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Ted Hughes: casamento com Sylvia Plath marcou a trajetória do poeta

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Cassiano Viana, Jornal do Brasil

RIO - Infelizmente pouco se conhece no Brasil da obra de Ted Hughes, poeta laureado na Grã-Bretanha instituição vista pelo resto do mundo como uma excentricidade, o detentor dessa distinção vitalícia recebe uma modesta remuneração anual para escrever poemas sobre as celebrações do Reino Unido e considerado um dos maiores poetas britânicos do século 20, ao lado de T. S. Eliot, W. H. Auden e Seamus Heaney. Como costuma acontecer quando a biografia do artista inclui detalhes estrepitosos, Hughes tornou-se mais famoso por seu casamento (aqui não é possível usar união ) com a americana Sylvia Plath, que durou cinco anos, de 1957 a 1962.

Restou muitas vezes um poeta reduzido a segundo plano e renegado por uma reputação de marido omisso, indiferente, com a fala de intelectual egocêntrico, arrogante, associada às fofocas sobre suas relações conjugais e extraconjugais (teve três mulheres, Sylvia, Assia Wevill e Carol Orchard ). Não foi de grande ajuda o fato de suas duas primeiras mulheres terem se matado. Além de Sylvia, morta um ano após a separação do casal, a segunda companheira, Assia, seis anos depois e pela mesma via inalação de gás matou-se, levando consigo a filha de 4 anos do casal, Shura. A sucessão de tragédias pessoais de Hughes se fechou este ano, quando, no dia 16 de março, Nicholas Hughes, seu filho com Sylvia, também cometeu suicídio, enforcando-se em sua casa no Alasca. Nicholas era biólogo e ensinava ciências do mar e da pesca na Universidade de Fairbanks.

Tradutor de Sêneca

Hughes, que completaria 79 anos este ano (morreu no dia 28 de outubro de 1998), produziu nada menos que 18 livros de poemas e cinco livros em prosa, traduções de Racine, Garcia Lorca e Sêneca, 16 livros infantis, além de ter organizado antologias de Emily Dickinson, da própria Sylvia Plath, Shakespeare e Coleridge. Em 2003, na Inglaterra, foi publicado pela Faber & Faber um volume de 1376 páginas (1030 poemas), com toda a sua produção poética. Os únicos volumes publicados no Brasil são as Birthday letters, as Cartas de aniversário traduzidas por Paulo Henriques Britto para a Record uma espécie de pedido de desculpas/explicação/expurgo público; os infanto-juvenis O homem de ferro (pela Martins Fontes), O caçador de sonhos e O que é verdade? , ambos pela Companhia das Letras; e o volume de contos Dificuldades de um noivo (Record).

É impossível a não ser para mitômanos e feministas de plantão imaginar que um poeta como ele escreveria versos apenas confessionais, para exorcizar a relação com Sylvia ou sua vida pessoal. O filme estrelado por Gwyneth Paltrow (Sylvia paixão além das palavras, de 2003) alimenta a imagem do poeta cafajeste e da mocinha apaixonada. Hughes acabou renegado pelas feministas que, obviamente, partiram em defesa da lady Lazarus (como a própria Sylvia se apelida num de seus mais famosos poemas, falando das reiteradas tentativas de suicídio, iniciadas antes mesmo da presença de Hughes em sua vida). Como explicar que após a morte de Sylvia, Hughes tenha se tornado organizador e maior divulgador de seus poemas e diários? Culpa? Talvez.

Ann Skea, autora de Ted Hughes: the poetic quest e uma das mais dedicadas pesquisadoras da obra do poeta, observa que Hughes, filho de carpinteiro, nasceu em Yorkshire, norte da Inglaterra, mesmo lugar das irmãs Brontë e cenário do romance O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë. Viria daí a personalidade à la Heathcliff de Hughes aquele que condena o espírito de Catherine, a mulher amada, a vagar pela terra e a não encontrar descanso, porque não suportaria continuar a viver sem ela por perto. Na verdade, aqui os papéis estariam invertidos, pois é ele que não conseguiu se livrar do fantasma da mulher.

Santuário de remorso

Ted Hughes que teve seu primeiro livro, Hawk in the rain, publicado aos 27 anos diria, numa carta a Aurélia, mãe de Sylvia Plath, que não queria ser perdoado ou transformado num santuário público de luto e remorso. Mas, se há uma eternidade, estou amaldiçoado nela , escreveu a um amigo. Deixe as feministas fazerem o que quiserem, deixe as pessoas pensarem o que quiserem sobre mim, deixe os céus caírem, deixe os exércitos de apoio acadêmico de sua mãe me demolirem (...), não posso mais me trancar atrás desta porta de vidro por mais uma semana , escreveu ao filho Nicholas, comentando a publicação das Birthday letters. Os trechos acima foram traduzidos pela jornalista e tradutora Marina Della Valle, que se ocupa, hoje, de uma dissertação de mestrado sobre o escritor.

Sylvia Plath descreveu o marido como alguém com os bolsos recheados de horóscopos . De fato, para Hughes o zodíaco importava. Quem sabe se havia levado em conta que, pela sinastria (técnica utilizada na astrologia para analisar os graus de afinidade e dificuldade no relacionamento entre duas pessoas), ele, do signo de Leão, tinha reduzidas possibilidades de um relacionamento não-destruidor com a escorpiana Sylvia.

Possivelmente tenha levado em conta seu zodíaco como pano de fundo para sua produção poética. Leão é associado na astrologia antiga com o corvo, animal noturno e solitário, que simbolizaria o lado obscuro da natureza humana, o mensageiro do vazio, do grande mistério . Na cultura dos índios americanos, a cor preta do corvo tem diversos significados, mas não simboliza o mal. O preto pode simbolizar a busca de respostas. Todas essas dimensões estão presentes em um de seus livros mais primorosos: Crow: from the life & songs of the crow, inédito no Brasil.

*Jornalista e tradutor