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Cultuado por fãs, clássico do grupo progressivo Bacamarte resiste

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Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO - Representante de um gênero que, silenciosamente, mantém uma legião de adeptos (o rock progressivo) o músico carioca Mario Neto, 49 anos, nunca imaginou ganhar dinheiro com sua banda Bacamarte cujo disco Depois do fim, gravado em 1979, foi editado de forma independente em 1983, com distribuição modesta, impulsionada pela finada rádio Fluminense FM e pelo culto dedicado aos shows da banda. Mas se assustava ao ouvir de lojistas que as cópias usadas da estreia de seu grupo, durante vários anos, vinham sendo comprada em quantidades enormes nas lojas de todo o país, para exportação. Uma situação que se reduziu quando o disco, gravado pela banda com a participação especial de Jane Duboc nos vocais, começou a ser trocado em mp3 na internet e que talvez retorne agora que, remasterizado e encaixado numa caprichada edição em digipack, foi reeditado pela gravadora Som Livre.

Me contavam que as pessoas entravam nas lojas e compravam todas as cópias que haviam lá. Às vezes, tinha 50 discos e levavam isso. E eram pessoas físicas, que queriam mandar os discos para amigos e recebiam outros por intercâmbio espanta-se até hoje Mario. Também soube que uma revista holandesa, Exposure , publicou uma lista dos 100 melhores álbuns de rock e o Depois do fim estava lá, junto com discos dos Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd.

De fato, Depois do fim, em seu original de vinil, pode ser adquirido por até US$ 200 em sites de leilões ou em lojas virtuais. Assim como edições piratas do disco surgem na Europa e nos Estados Unidos. Para atender à possível demanda de fãs interessados na nova edição em CD (já houve uma, feita em 1994, em escala mínima, pelo selo-loja carioca Rarity, que fechou as portas), a Som Livre, em iniciativa inédita nos 40 anos da história da gravadora, licenciou o álbum para outros países. Como o Japão, onde acaba de ser lançado pelo selo Belle Antique.

Sou fã do Bacamarte e de rock progressivo, e era um sonho relançar o disco alegra-se o gerente comercial da Som Livre, Emilio Magnago, que se agoniava ao ver as edições piratas que se multiplicavam pelo mundo. Antes de procurar o Mario imaginava que ele se oporia a um relançamento em CD. Mas ele se mostrou super disposto e colaborativo.

A nova edição, diz Mario, foi feita pensando nos fãs que ouviram músicas como Pássaro de luz, UFO e Smog alado em vinil.

Tentamos manter a ênfase nos graves, que são uma carcterística do vinil. afirma Mario, que ainda guarda a fita master de Depois do fim em casa, ao contrário do que acontece com vários álbuns independentes dos anos 70 e 80. De 1979 para cá levei a sério todas as lendas sobre conservação de fitas. Deixei o original guardado numa caixa de isopor e por isso foi possível remasterizar e dar outro enfoque.

O vinil de Depois do fim surgiu nas lojas quase 10 anos depois do começo do grupo, em 1974. Na época, o então adolescente Mario (que se iniciara no violão e no piano clássicos aos 6 anos de idade), estudava no Colégio São José, na Tijuca, Zona Norte do Rio. E conversava com amigos com os quais partilhava o gosto por rock progressivo, de bandas como Genesis e Pink Floyd, além das nacionais O Terço e Mutantes autoras, respectivamente, dos discos Criaturas da noite e Tudo foi feito pelo sol, ambos lançados naquele período. Mesmo antes de conseguir gravadora, o grupo conquistara uma aparição, por intermédio de um executivo da gravadora CBS (hoje Sony Music), Arlindo Coutinho, no prestigioso programa Rock concert, da Rede Globo, em 1977.

Meu pai, que sempre deu muita força para a banda, chegou a fretar um ônibus para São Paulo para todos verem a gente gravar recorda, saudoso, Mario. No dia da gravação, o diretor do programa, Ronaldo Cury, me mandou pegar o violão e tocar uma música clássica qualquer. Toquei o Prelúdio nº 1 do Villa-Lobos, que é um compositor clássico do qual sempre gostei e, para minha surpresa, aquilo virou a abertura do programa.

O ano em que Depois do fim foi gravado marcou a entrada pela porta da frente da produção independente brasileira, com as mais de 100 mil cópias da estreia homônima do grupo vocal Boca Livre. Por sinal, gravada no mesmo estúdio na Praça 11, Sono-Viso, que abrigou Mario (guitarra, teclados), Sergio Villarim (teclados), Delto Simas (baixo), Marco Veríssimo (bateria), Marcus Moura (flautas e acordeon) e Mr. Paul (percussão). Mas ainda que o cenário parecesse bom, nada foi tão fácil. A começar pelas módicas 19 horas de estúdio. Durante a maratona, os músicos tocavam vários instrumentos Mario, que se dividia numa mesma faixa entre guitarra, violão e teclados, era obrigado a largar um instrumento e caminhar sem fazer barulho até o outro para continuar a sessão.

Se houvesse qualquer ruído, o microfone captava recorda o músico, sem esconder o quanto padeceu. Como a Praça 11 é um lugar no qual sempre se instalam circos, durante a gravação tinha uma lona funcionando ao lado do estúdio. Enquanto gravávamos, um elefante começou a gritar desesperadamente Não teve jeito: tivemos que esperar o bicho se acalmar para prosseguir.

Já os vocais de Jane Duboc, que na época já iniciava uma carreira solo distante do rock (apesar de, anteriormente, ter feito vocais para canções de Raul Seixas e ter sido casada com seu guitarrista, Gay Vaquer), apareceram com as bases já prontas, no último dia de estúdio.

A Jane tinha sido recomendada pela mulher do Ronaldo Curi do Rock concert. Mostrei o material, ela topou cantar e foi ao estúdio. O engraçado é que ela entrou aquecendo a voz e, na primeira, não encaixava de jeito nenhum na música. Os meus colegas de banda quiseram me matar lembra Mario, rindo nervoso. Na segunda vez, ela disse para ligarem o gravador e cantou tudo certinho. Depois, fez uma série de apresentações com a gente, mas precisou largar para investir na carreira solo. Quem continuou com a gente foi uma amiga dela, Miriam Perachi.

Após a série de shows do lançamento do disco, o Bacamarte virou mais um projeto do que uma banda, ressuscitado para alguns shows e ensaios. Mario passou a dar aulas de música, fez jingles, virou funcionário público e hoje tem um estúdio próprio. Retomou o nome Bacamarte ao lançar um CD solo, Sete cidades, em 1999. Para o futuro, planeja voltar com o grupo para algumas apresentações de relançamento. Só espera que, caso voltem a gravar, desfrutem de um clima mais relaxado.

Acho que nem tenho mais fôlego para uma maratona como foi a da gravação do Depois do fim. brinca, esperando que a reedição chame a mesma atenção do original. Com isso, acho que já dá para falar que Genesis e Pink Floyd são meus colegas, né?

Já Magnago sonha em lançar um DVD da banda.

O Mario teve o estúdio dele roubado, então sumiram vários out-takes do grupo. Gostaríamos de ter colocado isso no CD, mas não deu afirma, revelando que a Som Livre ainda deve investir em mais relançamentos. Discos de bandas como Casa das Máquinas, como Lar de maravilhas (1975) podem voltar às lojas.