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Biografia de Plínio Marcos relembra a tragetória do dramaturgo

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Péris Ribeiro, JB Online

RIO - Contraditório? Visionário? Maldito? Ou, apenas, o típico rebelde sem causa? Na verdade, Plínio Marcos tinha um pouco de tudo isso e muitas outras coisas mais. A começar, por aceitar com determinação ser mártir de uma época, já que coragem foi o que nunca lhe faltou. Mas, por mais que a ditadura militar proibisse as suas peças, censurasse os seus textos, seu imenso talento sempre conseguiu furar o cerco, chegando, de alguma maneira, a um público maior.

E este público, se era capaz de se chocar com as duras realidades que ele fazia questão de escancarar, ao mesmo tempo aplaudia com entusiasmo aquele tipo de teatro-verdade. O mais realista dos teatros que se poderia conceber, já que expunha desabridamente as vicissitudes e contradições de um brasileiro típico. Ou seja: o brasileiro da periferia das nossas grandes cidades. Aquele que vivia em verdadeiras megalópoles como São Paulo e Rio de Janeiro.

Vendendo os seus livros com modesto acabamento gráfico, nas portas dos teatros, no abençoado restaurante Gigetto que sempre o acolheu e, durante algum tempo, em pleno Viaduto do Chá, Plínio Marcos não procurava apenas mostrar o que via e sentia. Naquele ato, buscava também um alento para a sua arte marginal. E, com todo aquele imenso talento, portando sandálias, o tradicional gorrinho e a inseparável bolsa de pano, às vezes lembrava-se que tirava dali o sustento para a própria sobrevivência.

No auge da pindaíba , como ele mesmo dizia, Plínio chegou a vender textos meramente mimeografados, tal a dificuldade em imprimi-los em alguma gráfica, por mais modesta que fosse. E era isso, paradoxalmente, que o fazia uma espécie de primo-irmão de Jack Kerouac por mais que viesse a desconhecer todas as peripécias da geração beat.

Altamente reverenciado, logo depois de sua morte, como o mais importante personagem de um grupo que levou às últimas consequências um determinado tipo de teatro justo aquele que retratava a dura realidade dos guetos paulistanos Plínio, sem saber, estava passando uma mensagem com um sentido altamente universal. As suas peças sempre tidas como malditas eram, isso sim, a voz daqueles que viviam sem voz, dos que caminhavam cada vez mais à margem de um digno contexto de vida, longe do eixo real de uma sociedade crescente. E, aí, ele era o mais autêntico primo-irmão do escritor João Antônio.

Aliás, o que nunca faltou foram as inevitáveis comparações com Nelson Rodrigues e o Gianfrancesco Guarnieri de Eles não usam black-tie. Mas a grande realidade é que coube a Plínio Marcos criar, em toda a sua essência, o teatro-verdade brasileiro. Um tipo de teatro que mostrava a olho nu as carências e desacertos de um povo ou o submundo das prostitutas, gigolôs e delinquentes.

Tudo isso pode ser encontrado no minucioso relato de Oswaldo Mendes, no livro Bendito maldito, lançado pela editora Leya. Sem dúvida, a obra definitiva sobre Plínio Marcos. Uma biografia sob medida, publicada quando lembramos os 10 anos de sua morte. Uma obra escrita por um amigo de longa data, que viajou às entranhas de um personagem riquíssimo. Sei lá, mas às vezes acho que sou um personagem de mim mesmo , teria dito Plínio certa vez, irônico, zombando dos azares da própria sorte.

Jornalista experimentado e homem de teatro como o biografado, Oswaldo Mendes preferiu dividir as 500 páginas do livro como se fossem uma peça por ele dirigida. O primeiro ato cobre a vida de Plínio de 1935 a 1966. O segundo ato fala dos conturbados anos do final da década de 60, indo até 1985. O terceiro relata a retomada da carreira e o reconhecimento, até o fatal derrame cerebral que lhe tirou a vida.

O bote da loba, que toca no homossexualismo feminino, fazia parte da sua produção mais recente, assim como A dança final, uma comédia que se detém numa temática que o Plínio de outras épocas rotularia de cara como pequeno burguesa. Apesar das seguidas tentativas, Plínio morreu sem vê-las encenadas para valer.

Conta Oswaldo Mendes que A dança final esteve nas mãos de Juca de Oliveira e Thereza Raquel , mas acabou sendo levada ao palco por Nuno Leal Maia e Aldine Muller, no Teatro Itália, São Paulo. Entusiasmado, o próprio diretor Eduardo Tolentino chegou a ir longe em seu arrebatamento, a ponto de eleger a peça como uma das mais importantes do autor, pois, pela primeira vez, Plínio Marcos fala da classe média e de um universo familiar mais perto dele. Embora não conheça detalhes de sua vida pessoal, sinto que a questão familiar não foi bem resolvida. Mas, nesta peça, ele de alguma maneira está apaziguado. A dança final me parece um breve epílogo de sua vida e o pós-escrito de sua obra .

Todo esse processo de reformulação na cabeça de Plínio, no entanto, já havia dado o seu toque de partida desde o início da década de 80. Mais precisamente quando ele resolve aprofundar o seu relacionamento com o misticismo. Tanto assim, que é um Plínio Marcos profundamente místico que toma nas mãos os mil destinos da médium eslava Helena Petrovna Blavatsky, partindo dali para a ansiada busca do autoconhecimento e da religiosidade.

Doida, visionária, poeta utópica, embusteira de mil e um truques dignos de um ilusionista de mafuá, Helena era sempre grandiosa, de extrema generosidade. Ansiosa por se encontrar, e sem nenhum medo de se perder... Ela acabou tomando conta de mim. Foi me levando, levando... para uma região de total silêncio. Eu fui compreendendo a Blavatsky. E escrevi sobre ela com a percepção do meu espírito parado diante do dela , relataria um Plínio perplexo. Quase em transe.

O resultado foi que, depois de sete anos sentindo-se atormentado e quase sempre acossado pela censura, houve uma espécie de reencontro épico de um grande autor com a sua arte. No final, o saldo não poderia ser melhor. Madame Blavatsky rendeu a Walderez de Barros de quem Plínio já havia se separado, depois de um casamento que durou 21 anos o Prêmio Moliére de melhor atriz . E a Plínio Marcos foi concedido o de melhor autor. O oitavo Moliére de sua carreira. Sem contar o Prêmio Mambembe no mesmo ano de 1985, também por Madame Blavastsky.

O momento era de festa. Mas a saúde delicada de Plínio começava a inspirar cuidados redobrados. Os sinais do velho Plínio Marcos capaz de encarar qualquer parada prisões e interrogatórios no Dops, por exemplo eram agora apenas uma imagem que teimava em não se apagar.

Alguns anos depois, em Paris, e sob o olhar vigilante da mulher Vera Artaxo, eis que, surpreendentemente, vamos encontrar um Plínio posando como o mais bem comportado dos mortais. Diabetes e coração safenados estavam sob controle. Mas Vera não se descuidava, dando-lhe o tratamento adequado. Nas suntuosas confeitarias e cafés da capital francesa, às vezes um café expresso com adoçante era bem vindo. Mas, quase sempre, a pedida era chá com torradas ou acompanhado por insossos biscoitos sem sal.

A sua grande vingança, no entanto, eram os animados bate papos com Chico Buarque, Zuenir Ventura, Carlos Heitor Cony, João Ubaldo Ribeiro e pasmem! Paulo Coelho, com quem se entendeu muito bem. Aquelas longas e gostosas conversas pareciam caídas do céu. Ainda mais, para um grande conversador e contador de histórias como Plínio Marcos.

Só que, na volta, passamos a nos deparar com um Plínio travesso, que insiste em cometer várias transgressões algumas delas, clandestinamente. As internações, então, viram lugar comum. E, mesmo sem perder o velho senso do humor escrachado Você não vai sair candidato a presidente? Então, pra que operar? Morre logo, porra! , disse ao amigo Mário Covas, governador de São Paulo, que tinha ido visitá-lo acabou entrando em coma em 15 de novembro de 1999. Para morrer no dia 19, uma sexta-feira, aos 64 anos.

Naquela tarde, saía de cena o palhaço Bobo Plin como ele gostava de se autoproclamar. Saía de cena um gênio. Que muitos até hoje relutam - ou seriam incompetentes? em entender.