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"O contador de histórias" navega contra a corrente do cinema

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Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil

RIO - A problemática da infância perdida para a criminalidade, assunto que ajudou a alimentar o cinema social brasileiro recente, acaba de ganhar uma alternativa de viés positivista. O contador de histórias, que chega ao circuito nacional na sexta-feira, é a biografia romanceada do mineiro Roberto Carlos Ramos, um ex-interno da Febem (Fundação para o Bem-Estar do Menor) que conseguiu driblar o destino da marginalidade e, já adulto, volta à instituição como pedagogo. Diferentemente de títulos que exploram vítimas da tragédia urbana, como Ônibus 174, de Bruno Barreto, o filme de Luiz Villaça oferece ao público a ideia de que nem tudo está perdido.

Ele navega contra a corrente, porque é um filme pela vida, que fala sobre a possibilidade (da recuperação) explica Villaça, diretor de TV que estreou no cinema aos 33 anos com a comédia romântica Por trás do pano (1999). Tudo estava errado na vida do Roberto Carlos, até que aparece alguém no caminho dele que acredita na reabilitação do ser humano.

Tal pessoa determinante na trajetória do personagem é a pedagoga francesa Marguerite Duvas, no filme interpretada pela atriz portuguesa (radicada na França) Maria de Medeiros (Pulp fiction Tempo de violência), que condensa. Nascido no fim dos anos 60, em Belo Horizonte, Roberto Carlos Ramos era o caçula de nove irmãos de uma família muito pobre da periferia da cidade. Foi entregue ainda muito pequeno à Febem pela própria mãe. Esta acreditava na propaganda do governo da época, que vendia a instituição como fazedora de médicos, engenheiros e professores.

O garoto fugiu várias vezes da fundação e por anos viveu nas ruas como menor abandonado, até que Marguerite o levou para casa, primeiramente como objeto de um estudo social que viera fazer no Brasil; em seguida, o adota e o leva para a França. Anos depois, já formado, Roberto Carlos voltou ao país, onde desenvolveu suas habilidades como contador de histórias, hoje reconhecida internacionalmente. Aos 43 anos, Roberto Carlos é hoje pai de três filhos adotivos e viaja pelo mundo como expert no seu ofício. Na ficção, ele é interpretado aos 6 anos por Marco Antônio, aos 13 por Henrique Mendes, e aos 20 por Cleiton dos Santos da Silva.

O caso dele é exemplar no cotidiano do brasileiro, embora pouco explorado. É uma experiência que evidencia qualidades comuns a todos nós, como generosidade e bondade, de como podemos tocar a vida do outro da melhor maneira possível analisa Villaça, produtor da peça A alma boa de Set Suan, protagonizada por sua mulher, a atriz Denise Fraga, que, por sua vez, é produtora de O contador de histórias. O curioso é que a peça fala de coisas próximas ao universo do filme, apesar de ser um texto de (Bertolt) Brecht.

O diretor tomou conhecimento do caso de Roberto Carlos no Natal de 2002, quando lia para os dois filhos, então com e 3 e 4 anos, contos de um livro infantil escrito pelo ex-interno famoso o último deles resumia a edificante trajetória de seu autor. Embora, na época, estivesse à frente do Retrato falado, quadro do Fantástico em que Denise Fraga dramatizava histórias enviadas por telespectadoras, que durou mais de 150 episódios, Villaça se prometeu dedicar a fazer uma coisa por dia pelo filme até que pudesse se dedicar exclusivamente a ele.

Foi bom não ter pressa, porque a história do Roberto Carlos foi assentando com o passar dos anos argumenta o diretor. Valeu a pena fazer quase 200 quadros do Retrato falado para então fazer o filme, porque o programa de TV era como uma espécie de estudo do brasileiro, de como ele toca a própria vida. Foi como eu estivesse me preparando para dirigir O contador de histórias.

Marcado por muitos incidentes trágicos e alguns engraçados, a biografia de Ramos sofreu algumas adaptações durante a conversão para o cinema. O roteiro, escrito a oito mãos (Villaça, José Roberto Torero, Maurício Arruda e Mariana Veríssimo), funde em um único personagem a pedagoga Pérola (Malu Galli), a figura de diversas outras educadoras que passaram pela vida do menino. Também incorpora um traço característico da linguagem desenvolvida por Ramos: a fantasia. Estas se materializam no filme com recursos de animação, musicais e de figurino.

Para o filme que queria fazer, o importante era preservar duas coisas: a relação com a formação do contador de histórias e a fértil imaginação do personagem, que o ajudou a superar a dureza da realidade em que vivia enumera, o diretor, que diz ter contado com a compreensão do biografado. Ele disse para mim: Você pode contar a minha história chorando ou vendendo lenço . Escolhi a segunda opção.