro a medalha de escritor José Cândido de Carvalho, em reconhecimento ao livro Niterói Rock Underground (1990-2010) e sua importância para o município de Niterói e à cena roqueira do Brasil.

Fruto de um trabalho que começou em 2007, este livro é uma bíblia para quem quer trabalhar com jornalismo cultural ou se divertir com a realidade de quem vive o rock.