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Serra sem sons: festival com Milton Nascimento em Friburgo acaba na polícia

Produtores do Serra Sons, em Lumiar, fogem da cidade, cancelam o evento e revoltam o público

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O festival de música popular Serra Sons, realizado em Lumiar, distrito de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, terminou em decepção. O evento, cuja programação incluía Lulu Santos, Zeca Baleiro, Alceu Valença e marcaria o reencontro de Milton Nascimento com o Clube da Esquina foi cancelado durante sua realização, e revoltou o público. Na madrugada de sábado para domingo, após o segundo dia de shows - o festival começou na sexta-feira, e terminaria na terça - os produtores do festival sumiram da cidade, anunciaram o cancelamento dos espetáculos restantes e deixaram várias contas a pagar, de acordo com a prefeitura local.

Os dois primeiros dias do Serra Sons transcorreram com alguns problemas. O cantor Lulu Santos se apresentou na sexta-feira para um público pequeno de cerca de1.500 pessoas - a previsão era de 8 mil espectadores - segundo a Polícia Militar. Apesar da pouca audiência, o show transcorreu sem problemas. Já a apresentação de Alceu Valença, no sábado, não foi tão tranquila. Apesar de agradar o público, a apresentação por pouco não ocorreu, pois a produção do evento não havia complementado o cachê do artista no prazo estabelecido em contrato. Na mesma noite, a apresentação do Cantor Zeca Baleiro foi cancelada, com o público recebendo a notícia horas antes, e sem a possibilidade de reaver o dinheiro dos ingressos. A não apresentação do cantor maranhense alimentou boatos de que alguns dos artistas não teriam recebido devidamente o cachê, desistindo de participar. O temor se confirmou na manhã de domingo, após os produtores do evento, ainda de madrugada, fugirem da cidade, segundo a PM, deixando para trás dívidas e descontentamento.

"Tomamos ciência disso lá pelas 9h", afirmou o tenente Marx, da Polícia Militar, que montava guarda na entrada do local por volta das 12h de domingo, em meio a espectadores atônitos e com ingressos nas mãos. "Eles (os produtores) abandonaram uma casa alugada às 4h. Avisamos aos colegas policiais na região, mas não temos muitas pistas do paradeiro".

Segundo a prefeitura de Nova Friburgo, após os dois primeiros dias de show, a subsecretaria de Guarda Municipal e Posturas já tinha lavrado autos de infração totalizando mais de R$ 200 mil reais pelo não cumprimento das condições impostas pelo órgão para a realização do evento, entre elas, o limite de horário para o término dos shows. 

Decepcionado ao receber a notícia sobre o cancelamento, o público foi instruído pelos PMs a registrar queixa na delegacia local contra a produção do Serra Sons. 

Comerciantes chegaram a pagar R$ 4 mil para montar estandes de venda de comida e bebida dentro do evento, e funcionários que trabalharam na montagem da estrutura ficaram sem receber.

"A orientação para prestar queixa procede e foi uma orientação nossa mesmo", explica André Luís Santos, subsecretário de Guarda Municipal e Posturas de Nova Friburgo. "Até porque é a via legal em situação desse tipo. Essas pessoas adquiriram os ingressos (R$ 50 por dia) e se programaram para ficar na cidade por vários dias. Ao meu ver, e também do delegado que está recebendo as queixas, isso pode ser classificado como estelionato". 

Após a fuga de Lumiar, o produtor do evento, Anderson Pomar, se manifestou à distância, alegando às autoridades que o fracasso ocorreu por uma onda de ingressos falsos. Ele garante que, apesar do público de 1.500 pessoas, o show de Lulu Santos vendeu oficialmente apenas 11 bilhetes. Pomar também teria deixado a cidade, segundo ele, com medo de ameaças que teria recebido do público.

"Eu, particularmente, não acredito nessa versão (de ingressos falsos)", afirmou André Luíz. "Estive lá pela subsecretaria, e vi os membros da produção recebendo os ingressos do público. Em momento nenhum houve algum caso de ingresso falsificado. Acho que o que nós presenciamos foi o típico caso de um evento que tinha tudo para dar certo, mas fracassou graças à desorganização da produção".

Revolta

No rastro do Serra Sons, o que não faltou foi revolta. Comerciantes que alugaram pontos próximos ao evento ainda contabilizam os prejuízos. O dono do campo de futebol usado como palco também não recebeu os R$ 10 mil destinados ao aluguel da estrutura. Até os funcionários que ajudaram a desmontar a estrutura do evento no domingo foram prestar queixa, já que não receberam o combinado com a produção. 

"Só não aconteceu uma confusão de grandes proporções aqui porque era um público mais velho, com a cabeça mais tranquila. Não registramos qualquer ocorrência de violência. Os consumidores ficaram revoltados, mas se comportaram muito bem", elogia o subsecretário André Luís Santos. 

A professora Tânia Souza, que aproveitou o feriado prolongado para ir ao festival, não escondeu sua decepção com o evento. No entanto, ela não prestou queixa na delegacia porque não tinha expectativa de ver seu dinheiro de volta. 

"Desde o começo, tudo foi muito estranho. O show do Lulu Santos estava muito vazio e começamos a ficar sabendo da confusão durante o show do Alceu Valença. O problema é que a própria produção do evento não nos passava nada, ficávamos sabendo tudo através de boatos, que nem sempre se mostravam verdadeiros", conta Tânia. 

Para algumas pessoas, que foram a Lumiar para acompanhar todos os dias do evento, o prejuízo chegou a mais de R$ 500. O professor Thiago Rodrigues da Silva, também descrente em qualquer reembolso, viajou apenas para acompanhar o show de Milton Nascimento.

"Gastei R$ 170 só com hospedagem e ingresso, mas minhas perdas foram pequenas em relação a algumas pessoas que conheci. Teve gente que veio de outros estados para acompanhar aos shows e está perplexo com o que está acontecendo. Todos estão indo para a delegacia revoltados. Não recebemos qualquer explicação. Levei um balão firme nessa brincadeira", explica Thiago. 

A completa falta de informação fez com que vários rumores se espalhassem rapidamente pela cidade. Sem qualquer confirmação da organização, comentava-se que o produtor Anderson Pomar fora vítima de um AVC durante o festival, o que teria ocasionado a confusão. Só na manhã desta segunda-feira algumas pessoas tiveram acesso às explicações oficiais, ainda pouco convincentes. 

"Não é possível acreditar nessa história de ingressos falsificados", lamenta a professora Nathália Topini. "Todo mundo comprou pela Saraiva e pela Fenac, não tinha como ser falsificado. Na casa onde eu estava hospedada, tinha gente de outros estados. Tem gente chorando aqui na minha frente. É revoltante".