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Qualquer tango vira samba, e vice-versa, diz revelação Filipe Catto

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Luiz Felipe Reis, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Filipe Catto lança seu universo passional em sete canções próprias. Bandoneón, piano, violões e cavaquinho esculpem a sonoridade

Ao apostar na mescla de vertentes sonoras latinas com pitadas de samba e tango, adornar melodias sob uma lírica passional e dramática, e insurgir no palco em performances catárticas e teatrais, o cantor e compositor gaúcho Filipe Catto, 21 anos, mantém, intacta, uma estética indie fruto de uma geração que molda suas referências também sob as possibilidades cruzadas da internet. Bebeu do cálice de divas como Maysa e Elis Regina, adolesceu em PJ Harvey e Cat Power e amadureceu com Chico Buarque e Elza Soares. Chama a atenção não apenas sua faceta de vigoroso intérprete. Aliás, classificação que não define sua mais distinta peculiaridade: a de compositor. Contra tenor, cuja referência mais óbvia no manancial da MPB poderia apontar Ney Matogrosso, Catto é dono de voz ambígua, afinação precisa e agudos cristalinos. O resultado, inusitado e impactante, e que poderia pender ao cafona sob mãos descuidadas, confirma aura sofisticada em Saga balaio que reúne sete assinaturas próprias (https://filipecatto.com.br/download/).

Canto o sentimento mais primitivo do ser humano, a paixão. Só consigo me comunicar dessa forma.

Leia-se: versos pungentes e, ao que parece, bem cortados: Se eu soubesse que o amor é coisa aguda, que tão brutal percorre início, meio e fim; destrincha a alma, corta fundo na espinha, inebria a garganta, fere a quem quiser ferir , em Saga; Deixo você para quem quiser ser teu, para amantes desbotados que não ardem como eu , em Ressaca, ou E se um dia me veres chorando, partindo de dor, como uma pobre coisa desgraçada, como uma triste flor esmigalhada entre seus dedos , Ascendente em câncer; e Enquanto te convence para os outros, enquanto te bajulam pelo bar, não vê nem por milagre que tua casa, pega fogo e espalha, luxuriosa regozija , Crime passional.

É claro que é sobre minhas experiências, mas extrapolam a pessoalidade. Falo da vida e de sentimentos universais. Essa dramaticidade é natural... é que nem desfile de carnaval. Busquei transformar lamentos melancólicos em dramas. A melancolia é cinza e opaca, enquanto o drama é quente e vibrante. Acentuei essa diferença, mesclando samba e tango. Até porque, qualquer tango pode virar samba, e vice-versa.

Catto é do tipo prodígio. Nascido em família de músicos, cresceu cantando em casa e em eventos diversos. Fincado no Rio Grande do Sul, cidade que respira o rock como expressão musical popular, passou a adolescência experimentando e modulando sua voz em grupos como Ácido Vinil; exercitou a escrita poética até amadurecer seu processo de composição. Não é à toa que, até hoje, faz referência a ícones do cenário indie americano, como as cantoras Cat Power, por quem se inspirou a para a realização de uma série de shows, ou PJ Harvey, que sobrevive até Saga como influência estética.

Meu pai tocou em bandas, nos anos 60 e 70. Desde cedo a música faz parte da minha vida. Sempre procurei compor minhas canções. Passei minha adolescência cantando em bandas, assistindo a shows, circulando na cena e fazendo amizades no meio roqueiro. Aos 16, comecei a tocar e perceber que podia fazer algo melhor com a minha voz. Tive que pentelhar o Frank Jorge para fazer meu primeiro show no Ocidente, espaço badalado no Sul.

Catto tem no violão seu instrumento de apoio para burilar canções. Mas alerta que não há fórmulas: É uma grande viagem. É uma coisa que te toma e te invade . E é justamente assim, que o rapaz, de traços finos, pele clara e ar angelical, se transforma, possuído de febre e cólera passional, em cima do palco, para interpretar suas crias.

Compus a melodia de Ascendente em câncer e encontrei a letra num fragmento de texto do livro do Fernando Calegari. Mas, na maioria das vezes, a música nasce sozinha, quase inteira. A letra é o principal, o tratamento com a palavra não é para enfeitar a melodia. Escrevo muito e guardo na gaveta. Tudo parte da construção poética.

Antes de entrar em estúdio, auxiliado pelo produtor Sérgio Kalil, para lapidar Saga, Catto viajou para Nova York. A vivência, de oito meses, no efervescente polo artístico nova-iorquino o colocou em sintonia com a música latina. Fosse através de mariachis mexicanos que adentravam o metrô em alto e bom som, ou os músicos de rua que povoavam a Union Square, os ritmos locais precipitaram uma pesquisa rigorosa sobre as raízes musicais brasileiras.

A latinidade está no Brooklyn. É um cruzamento de culturas riquíssimo. E que serve como questionamento para nós. Como é que erguemos barreira tão grande em relação ao que se faz no resto da América? Deveria ser natural.

Nova York lhe trouxe a latinidade, a saudade do palco e certeza de que era tempo de elaborar um primeiro trabalho autoral.

As pessoas tendem a achar que as coisas nascem rápido. Não é assim. Esse disco é fruto de um processo muito sofrido. Uma verdadeira saga. Por isso o nome: forte, curto e impactante.