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Waldomiro de Deus, um dos maiores pintores do país, abre exposição no Rio

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A primeira coisa que se nota ao conhecer Waldomiro de Deus é o enorme sorriso pintado em seu rosto. Um dos maiores nomes da arte naif no Brasil, o pintor - que nasceu na Bahia e já foi menino de rua em São Paulo - conheceu Salvador Dali, protagonizou uma música de Geraldo Vandré, recebeu uma homenagem escrita por Jorge Amado e teve seus quadros comprados por Brigitte Bardot. Na tarde desta quinta-feira (29), Waldomiro fez uma visita guiada e pintou ao vivo na abertura da sua exposição no Centro Cultural Correios, no centro do Rio.

A exposição, que fica em cartaz até meados de novembro, marca a comemoração dos 50 anos de carreira do pintor. Aos 66, Waldomiro conta ao Jornal do Brasil que se vê como uma pessoa privilegiada. “Além de ter uma direção de Deus, tenho amigos que me dão muito carinho e pessoas que gostam e valorizam o meu trabalho”, disse o pintor, que tem a religiosidade como uma de suas grandes marcas.

Para Enock Sacramento, curador da exposição, o momento é muito emblemático. “Essa é a grande exposição da vida dele [Waldomiro de Deus]”, disse o crítico, que já acompanha o trabalho do artista há mais de 30 anos. “Fizemos uma exposição em São Paulo, mas com menos quadros, aqui no Rio de Janeiro são 32 peças expostas. Vamos lançar um livro sobre a vida dele no ano que vem”. 

Nascido em 1944, Waldomiro fugiu de casa aos 12 anos para uma pequena cidade no sul da Bahia. De lá, conheceu o Brasil. “Se eu não fosse pintor, acho que seria caminhoneiro”, disse, em referência a um homem que lhe deu carona em um pau-de-arara quando ainda era garoto, em direção a São Paulo. “Eu era apenas um menino de rua, sem parentes, dinheiro ou documentos, e ele me tratou com respeito e amor. Ensinou-me muito”.

Aos 17, trabalhava como jardineiro na casa de um italiano em São Paulo, onde encontrou pincéis, tinta guache e cartolina. Religioso, Waldomiro conta como pintou sua primeira obra. “Eu assistia ao enterro quando vi um anjo passar pelo céu. As pessoas cantavam ‘abre a porta, Pedro, deixa clarear, que este anjo vai para o céu fazer morada lá’. Foi a minha primeira obra”. Com os materiais à mão, o pintor se dedicava à arte durante a noite e passava o dia cansado. “Até que eu fui pego cochilando no jardim e fui demitido”.

Sem emprego, Waldomiro reuniu as poucas cartolinas que tinha e passou a vendê-las no Viaduto do Chá. Suas primeiras peças foram arrematadas por um americano por 20 cruzeiros, dinheiro suficiente para alugar um quarto e comprar mais tinta. Assim começou sua carreira de pintor, que ganhou um solavanco quando conheceu o marquês Terry Della Stuffa, que virou seu mecenas. “Ele me deu uma casa nos fundos de sua mansão, me comprou roupas e até me ensinou a comer. Quando eu fazia algo de errado à mesa, ele chacoalhava um sininho”, lembra, brincando.

A partir de então, Waldomiro de Deus, que saiu menino do interior da Bahia, morou na Europa e conheceu a alta sociedade artística do Brasil. Modesto, conta sobre o dia em que conheceu o grande expoente do surrealismo, Salvador Dali. “Eu estava em uma galeria quando ele [Dali] veio em minha direção e me deu um beijo com aqueles bigodes que pareciam duas antenas. Uma senhora que me acompanhava perguntou se eu o conhecia. Disse que não”, conta, rindo. “Eu era um menino da roça, não conhecia nada do mundo”.

Obras

Os desastres são temas muito explorados nas obras mais recentes de Waldomiro de Deus, que já pintou cenas como o ataque às Torres Gêmeas em Nova York, o acidente na construção do metrô Pinheiros e o tsunami no Japão. Quem acha que essas obras são polêmicas não conheceu as peças em que o pintor retrata Nossa Senhora de minissaia e Jesus tocando guitarra. “Eu modernizei os santos todos”, brinca. “Mas fui muito perseguido por isso”.

Hoje, Waldomiro já pintou mais de 2 mil obras sobre situações tão extraordinárias quanto cotidianas e também sobre folclore, céu, inferno e política. “O que me inspira é o lirismo do campo, a ecologia, os problemas sociais do mundo, o povo e a sua imagem e semelhança com Deus”, enumera.

O traço marcante nas obras de Waldomiro é o maniqueísmo, uma obsessão quase pedagógica de mostrar a dualidade entre o bem e o mal. “O homem tem que entender que se ele semeia o bem, vai colher o bem, assim como se semear o mal, colherá o mal. Meu objetivo é levar as pessoas a refletirem sobre isso”, explica. “A pessoa não precisa ser estudada para entender a mensagem. Eu mesmo não tive estudo, mas para mim, o mundo foi uma escola, através da arte”.

Serviço:

Centro Cultural Correios

Rua Visconde de Itaboraí, 20, Centro do Rio

Visitação de 29 de setembro a 13 de outubro

Terça a domingo das 12h às 19h

Entrada franca