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Diretor Pedro Cezar lança documentário 'Só dez por cento é mentira'

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Mariana Filgueiras *, Jornal do Brasil

SÃO PAULO - Depois de dirigir o documentário Fábio Fabuloso (2004), sobre o surfista Fabio Gouveia filme vencedor dos prêmios do Júri Popular no Festival de Cinema do Rio e na Mostra de Cinema de São Paulo e Pedro Cezar lança sexta-feira nos cinemas Só dez por cento é mentira, uma desbiografia do escritor Manoel de Barros. É como se tivesse caído da crista de uma onda de cabeça no chão: um buraco bem no no meio do Pantanal, o melhor lugar para pegar o poeta pela raiz.

A escolha de personagens tão singulares para seus filmes tem uma razão: Pedro, que também é surfista e poeta, confessa que filma as pessoas que gostaria de ser. Em Só dez por cento é mentira, em vez de se ater aos detalhes da vida do escritor de 93 anos que mais vende poesias no país, o diretor abusa de uma rica linguagem metáforica para explorar as desimportâncias do escritor. À sombra de um jacinto em sua fazenda em Corumbá, Manoel conta seu processo de criação, em que dez por cento é mentira, e o resto é invenção . A ligação com a obra de Barros começou há 15 anos, quando ganhou de um amigo o Livro sobre nada.

Foi uma das maiores surpresas e prazeres da vida ler as frases do Manoel de Barros. Quando era criança, mergulhava pra pegar lagosta em Candeias e sonhava em descobrir um baú cheio de tesouros dos navios naufragados. Encontrei esse baú nos versos dele enaltece o cineasta, que encarou o desafio de desvelar o poeta, geralmente avesso a entrevistas. Fazer Manoel falar é fácil. Ou então impossível. Ele é um sujeito encantador, simpático e muito bom de papo. O problema é o seguinte: ele não quer ter sua fala, suas oralidades, registradas e ponto final. Todos os meus argumentos foram inúteis. Desisti e, sem querer, encontrei a senha para que ele fizesse uma concessão: usei a palavra sonho.

A partir da autorização de Manoel de Barros, o diretor passou a outro dilema: como ilustrar suas imagens poéticas?

Dei muitas voltas tentando fazer correspondências visuais para alguns versos. Como fotografar ontem choveu no futuro ? Incorporei com alegria tal impossibilidade e simplesmente escrevi na tela: ontem choveu no futuro conta Pedro. Paradoxalmente, o resultado é uma frase imagética, visual e cinematográfica. O Manoel diz que poesia não é um fenômeno de paisagem, é um fenômeno de linguagem. Respeitei seus versos em boa parte dos casos e em outros arrisquei fazer clipes e alusões aos terrenos baldios de sua cabeça.

Para adentrar no universo do poeta, o documentarista preferiu passear pela obra e deixar os detalhes biográficos de fora do recorte. Assim, fatos marcantes, como a morte de seu filho, cedem espaço aos jogos de palavras do autor.

Quis me concentrar na obra de Manoel, feita, sobretudo, pela invenção com palavras e pelas desimportâncias de seus dias. Por isso o subtítulo desbiografia explica. As datas de cartório, eventos solenes e tragédias familiares foram deliberadamente ignoradas. Não faz parte do meu interesse. Sou tarado pelos absurdos que o ser letral Manoel faz com palavras. E esse Manoel letral só teve infância.

O perfil distinto e a distância geográfica entre os personagens de seus dois documentários são frutos de uma inveja construtiva , nas palavras do diretor.

Virei cineasta por acidente. Sou um cara da palavra. Me formei em jornalismo, trabalho com audiovisual há 20 anos, pego onda e gosto de escrever versos soltos e dispersos comenta Pedro. Dei sorte de contar histórias de vida sobre duas pessoas que admiro. Vou inventando filmes das pessoas que gostaria de ser: Fabinho Gouveia nas ondas e Manoel de Barros no bloquinho e lápis. Ainda quero fazer algo com o Millôr Fernandes. Nem que eu tenha que inventar um genérico desse gênio.

* especial para o Jornal do Brasil